spoiler visualizarluizadespindola 16/03/2024
Primeiramente, devo confessar que o principal provocador desta minha seguinte resenha foi a minha completa discordância de opinião com a maioria das leitoras deste livro. Recomendo, que ao terminar Madame Bovary, conheçam outra história escrita pelo mesmo autor; me refiro ao conto Um Coração Simples. O contraste, no mínimo, a surpreenderão.
Observação: Apesar de notar algumas partes repetitivas ao longo da resenha, decidi deixá-las como estão. Para mim, este texto é mais uma lembrança das minhas impressões.
Tendo passado parte de sua vida em uma fazenda no interior ao lado de seu viúvo pai, Emma encontrava deleite na companhia de seus livros românticos, responsáveis por formar todo seu imaginário. Foram eles os causadores de suas tão idealizadas paixões juvenis inexistentes, do seu arrebatar de sentimentos, daquela suposta definição de “amor”, na qual erroneamente se permitiu acreditar, mesmo quando tudo indicava o erro daquela atribuição, que se referia a pura e passageira atração do carnal.
Eis que então ‘conhece’ Charles, um doutor, veja só! Nada lhe agradava mais do que a posição daquele tão encantador pretendente, cujos olhos a Emma já pertenciam. As suas referências românticas, tão aparentemente coesas com a realidade, puderam ser finalmente postas à prova durante aquela situação.
Pensa o leitor que Emma estava apaixonado por Charles? Não, senhor; Emma estava apaixonado pelo Doutor. Em outras palavras, atribuía a ele todas as qualidades que suponha serem inerentes a um homem daquela posição. Se deixou cegar pelos seus próprios devaneios.
Ao casar-se, Emma percebe a contradição daquela ficção que tanto a agradava. O casamento não trouxe as emoções esperadas, o marido não agia da forma com que desejava. Não que fosse um homem ruim, mas para sua surpresa, Carlos tinha defeitos! E defeitos, não, Emma não poderia suportar. Era uma sentimentalista nata.
É necessário salientar, entretanto, que esses defeitos lhe eram repugnantes apenas quando estavam fora de seu alcance, mas não quando os poderia praticar. Concordo, portanto, com a afirmação de que Emma é uma perfeita representação da ótica feminista: assim como a maioria deste grupo, incorpora as imperfeições masculinas como virtude, e oculta o ressentimento num discurso hipócrita de suposto ódio pela má conduta, que na realidade, anseia secretamente. Rejeitam a sua própria natureza humana em prol de se tornarem homens defeituosos.
Após tal desilusão, Emma não reflete sobre a sua possível má intepretação quanto ao que seria de fato o amor conjugal. O amor ser um sacrifício de doação pelo outro nunca parece ter passado por seus pensamentos, mas apenas nos de Charles, que infelizmente, também não era uma bela referência de homem, suas atitudes fracas e manipuláveis impediam o espírito de segurança que poderia trazer a família.
Emma inicia consecutivas traições contra Charles, sempre em busca de algo que nunca parecia estar a sua disposição; se afundava nos prazeres primárias, sem sequer supor que nada ali encontraria além de desgraça e do infortúnio. As joias, a costura, o piano, a vida como freira... Tudo a empolgava de um modo passageiro. Quando se exigia o labor, o esforço da tarefa, nada mais a interessava. Era guiada por tropel de paixões, e por conta deles, encontrou seu fim. Seu egoísmo, sua vaidade, sua libertinagem e sua “quebra de padrões” não foi um símbolo de liberdade para as mulheres, e sim de destruição. Os rastros de suas ações ficaram para sempre marcadas na vida daqueles que um dia a amaram.
Aqueles que tem a coragem de dizer que “Emma amou demais”, como tantas vezes li ao decorrer das resenhas, convido vocês a releitura deste livro sem esse olhar ideológico que petrifica. Nunca ouve amor no coração desta mulher. Esta apenas sufocava a todos como marionetes na sua história imaginativa de contos de fadas distorcidos. Só eram agraciados por sua estima os que negavam a sua própria naturalidade em nome de uma perfeição. Depois de tantas personagens femininas literárias que tive o prazer de acompanhar, posso dizer com firmeza, Emma não foi uma delas. E isso é o que torna esse livro perfeito. Ao ver a história de Madame Bovary, somos instigados a mudança, a melhora, a busca pela virtude e ao horror ao vício e as situações do egoísmo vil.
Assim como Flaubert, poderia dizer: 'Eu sou Madame Bovary', pois também carrego alguns de seus traços, os quais, no entanto, constantemente tento aniquilar. Lutar contra nossos desejos puramente concupiscentes é essencial. Sejamos mais como Felicité (de 'Um Coração Simples') e menos como Emma.