Luiz 19/08/2023
"ela desejava o amor segundo as teorias em que acreditava."
Livro: Madame Bovary
Autor: Gustave Flaubert
Emma casa-se com Charles, porém percebe que a vida de casada não era como lia nos livros de romance. Enquanto Emma era linda, vinha de uma família de considerado renome, possuía talento para a música, leitura e arte, além de ter tido uma educação monástica católica, que consequentemente a diferenciava das demais.
Charles Bovary, diferentemente de Emma, não possuía talento algum, deve uma educação complicada, de um lado seu pai era rigoroso, tentava forjar um verdadeiro homem a moda militar, enquanto que do outro, sua mãe o educava com mimos; o desempenho escolar era ruim, abaixo do medíocre, se formou com muita dificuldade, precisou fazer mais de uma vez a prova para tornar-se médico, porém sem grande destaque, visto que o antigo médico da cidade havia falecido. Seu primeiro casamento foi com uma senhora mais velha, um casamento arranjado pela mãe, tendo como objetivo dar ao filho uma vida relativamente confortável, visto que era uma mulher de posses. O casamento durou até a morte dela, quando morreu devido ao trauma emocional que sofrera devido ter sido roubada parte de seus bens e ao mesmo tempo ser exposta por não ter, de fato, a vida "refinada" que aparentava mostrar.
Charles e Emma casam-se, mas enquanto um vive o verdadeiro sonho, para a outra, um verdadeiro tormento, e para lidar com esse tormento Emma entrega-se à concupiscência.
"Agora, porém, possuía para toda a vida aquela mulher linda, a quem adorava. O universo, para ele, limitava-se à roda de suas saias; achava que não a amava o suficiente, sentia saudades dela e voltava depressa, subindo a escada com o coração a bater. Emma, no quarto, fazia a "toilette", ele chegava, pé ante pé, beijava-a nas costas e ela dava um gritinho.
[...]
Antes de casar-se, ela acreditava amá-lo; mas, como a felicidade que deveria resultar desse amor não aparecera, ela pensava estar enganada. E Emma procurava saber o que significavam exatamente na vida as palavras felicidade, paixões e embriaguez de amor, que lhe haviam parecido tão belas nos livros."
(Gustave Flaubert, p.42)
Interessante ressaltar a escrita do autor que é excelente, ainda que não tenha sido um livro que eu tenha gostado tanto, de fato é um livro que permite muitas reflexões:
- a comunicação dentro do casamento, o como a falta de diálogo prejudica e destrói um casamento;
- as escolhas inconsequentes que tomamos é que sempre resvalam em pessoas diretamente ligadas a nós;
- a falta de responsabilizar-se pelas suas escolhas, por vezes nos esquivamos da responsabilidade das escolhas que tomamos e buscamos culpados em situações ou pessoas;
- o como os pecados vão se somando na nossa vida quando colocamos somente o nosso ego acima de tudo, a ambição inicial se soma a luxúria, a inveja, a ira, o orgulho e etc, tudo converge para a destruição de nós mesmos e de quem está ao nosso lado;
- o problema de ter suas decisões definidas por terceiros;
- o desgoverno das paixões, quando colocamos nossos desejos acima de tudo, inevitavelmente sofremos por isso;
- o debate eterno entre a ciência e a religião, assim como a moral e os desejos;
- a necessidade material como forma de preenchimento do vazio existencial;
- distinção entre real e ideal, prática e imaginação; e etc.
"[...] ela desejava o amor segundo as teorias em que acreditava."
(Gustave Flaubert, p.49)
Emma e Charles formam o tipo de casal que não merece ser replicado na vida real, muito pelo contrário, servem ao propósito de mostrar o como não temos que agir, e a tragédia causada por esses inúmeros fatores citados anteriormente. É um livro que dialoga com muitas pessoas e que em algum nível todo mundo já esteve em situações parecidas como as apresentadas no livro.
Não é um livro surpreendente, ainda que esteja entre os clássicos, a escrita é magistral e por vezes até divertida e irônica, porém chata e previsível na maioria das vezes, a nota se deve a justamente ter sido um livro que muito mais me cansou do que foi proveitosa em algum nível, na real, ainda que tenha muita coisa interessante pra se falar sobre o livro, eu mal podia esperar pra terminar logo o livro e partir pra outra leitura, não foi um romance que tenha me interessado tanto, não funcionou pra mim, a não ser compreender o como um ideal de vida e valores pode ser destruído e conseqüentemente destruir a nossa vida, principalmente quando se coloca em questão a falta de regramento nas vontades e desejos, é a lição principal, dentre tantas, que o livro proporciona.
"A conversa de Charles era sem graça como uma calçada e nela desfilavam ideias de todos, em roupagem comuns, sem suscitar emoções, risos ou sonhos. Ele dizia que jamais sentira curiosidade, quando morava em Ruão, de ir ver nos teatros os atores de Paris. Não sabia nada, nem lutar, nem atirar de pistola; e um dia não foi capaz de explicar um termo de equitação que ela encontrar num romance.
Mas um homem não devia saber tudo, ser hábil em múltiplas atividades, iniciar as mulheres nas energias da paixão, no refinamento da vida e em todos os mistérios? Aquele, porém, não ensinava nada, não sabia nada, não desejava nada. Acreditava-a feliz e ela o detestava por aquela calma assentada, aquela serenidade pesada, feita de felicidade que ela própria lhe dava."
(Gustave Flaubert, p.47)
"Não importava. Ela não era feliz, jamais o fora. De onde vinha então aquela insuficiência em sua vida, aquela podridão instantânea das coisas em que ela tocava? Mas se havia em algum lugar um ser forte e belo, uma natureza valorosa, cheia ao mesmo tempo de entusiasmo e de refinamento, um coração de poeta sob a forma de anjo, lira com cordas de bronze tocando no céu epitalâmios elegíacos, por que, por acaso, não o haveria de encontrar? Oh! Que impossibilidade! Nada, aliás, valia o desgosto de uma busca; tudo era mentira! Cada sorriso escondia um bocejo de aborrecimento; cada alegria, uma maldição; cada prazer, um desgosto; e os melhores beijos não deixavam nos lábios senão um desejo irrealizável de uma volúpia maior."
(Gustave Flaubert, p.249)