Rodrigo1001 13/05/2024
Anseios universais (Sem Spoilers)
Título: Madame Bovary
Título original: Madame Bovary
Autor: Gustave Flaubert
Editora: Abril Cultural
Número de páginas: 260
Tendo sido completamente estudado, analisado, decomposto, esmiuçado e esquadrinhado desde 1857, ano do seu lançamento, não me parece razoável introduzir Madame Bovary a quem quer que seja. A obra, a propósito, faz parte de uma seletíssima lista de livros que dispensa introduções.
Você pode não tê-lo lido, mas certamente já ouviu falar sobre ele.
Madame Bovary é daquelas obras de reconhecimento universal, um dos maiores livros já escritos e uma obra fundamental da literatura mundial. Com relevância permanente, ampla recepção e um apelo que atravessa barreiras linguísticas e culturais, o livro simplesmente ressoa ao longo dos séculos e nenhuma lista de calibre deixa-o de fora quando se trata de grandes clássicos da literatura.
Livro essencial, caráter atemporal.
Com esse cartão de visitas e dentro desse contexto, como mero leitor, creio que a maior contribuição que eu posso dar seja a mais espartana de todas: divagar sobre as impressões que o livro me causou.
Assim, começo essa resenha com um alerta: se você tem predileção por finais felizes, simplesmente pule este livro e passe para o próximo da lista. Não vou estragar nada pra você (alguns outros críticos já fizeram isso inadvertidamente, de qualquer maneira), mas você também deve saber que o enredo e os personagens principais deste romance são de natureza essencialmente trágica.
E põe trágico nisso!
Duas almas incompatíveis, uma terna e acolhedora e outra de natureza indômita, deturpada da realidade, decidem compartilhar a vida. Daí decorre o que só poderia decorrer nesses casos, com todas as mazelas que uma vida incompatível encerra em si.
Emma Bovary é a personagem principal e seus anseios por romance, emoções, dinheiro e status são universais. Ainda assim, o custo desses anseios é altíssimo!
Fui levado pela mão de Emma em uma verdadeira montanha russa de emoções, um pot-pourri de impulsos íntimos, tensão inflamada e idealização do amor. A viagem resultou em pura fascinação não só pela personagem em si, mas também pela precisão da escrita do autor, seu detalhamento vívido e detalhista dos ambientes e dos sentimentos, sempre em busca da palavra perfeita, e com a adoção de uma narrativa objetiva e distanciada, evitando julgamentos morais explícitos sobre seus personagens.
Acusado pelo governo francês de ter escrito uma obra execrável, seu autor Gustave Flaubert foi levado a julgamento por ofensa à moral pública e à religião. Quando perguntado quem era Madame Bovary, já que, na época, pensavam tratar-se de uma pessoa real, proferiu a célebre frase perante o juiz: "Madame Bovary, c'est moi" (Madame Bovary sou eu!)
Nessa declaração, no longínquo ano de 1857, Flaubert está falando por todos nós. Esse lado sombrio e desagradável de nossos personagens é o que Emma exibe descaradamente. É fácil se identificar com os anseios básicos dela, seus modos egoístas e autoindulgentes, afinal, todos nos perguntamos "e se" e "o que poderia ter sido" da nossa vida caso tivéssemos tomados decisões diferentes. Não o fizemos porque não sucumbimos, porque temos autocontrole. E, dentro dessa realidade, ter em mãos um livro cuja personagem não possui freios enche qualquer um de curiosidade e espanto.
Enfim, tenho certeza de que a história ficará sempre comigo, foi uma experiência formidável! O livro foi eloquente, romântico, cômico e comovente. Emma pode ser a sua mãe, sua irmã, sua melhor amiga, sua vizinha e sua inimiga mais odiada - mas, esteja certo, ela habita ao seu redor.
Leia sem pestanejar.
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Passagem interessante:
"Porque lábios libertinos ou venais lhe haviam murmurado frases (de amor) parecidas, quase não acreditava na pureza das que ouvia agora, achava que se devia fazer desconto nas expressões exageradas que escondiam aflições medíocres, como se a plenitude da alma não se extravasasse, ás vezes, nas mais vazias metáforas, pois que ninguém pode jamais dar medida exata às próprias necessidades, concepções ou dores, e já que a palavra humana é como um caldeirão fendido em que batemos melodias para fazer dançar os ursos, quando antes quereríamos enternecer as estrelas" (pg. 142)