Fabio 14/10/2023
A vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e de fúria, sem sentido algum.
Som e Fúria, considerada a obra mais importante do escritor norte-americano, William Faulkner, vencedor dos prêmios Nobel de literatura, Pulitzer de Ficção, e o National Book Awards, retrata a trajetória dos Compson, uma família aristocrática sulista, em plena decadência, moral, física e financeira.
Ambientada nos anos 20, durante a maior crise econômica dos Estados Unidos, Som e Fúria, nos conta a história da família Compson em meio aos tempos de crise, ao gigantesco preconceito racial, e aos embates morais e sociais, que dividiam a sociedade americana no início do século XX.
Som e Fúria é dividido em quatro vozes narrativas distintas, escrita em Fluxo de Consciência (Técnica literária, em que procura transcrever o processo de pensamento de um personagem, com o raciocínio logico entremeado com as impressões pessoais e que exibe os processos de associação de ideias), narrados sob as perspectivas dos personagens Benjy, Quentin e Jason Compson, e Dilsey Gibson.
O primeiro capítulo, considerado um dos mais desafiadores da história da literatura mundial, nos mostra o fluxo de consciência do personagem Benjamim (Benjy), um dos filhos Compson. Um homem de 30 e poucos anos, que possui deficiência mental grave, não possui domino da fala, e que não responde pelos próprios atos, necessitando de cuidados o tempo todo. Então somos apresentados a uma narrativa ansiosa, confusa, onde o passado é misturado ao presente, e as cenas, são entrecortadas o tempo inteiro, repletas de figuras míticas e delírios mentais. Os saltos temporais desse capitulo, são tantos, que por muitas vezes, é necessário retornar ao parágrafo anterior para tentar compreender, resquícios da mente atribulada, cheia de "som e fúria" do personagem.
O segundo capítulo, ainda estamos dentro do fluxo de consciência, mas agora, do filho mais velho da família Compson, Quentin. A narrativa, fica um pouco mais fluida, que no capítulo anterior, porém, a dificuldade ainda é muito grande, porque, durante a maior parte do capitulo, Faulkner não faz uso de pontuação gramatical, o que demanda ainda mais paciência e dedicação do leitor, pois é o capitulo chave para a compreensão dos próximos episódios. Quentin, vai estudar em Harvard, e a sessão nos mostra um único dia da vida dele. A maior dificuldade do episódio, está no fato de mesclar recordações da infância de Quentin, com os fatos presentes, enquanto ele caminha perdido em devaneios e delírios pelas ruas movimentadas de Cambridge. Nesse capítulo, conhecemos melhor o relacionamento entre Quentin e a problemática irmã, Cadence (Caddie), por quem nutria os mais veementes sentimentos.
No terceiro episódio somos lançados a perspectiva de Jason, o irmão mais novo dos Compson. Ele se transformou no provedor da família, e herdou dívidas e o dever de sustentar a mãe D. Caroline, a sobrinha Quentin, manter o funcionamento da casa, e a tutela dos criados negros, Dilsey, Luster, Frony e T.P. Nesse capítulo, começamos a ter um entendimento maior da história, pois a narrativa torna-se muito mais fácil e fluida, e logo nas primeiras linhas damos de cara, com um Jason, rancoroso, amargo, misógino e racista, e que faz de tudo para subir na vida, inclusive roubar e “passar” por cima dos próprios entes. Jason é considerado por muitos, um dos maiores vilões da literatura norte-americana
Por fim, no quarto capitulo, Faulkner assume a narrativa, e nos entrega um belíssimo e poético texto. Onde Dilsey, é a protagonista, e o autor nos mostra uma nova perspectiva, que em meio a um mundo cheio de ódio, rancor e racismo, uma negra, é a “liga”, que mantem unida a família Compson (ou o que sobrou dela) e que mesmo que aos trancos e barrancos, e com a saúde debilitada, dedicou boa parte de sua vida, para cuidar de uma família, que só soube explorar de sua boa vontade.
Logo no início de Som e Fúria, percebemos, que William Faulkner, se inspirou na clássica obra Ulisses de James Joyce, e que é clara a referência ao dia de Leopold Bloom (Ulisses), no segundo capitulo, quando Faulkner narra o único dia na vida de Quentin Compson. E que em diversas partes do livro, podemos encontrar, um pouco de Joyce nas entrelinhas, nas citações e principalmente na técnica literária.
Outro fato que podemos captar facilmente na obra, é que Faulkner, muito se inspirou em William Shakespeare, Marcel Proust e Fiodór Dostoievski, principalmente no que se refere a construção de seus personagens, na filosofia de seus escritos, e no método aplicado do Fluxo de Consciência.
Durante boa parte da leitura de o Som e a Fúria, confesso, que me senti perdido, e aquele sentimento de frustação, tomava conta de mim, todas as vezes que pegava o livro em mão, e que, por diversas vezes pensei em abandonar, principalmente nos dois primeiros capítulos, entretanto, imediatamente após do final, depois de uma profunda reflexão sobre a obra, digo a vocês, amigos leitores, que a persistência é a melhor receita para vencer os primeiros obstáculos da obra, e que a perseverança será recompensada, por um final arrebatador, que toca até os mais céticos e insensíveis corações.
Em suma, Som e Fúria, é um livro desafiador de enredo simples e narrativa poderosa e complexa, que abordam assuntos “velhos” e “doloridos”, mas que são infelizmente pertinentes e atuais, principalmente nos dias de hoje.
Recomendo a todos, e principalmente aos amantes dos clássicos e leituras desafiadoras.
Antes de terminar, gostaria de agradecer as minhas amigas e companheiras de LC, que me incentivaram durante toda a árdua trajetória dessa leitura, e dizer também que, sem os debates extremamente frutuosos desse grupo, eu não teria alcançado o mínimo de entendimento dessa complexa obra.
Muito obrigado, Michela, Rogéria e Vanessa.