Lucas T 28/02/2023
O Jogo de Gerald
Ao longo dos anos houveram muitas críticas direcionadas ao autor Stephen king relacionadas a falta de empoderamento feminino em seus livros. Suas personagens, que apesar de serem bastante fortes e inteligentes, eram submetidas a serem meras coadjuvantes, em detrimento do desenvolvimento dos personagens masculinos; que normalmente recebiam todas as atenções e sempre tinham a tão almejada "jornada do herói". Ou seja, os homens sempre salvavam o dia, enquanto as mulheres só estavam ali para parabenizá-los e satisfazer suas vontades.
Diante de todas essas críticas, o autor começou a dar mais atenção a suas personagens femininas, e percebeu que, de fato, seu modo de trabalhar com as mulheres era bastante problemático. Em seu texto, por muitas vezes havia um tom exagerado de sexualização direcionado as mulheres; um bom exemplo é a tão falada cena de sexo no livro "IT – A Coisa (1986)", onde nossa única personagem feminina, ainda criança, vai transar com os outros seis personagens principais do livro, nos esgotos da cidade.
Sabendo dessa problemática, e disposto a mudar essa questão em suas histórias, SK passou a trabalhar com protagonistas mais fortes e empoderadas, e a discutir fortemente a questão do machismo na sociedade atual. Mas claro, sem abandonar o estilo clássico do terror que os leitores tanto gostam.
Os anos 90 foi a década que ele mais trabalhou com o feminismo em seus livros, apostando, com exclusividade, nas mulheres como protagonistas (coisa que não acontecia muito nos anos 70 e 80) e usando dessa característica para fazer fortes críticas ao machismo e a opressão que as mulheres sofrem diariamente na nossa sociedade. Fazendo isso, ele deitou e rolou na própria fantasia, e ainda prestou um bom serviço a causa das mulheres. O fato de que ele estava muito a frente de seu tempo é só um detalhe;
Jogo Perigoso (Gerald's Game, 1992); foi, por muito tempo, o romance mais criticado do autor. Isso porque ele vinha de um longo histórico publicando apenas grandes sucessos de horror. Histórias com carros mal-assombrados, palhaços assassinos, cemitérios amaldiçoados e os mais diversos monstros clássicos do gênero terror. Uma fórmula segura, pois é exatamente isso que seus fãs queriam receber de seu autor favorito. Mas, em 1992, SK apresentou o que seria seu trabalho mais ousado até então. Uma história inteiramente protagonizada por uma mulher. Isso por que o livro todo é focado apenas em uma personagem, presa e algemada, na cama de um quarto.
''Jessie Burlingame e seu marido, Gerald, se reúnem numa casinha isolada para fazer alguns jogos sexuais e quem sabe assim, esquentar um pouco essa relação amorosa que há muito tempo andava sem muita emoção. Mas, ao ser algemada na cama, Jessie começa a relembrar de algumas coisas que aconteceram na sua infância. Coisas que, para ela, são traumas profundos e que agora, por algum motivo, começam a assombrá-la, fazendo Jessie ficar completamente em pânico. Ela então manda o esposo tirar as algemas. Mas ele se recusa a soltá-la, pois para ele, o jogo não acabou.
As coisas dão muito errado quando Gerald sofre um ataque do coração e acaba morrendo antes de tirar as algemas de Jessie. Agora, presa na cama, e sendo atormentada por seus traumas mais profundos, Jessie precisa encontrar um jeito de libertar-se daquelas algemas; será uma luta tanto física quanto psicologicamente.
Esse livro discute os piores traumas que uma mulher pode passar na vida, para ser mais exato, são traumas sexuais.''
Agora, presa no quarto, Jessie passa a ter algumas alucinações que, aos poucos, começam a manifestar-se em sua cabeça. Traços de sua personalidade tomam formato e começam a incomodar nossa protagonista. São vozes que possuem certas características que compõem quem de fato seria Jessie Burlingame. Nós temos a voz da ''esposinha perfeita'', uma versão mais centrada e submissa de Jessie. Aquela que sempre abaixa a cabeça e concorda em fazer as vontades de seu marido, para evitar maiores conflitos; temos também a voz de Rute Neary (ex colega de quarto de Jessie) que seria sua versão feminista e empoderada, mas que ficou durante anos adormecia em sua cabeça, e agora, devido a essa situação inusitada, passou a falar com Jessie, buscando ajudá-la a se libertar dessas algemas.
As vozes ajudam, mas também atrapalham. Deixam Jessie maluca em alguns momentos. E a obrigam a relembrar de um episódio lamentável que passara com seu pai no ano de 1963, quando aconteceu um eclipse solar e Jessie ficou sozinha com Tom Mahout para assistirem juntos ao fenômeno. Mas, o que aconteceu foi algo que traumatizou profundamente nossa protagonista. E que a deixou completamente traumatizada. O episódio, de alguma forma, tem ligação com o que está acontecendo com Jessie nos dias de hoje: ela está algemada na cama, porque seu esposo se recusou a tirar as algemas, antes de morrer.
Em 2017, o romance, que até então era considerado inadaptável, ganhou uma adaptação de respeito pela Netflix; dirigido por Mike Flanagan e roteirizado por Jeff Howard.