Caroline Gurgel 18/11/2015Os miseráveis de Notre DameAntes mesmo de terminar a leitura de Os Miseráveis, eu já sabia que ia querer ler tudo que Victor Hugo escrevera. Então, assim que concluí o que se tornou o melhor livro da minha vida, engatei em O Corcunda de Notre Dame com altas expectativas.
A história se passa na Paris de 1482 e não tem um personagem principal, como pode sugerir o título, mas vários. O Corcunda de Notre Dame nos fala não só do corcunda Quasímodo, mas também da cigana Esmeralda, do poeta pobretão Gringoire, do capitão mau caráter Phoebus e, principalmente, do arquidiácono Claude Frollo.
Assim como em Os Miseráveis, Victor Hugo dá tanta vida a cada personagem e os caracteriza tão incrivelmente bem que ficamos sem saber quem é o protagonista. Talvez a protagonista aqui seja a catedral, ou mesmo Paris e suas ruas. É tudo muito bem fundamentado e ricamente detalhado.
Quasímodo foi abandonado na catedral quando ainda era bebê e foi adotado por Claude Frollo, o arquidiácono, que o criou isolado dentro da Notre Dame e deu-lhe a função de sineiro. Ele, que já era coxo, deformado e caolho, desenvolveu uma surdez devido ao barulho dos sinos.
Esmeralda, muito ingênua, não tinha ideia de sua beleza. Era uma cigana linda, exuberante, que cantava e dançava nas praças com sua cabra, arrancando olhares e suspiros dos homens.
Prefiro não falar no papel de Esmeralda na relação entre Quasímodo e Frollo. Aliás, melhor não contar mais do desenrolar da história, dos amores e desamores, das torturas e crueldades, da miséria e seu contraste com o luxo da realeza.
Victor Hugo é extremamente detalhista, especialmente na primeira metade do livro. Ele fala de arquitetura, de como ela era uma forma de se contar e de se registrar uma história, ou a História. Descreve a catedral, as ruas e os prédios de Paris minuciosamente.
"Por mais admirável que pareça a Paris do presente [séc.XIX], imaginem a Paris do século XV, reconstruam-na em pensamento, observem o céu através daquela aleia surpreendente de pináculos, de torres e de campanários, circulem pela imensa cidade, pela ponta das ilhas, acompanhem os arcos das pontes do Sena, sobrepondo-se às águas que tomam cores ora esverdeadas, ora amareladas, mais cambiante do que uma pele de serpente; recortem claramente sobre o horizonte azul o contorno gótico daquela velha Paris; façam-no flutuar na névoa de inverno que se agarrava às suas inúmeras chaminés; mergulhem-no numa noite profunda e reparem o estranho jogo de trevas e luzes no sombrio labirinto de edifícios; acrescentem um raio de lua que vagamente o desenha e deixem escapar da bruma os grandes picos das torres; ou retomem essa negra silhueta, reavivando com sombra os mil ângulos agudos das flechas e dos frontões e deixem que ela se realce, mais denteada que a mandíbula de um tubarão, contra o céu de cobre do poente."
Ele toma capítulos inteiros descrevendo a cidade ou a catedral, e interrompe, aqui e acolá, a história para explicar como funcionava coisa tal na época em questão, o que pode ser cansativo para alguns leitores. O que posso dizer como estímulo é que vale o esforço.
Em um capítulo específico, Victor Hugo nos coloca no alto da catedral, pede que olhemos adiante e começa a descrever tudo, tudo mesmo. Comecei esse capítulo lendo meio rápido, querendo chegar logo ao próximo, querendo voltar aos personagens. Então, parei e pensei “que outra oportunidade de visitar a Paris do século XV eu terei?” Recomecei o capítulo devagar, sem pressa, fechando os olhos e visualizando cada construção à minha frente. Foi um deleite, inebriante. Como arquiteta que sou, talvez tenha sido mais fácil, mas vale tentar.
O Corcunda de Notre Dame fala de amor, de amores, dos vários tipos de amor. Fala do amor de mãe, eterno, único, incondicional, o maior de todos. Fala do amor de um filho renegado para com o pai que o criou. Fala de amor romântico, utópico, sonhador e cego. Fala de amor não correspondido e como cada um reage diferente a ele. Fala do amor obsessivo, cruel, do amor que não é amor. Fala do amor entre irmãos, de compaixão e do amor desprendido, do amor que não quer nada em troca, que deseja a felicidade do outro acima de tudo.
Victor Hugo critica e ironiza a justiça, critica as desigualdades e as penalidades, o autoritarismo e o clero. Fala do perigo das generalizações, fala de preconceitos, de como ele pode afastar de você as coisas boas, de como ele pode afastar de você aquilo que você mais procura.
O livro tem personagens bem marcantes e bem construídos. Quasímodo passa por um conflito interno, uma angústia em relação ao seu pai adotivo e Esmeralda que é quase palpável. Tão real e profundo quanto, é o conflito que Frollo vive durante todo o livro. O que dizer da sachette que tanto mal desejou às ciganas? De partir o coração.
Na verdade, de partir o coração mesmo são as linhas finais dessa história. Emocionante, não há outra palavra.
É preciso que se diga ainda que esse livro não chega perto do que é Os Miseráveis, e não por ser fraco ou algo do tipo, mas simplesmente porque nada chega perto de Os Miseráveis. O Corcunda de Notre Dame é um livro excelente, apenas. rs
5/5 ★ ★ ★ ★ ★
4.75/5 ❤ ❤ ❤ ❤ ❤
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