Luis 09/12/2012
A beleza e a simplicidade de um clássico.
Para aqueles que, como eu, tiveram a oportunidade de se encantar pelas letras ainda em tenra idade, o nome de Maria José Dupré provavelmente está associado às suas mais caras memórias literárias.
Autora de série do cachorrinho Simba e de outros grandes sucessos infanto juvenis, a paulista de Botucatu será, no entanto, eternamente lembrada por uma obra, que, apesar de ser um dos hits da sensacional coleção Vaga Lume, passa longe do nicho de simples leitura para crianças e adolescentes. Um verdadeiro clássico que caminha ombro a ombro com os maiores romances já escritos no Brasil : Éramos seis.
A história é de uma simplicidade franciscana. Dona Lola, uma dona de casa paulista da primeira metade do século XX, passa em revista a vida de sua família, composta dos 4 filhos, Carlos, Alfredo, Julinho e Isabel, e do marido, Júlio. Junto com ela formam os seis do título.
O romance é contado em retrospectiva pelas lembranças de D. Lola, que narra os fatos corriqueiros da família, tomando como pano de fundo os momentos históricos do período, como as duas Guerras Mundiais, as Revoltas de 24 e 32, a gripe espanhola e a Revolução de 30. Não há grandes lances, viradas sensacionais, profundos embates psicológicos e toda a aparelhagem que costuma estar associada às grandes obras literárias. É só uma mãe contando a história de sua família, revivendo cada fase da criação dos filhos, recheadas pelas lutas, pequenas derrotas e vitórias do dia a dia. Nada mais comovente.
A aproximação com as vivências familiares de cada um é quase automática e o leitor, por mais insensível que seja, não há de deixar de enxergar em D.Lola um pouco de cada mãe da vida real; na batalha de Seu Júlio, o patriarca, que anos a fio labuta feito escravo para pagar a tão sonhada casa própria, há também um pouco (ou muito) de cada pai trabalhador e dedicado. A convivência com os vizinhos, tão ao gosto de antigamente, é retratada de forma exemplar e proporciona a construção da personagem mais instigante do livro, a iconoclasta D. Genu, com o seu eterno inconformismo e senso particular de justiça social.
Essa identificação imediata de “Éramos Seis” com a atmosfera familiar dos leitores, garantiu à obra a sua transposição duas vezes para ser apresentada como novela de televisão. A primeira na extinta TV Tupi, em 1977, tendo Gianfrancesco Guarnieri e Nicete Bruno nos papéis principais, foi adaptada por Rubens Ewald Filho e por Silvio de Abreu, no trabalho que marcou a sua estréia como autor. A segunda, em 1994, no SBT, acabou sendo a de maior sucesso e marca até hoje um dos capítulos mais importantes da teledramartugia brasileira. Othon Bastos interpretou Júlio e Irene Ravache personificou D. Lola.
No ano que vem, registram-se os 70 anos do lançamento do livro. Que bom seria se a data servisse de pretexto para celebrar a obra magistral de Maria José Dupré. Que, lamentavelmente, não conta com o prestígio que merece, ignorada por aqueles que não conseguem enxergar beleza e valor artístico nas obras singelas que falam direto à memória afetiva de todos nós.
“Éramos Seis é simples e belo. Como a vida.