Marcos 13/09/2024
Enquanto há vida, há esperança
O livro/reportagem Nos porões da Loucura, do jornalista Hiram Firmino, é um relato direto e contundente a respeito dos tratamentos lamentáveis dados aos internos em diversos hospícios e no hospital Colônia em Barbacena, Minas Gerais. Firmino nos mostra como a vida dos internos era descartável e a morte, um grande comércio.
O jornalista no início mostra uma característica comum a todos os hospícios visitados: a falta de critério objetivo para as internações. Era comum à época que esses hospitais acomodassem não somente pessoas com algum distúrbio psicológico, mas qualquer um que fosse considerado um problema social. Os desamparados, os pobres, os alcoólatras ficavam confinados juntos, agravando ainda mais os seus problemas e criando outros.
Como não havia terapia ocupacional, os tratamentos de choque ainda eram aplicados em alguns casos. Em outros, os pacientes eram medicados com sedativos fortes e que causam dependência, como o Diazepam.
A palavra lucro só aparece duas vezes nessa reportagem de 1979, mas ali no Colônia havia um chocante e lucrativo mercado da morte. Por ser um hospital para indigentes, os ganhos econômicos viriam da superlotação e financiamento estatal, da exploração laboral dos pacientes e da venda de cadáveres.
Esse último ponto é perturbador, pois os corpos dos pacientes falecidos eram vendidos para faculdades de medicina, para dissecação e estudo, muito provavelmente com o consentimento da administração. E isso me traz à mente uma experiência pessoal que vivi em 2006. Participei de uma aula de anatomia e vi pela primeira vez um cadáver dissecado. Eu perguntei a respeito da procedência do corpo, e um dos alunos me disse que era de uma pessoa sem identificação. Além disso, o rapaz criticava o fato de o corpo se parecer mais um boneco do que um humano.
Essa indiferença na resposta do aluno, me lembrou de um livro que li em 2014, O Futuro da Humanidade, de Augusto Cury. No início do livro, o protagonista Marco Polo, estudante de medicina, está numa aula de dissecação e critica o fato de seu professor não saber o nome do cadáver que estão estudando. Marco é censurado e advertido da irrelevância dessa informação. A crítica de Marco Polo ecoou uma década depois diante da desumanização revelada por Firmino em seu relato sobre Barbacena.
O esforço de Hiram Firmino em documentar esse extermínio silencioso foi importante para que a sociedade e o poder público da época se mobilizassem para dar um fim ao sofrimento de milhares de vidas que ainda viviam no hospital Colônia. Por acreditar que seu esforço seria uma janela de esperança para aqueles pacientes, a luta pela dignidade e respeito à vida humana prevaleceu.