jota 26/07/2014Fotografia 3 x 4 Esse livro tem 430 páginas porém as coisas começam a esquentar de fato somente após cerca de lidas uma centena delas. Parece que foi intencional: se o leitor se sentir meio entediado com o que Douglas Kennedy nos conta sobre a vida e o trabalho de Benjamin Bradford deve ser porque queria mostrar com muitos argumentos como o próprio personagem se sentia em grande parte: de saco cheio de muita coisa em torno de si. Entediado.
Apesar de ter uma linda mulher e dois belos filhos pequenos, alguma coisa – ou muita coisa – incomoda Ben. E enquanto não ocorre a grande virada do livro, o dia D de Bradford, o leitor pode se divertir com a ironia, crítica e cretinice que ele despeja sobre a classe média americana. Especialmente quando trata da fauna humana que frequenta o maior centro financeiro do mundo, Wall Street, onde ele trabalha.
Para grande parte dessas pessoas, tanto quanto o trabalho que fazem importa mesmo é falar sobre os lugares caros que frequentam, as celebridades que conhecem, as marcas dos produtos que consomem e o quanto pagaram por eles, etc. Um mundo em que a aparência de um indivíduo, sua mulher, sua casa, seu carro, seu iate, sua conta bancária, valem mais do que sua essência de ser humano.
Esse é o mundo do qual Ben faz parte, embora anos antes não fizesse parte de seus sonhos de juventude estar nele como agora. Benjamin Bradford se submeteu ao pai: não queria ser advogado, queria ser fotógrafo. Ainda fotografa nas horas vagas e daí ele se assemelhar a um grande observador do mundo que o cerca e conhece muito bem. Ainda que, apesar de andar pela faixa dos trinta e tantos anos de idade, ser apenas sócio júnior num conhecido escritório de advocacia nova-iorquino.
A temperatura do livro começa a subir a partir do momento em que o advogado Bradford passa a desconfiar que sua bela mulher está tendo um caso extraconjugal com um vizinho, este sim um fotógrafo profissional, embora não muito bem-sucedido. Ben tem alguns fatos na cabeça e algumas fotos numa câmera para acreditar piamente na traição da mulher – as coisas então se precipitam um bocado, ameaçam ficar fora de controle. E ficam.
É quando parece que Douglas Kennedy nos joga num daqueles brilhantes romances de Patricia Highsmith da série Ripley, especialmente O Talentoso Ripley, com o qual O Fotógrafo parece flertar um pouco. A partir da ocorrência de um acidente mortal nossa atenção fica totalmente presa no que virá a seguir, no que o fotógrafo fará. Quase não se consegue largar o livro a partir daí. E até o inesperado final, muitas reviravoltas irão ocorrer, claro.
E cheguei a este conhecendo de antemão sua história, depois de assistir a um curioso filme - L'homme qui voulait vivre sa vie (2010), direção de Eric Lartigau -, que não é senão a versão francesa do livro de Kennedy (no original, The Big Picture) para o cinema. Nova York se transforma em Paris, Montana em Montenegro, Benjamin Bradford vira Paul Exben, etc. Mas a história de Kennedy está praticamente quase toda no filme francês, um pouco menos interessante que o livro americano e com um final completamente diferente.
O Fotógrafo foi lançado nos EUA em 1995, quase vinte anos passados. Por vezes, durante a leitura você percebe isso, que aqui e ali certas referências encontram-se datadas, não tem jeito. Mas mesmo assim e com a certeza de que o livro não é nenhuma obra-prima, é necessário reconhecer que Douglas Kennedy se revela ousado, criativo e até engraçado muitas vezes. O que faz de O Fotógrafo um best-seller muito competente, muito interessante mesmo. Eu achei.
Lido entre 22 e 26/07/2014.