Alan kleber 28/09/2024
A Eterna Vigilância Contra a Peste
"Na verdade, ao ouvir os gritos de alegria que vinham da cidade, Rieux lembrava-se de que essa alegria estava sempre ameaçada. Porque ele sabia o que essa multidão eufórica ignorava e se pode ler nos livros: o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca, pode ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e na roupa, espera pacientemente nos quartos, nos porões, nos baús, nos lenços e na papelada. E sabia, também, que viria talvez o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria seus ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz."
Albert Camus, com sua maestria literária, tece uma narrativa que transcende o tempo e o espaço, nesta obra clássica da literatura universal e nos convida à refletir sobre os horrores do século passado.
A peste, na obra, não é apenas uma doença física, mas sim uma metáfora para o mal que se espalha pela sociedade, corrompendo e destruindo tudo em seu caminho. Essa metáfora pode ser facilmente associada às ideologias totalitárias que se espalharam pela Europa no século XX, causando milhões de mortes e sofrimento.
A epidemia revela a indiferença e a covardia de muitos, que preferem se omitir diante do sofrimento alheio ou até mesmo colaborar com os agentes da peste. Essa atitude pode ser comparada àquela de muitos que se omitiram diante dos horrores do nazismo e do comunismo.
Por outro lado, a obra também celebra a resistência e a esperança. Os personagens que lutam contra a peste representam aqueles que se opuseram às ideologias totalitárias, arriscando suas próprias vidas para salvar outras.
Camus nos mostra que cada indivíduo é responsável por suas ações e pelas consequências que elas geram. A decisão de colaborar ou resistir à peste é uma escolha individual, que define o caráter de cada um.
Rieux, o médico que luta contra a peste, pode ser visto como um símbolo da resistência intelectual e moral contra a barbárie.
A cidade acometida pela peste representa a sociedade como um todo, corrompida pelo mal e pela violência.
A epidemia isola os indivíduos e os afasta uns dos outros, gerando um clima de desconfiança e medo. Essa situação é semelhante àquela vivenciada por muitas sociedades sob regimes totalitários.
"A Peste" constitui uma obra-prima da literatura universal, na qual a dimensão alegórica se entrelaça com a realidade histórica. A epidemia, além de representar um flagelo físico, simboliza a capacidade do mal de se infiltrar na sociedade e corromper os indivíduos. A narrativa camusiana, ao mesmo tempo em que denuncia os horrores do totalitarismo, celebra a dignidade humana e a importância da solidariedade. A obra, portanto, permanece atual e relevante, convidando as novas gerações a refletir sobre os desafios do mundo contemporâneo.
"À medida que avançava, a multidão crescia à sua volta, a confusão aumentava e parecia-lhe que os subúrbios que queria alcançar recuavam. Pouco a pouco, fundia-se nesse grande corpo ululante, cujo grito ele compreendia cada vez melhor, esse grito que, por um lado, pelo menos, era seu grito. Sim, todos tinham sofrido juntos, tanto na carne quanto na alma, um vazio difícil, um exílio sem remédio e uma sede jamais satisfeita. Entre esses amontoados de mortos, as sirenes das ambulâncias, os avisos do que se convencionou chamar destino, o tropel impaciente do medo e a revolta terrível de seu coração, não tinha parado de correr um grande rumor que punha de sobreaviso esses seres aterrados, dizendo-lhes que era preciso encontrarem sua verdadeira pátria. Para todos eles, a verdadeira pátria encontrava-se para além dos muros desta cidade sufocada. Ela estava nas matas perfumadas das colinas, no mar, nos países livres e no peso do amor. E era para ela, era para a felicidade, que eles queriam voltar, afastando-se do resto com repulsa."