jade 04/03/2021
Os obstáculos da vida exigem escolhas e esperança
Albert Camus escreve romances filosóficos baseados na ideia do Absurdo - relação entre o homem e o universo em que o mundo resiste à racionalidade dos seres humanos, visto que não se pode prever o acaso e a morte é algo inevitável. Esse conceito está presente em "A Peste", uma vez que a doença atinge a cidade pacata chamada Orã, desestabilizando a rotina dos moradores, os quais se veem acometidos por uma disseminação invisível que causa o óbito. Inicialmente, há tentativas desesperadas de lidar com esse fato como a queima de casas.
Após certo momento, as pessoas começam a perder a esperança e as mortes constantes as tornam indiferentes (o autor compara a peste às guerras e como essas fatalidades se tornam insignificantes com o passar do tempo). Além disso, a associação existente entre os seres e o tempo é outra pauta do autor, pois o presente nunca é vivido devido ao fato dos indivíduos se conectarem ao passado - imaginando-o como uma coisa boa - e colocarem seus anseios e desejos em um futuro - como se a felicidade só fosse possível amanhã. Outro assunto apresentado por Camus é a que os sentimentos individuais são superados em uma pauta coletiva - Rambert deixa de ver sua mulher para lutar contra a epidemia -, mas cabe a cada um fazer a escolha certa, ter o peso da liberdade - no livro, o personagem Cottard opta por se beneficiar da peste, comercializando os produtos por um preço alto e fazendo contrabandos. Por último, o protagonista Rieux e seu amigo Tarrou representam o "homem revoltado" - aquele que luta contra o mal -, os quais dão sua vida pela epidemia, porque isso faz sentido para a existência deles. Tarrou explica que a peste apareceu de forma tardia, já que a população está a muito tempo acometida pela peste filosófica, doença que permite que sejamos indiferentes as pessoas assassinadas diariamente pelo sistema.
Outrossim, é possível fazer uma alegoria à ocupação nazista na França ("É tão válido representar um modo de aprisionamento por outro quanto representar qualquer coisa que de fato existe por alguma outra coisa que não existe"), na qual a ideia se espalha e fere os mais vulneráveis com a ajuda de pessoas colaboradoras no governo.
Uma coisa que me incomodou nessa história é a ausência de personagens femininas representativas, todas estão muito distantes dos questionamentos que a obra propõe.
Por esses motivos, "A Peste" é uma obra rica - há variados modos de interpretá-la - que tem uma grande importância no contexto da pandemia do novo coronavírus permeada por discursos extremistas de cunho apelativo. No final, o livro traz uma importante mensagem: a esperança perpetuará frente a qualquer situação de nossas vidas e é preciso aceitar e conviver com o Absurdo.