Dri Ornellas 17/12/2019Antigamente, eu tinha o hábito de escrever a data de compra na última página de cada livro, costume que se perdeu com o tempo. Por isso, sei que comprei Cartas à um jovem poeta em 2013 e não faço ideia de qual foi a teia de raciocínio que me levou a ele (fato que acontece com pelo menos uns 70% dos meus livros). Em O segredo das coisas perdidas, o autor, Rainer Maria Rilke, é citado em algum momento e me trouxe a lembrança desse livrinho na minha estante. Fiquei surpresa e feliz com a leitura: pelo autor ser mais conhecido (pelo menos por mim) por escrever poesias e buscar uma aproximação entre homem e natureza, eu tinha a ideia de que seria uma leitura pesada e melancólica, com pitadas de pessimismo. E a minha impressão foi que ele em nenhum momento foge desses traços, mas os aceita e os subverte de uma maneira até otimista e alegre. Não uma alegria risonha, mas aquela alegria calma e confiante de saber que somos solitários e inseguros e que são justamente esses fatos que podem nos fazer crescer e que não é preciso estarmos em um estado de negação de suas existências para vivermos bem.
O livro é a compilação de 10 cartas que o autor escreveu em resposta para um leitor de suas poemas. Ele não traz as cartas do rapaz, apenas as respostas de Rilke, mas acredito que seja apenas isso que interessa mesmo e em nenhum momento a falta da leitura das perguntas do remetente atrapalha a leitura. Rilke percorre vários assuntos e se mostra muito cordial e gentil em todos os momentos. Como o rapaz, aparentemente, deseja também ser escritor ou artista, Rilke fala sobre a importância da originalidade e da necessidade de não se ouvir críticas, que o que precisamos é nos voltarmos para nosso interior e pesquisar nossa motivação. Isso é nossa garantia de que qualquer consequência advinda desse processo será o nosso melhor. E que é preciso ser paciente, muito paciente! Não apenas para gerar uma obra artística, mas para viver.
Quando fala de amor, diz que este é o trabalho mais difícil que temos, mas que isso não é ruim, o fato de ser difícil é mais um motivo para o fazermos e que apenas com o tempo aprendemos a amar. "O amor constitui uma oportunidade sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo, tornar-se um mundo, tornar-se um mundo para si mesmo por causa de uma outra pessoa; é uma grande exigência para o indivíduo, uma exigência irrestrita, algo que o destaca e o convoca para longe." Ao trazer o sexo para o assunto, não o trata como algo que se interpõe de forma negativa, mas como uma experiência que, como todas as outras, deve fazer parte do nosso viver bem: "não é ruim o fato de a aceitarmos [a volúpia corporal]; ruim é o fato de que quase todos abusam dessa experiência e a desperdiçam, usando-a como um estímulo nos momentos cansados de sua vida, como uma distração, em vez de uma concentração para alcançar pontos mais altos."
Mas o ponto que percorre tudo isso e que é mais central nas cartas é a solidão, porém sem sombras ou pessimismos. Ela é apenas um fato que devemos aceitar e, principalmente, preservar pois ela é a base do nosso amadurecimento e no encontro com nossa essência individual: "Essa solidão permanecerá e atuará, de modo decisivo e sutil, em tudo o que o senhor tem a experimentar e a fazer, como uma influência anônima, como o sangue de antepassados que percorre as nossas veias continuamente, compondo com o nosso próprio sangue o que somos de único e irrepetível a cada nova guinada de nossa vida." E, sendo o amor uma oportunidade de amadurecimento, é imprescindível preservarmos nossa solidão quando amamos, seria opressivo entregar-se ao amor sem respeitarmos nossa solidão: O amor e a solidão devem andar juntos, não por formarem uma contradição e serem excludentes do outro, mas porque é nesse hiato que acontece o amadurecimento do indivíduo. "E esse amor mais humano (que se realizará de modo infinitamente delicado e discreto, certo e claro, em laços atados e desatados) será semelhante àquele que nós prepararmos, lutando com esforço, portanto ao amor que consiste na proteção mútua, na delimitação e saudação de duas solidões"
É um livro de leitura fácil, mas eu li alguns capítulos duas vezes, porque é cheio de frases simples que você tem que se demorar mais um pouco para apreender todo o significado escondido. Aproveitando que estamos perto do Natal, é um presente perfeito (e, realmente, tem uma carta escrita perto do Natal em que o autor pincela a questão de que vários sentimentos que brotam durante essa época). Aquele pequeno grande livro para se ler e reler, ler trechos e frases sempre que precisar