Rodolfo Vilar 09/01/2017
MEMORIAL DO CONVENTO (OU O LIVRO DAS VONTADES) | JOSÉ SARAMAGO
É necessário se antecipar e chegar logo a conclusão sobre o livro a ser apresentado: Toda leitura do Saramago é uma completa e fabulosa aventura à cerca de dar vozes aqueles que necessitam. É uma maneira deliciosa e intrínseca de se tornar mais humano.
Memorial do convento, escrito em 1982 e já nessa época consagrando Saramago como um dos maiores autores de Portugal e do mundo, é o quarto romance nessa linha histórica, só que agora com um pezinho na fantasia da mente fabulosa do autor. Considerado um dos melhores livros do Saramago, junto com O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Memorial do Convento é um romance que faz do leitor cativo desde as primeiras páginas, uma vez que é impossivel não tomar sentimentos pelos personagens que o fazem parte. Não é à toa que grandes críticos o consideram aquele tipo de leitura do qual nos fará sempre levar conosco seus personagens, lugares e sentimentos por toda a vida.
A idéia original da história, idéias que só o Saramago conseguiu ter, parte do ponto histórico em que o Rei de Portugal, D. João, quinto de seu nome, promete através do pagamento de uma promessa (conseguir ter um filho para suceder o seu trono) construir um dos maiores conventos que a cidade de Mafra já teve. No desenrolar da construção desse convento (hoje o Palácio Real de Mafra), é que conhecemos os fabulosos personagens que dão vida a esse romance. Prometendo emprego a todos aqueles que queiram trabalhar nessa construção, Baltazar, que é um ex soldado e agora maneta, volta a sua terra a procura de ocupação. É nessa volta, enquanto assisti a um espetáculo promovido pela Santa Inquisição, que ele conhece Blimunda, aquela que será a sua mulher e eterno amor. Durante esse tempo o casal conhece também o famoso (e tbm histórico) Padre Gusmão, indivíduo esse que tem o sonho de conseguir voar através de uma engenhoca que está a construir chamada “Passarola”. Só que para isso, para que se consiga voar, é necessário de um combustível bastante diferente: as vontades humanas. Para que este sonho se torne real, Padre Gusmão pede a ajuda braçal de Baltazar, que construirá a maquina, e de Blimunda, essa que, quando está em jejum, consegue enxergar dentro das pessoas, o que tornará fácil a tarefa de colher as vontades. Sendo assim, Blimunda e Baltazar tornam - se o casal mais lindo e admirável da literatura portuguesa. Ele, chamado de Sete-Sois por só enxergar de dia, e ela de Nove-Luas, por conseguir ver através da escuridão. E nesse desenrolar que a história prossegue no sucesso ou não da maquina de voar, na instabilidade da vida do casal Sol e Lua e na construção magnânima do Convento de Mafra.
Através de muitas metáforas, simbologia e críticas rígidas, Saramago consegue construir uma historia que nos mostra os dois lados representados do que era o reinado de D. João V no século XVIII, criticando o poder da aristocracia sobre a plebe e o desprezo somado as condições ultrajantes que esses passavam. Por que os homens de Mafra deveriam sofrer tanto (e até chegarem a morrer) na construção de algo que pouco importavam para eles, a não ser a mesquinharia de um simples desejo? Fora isso, em diversos momentos Saramago mostra a realidade daquilo que foi a inquisição, onde muitos, inclusive mulheres, acabaram morrendo queimados por heresia injustiçada, sem falar no próprio Padre Gusmão que nesse determinado momento é perseguido pelo simples desejo de voar.
Por isso que acrescentei o título dessa obra de Saramago como também “O livro das vontades”, não somente pelo fato já explicitado, mas sim no desejo, na vontade que os núcleos destacados no livro representam em toda a história: o desejo compulsório da construção de um convento, a vontade do homem em ser livre e perseguir seus sonhos, a vontade do padre em voar e conseguir estar mais perto de Deus, o amor intenso do casal Sol e Lua que sentem a vontade, chamado, de serem um só. Em suma, a vontade que cada humano carrega em si como pincipio de vida.
O papel do Saramago aqui é mais uma vez dar voz aqueles que necessitam, nesse caso mostrar o rosto de todos aqueles esquecidos que participaram da construção desse convento sem sentido. Mas mais do que isso, o livro é a grande vontade do Saramago de nos cativar como sempre. Leitura recomendadissíma.
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