AnaClaraGurgel 19/12/2018
Belíssimo e crudelíssimo.
Sempre me impressiono com Graciliano Ramos e sua prosa paradoxal. Como algo tão cru, desmazelado como a narrativa das desgraças do sertanejo nordestino de começos do século passado pode ser tão poético? Como o autor consegue escrever, sem nenhuma firula, da maneira mais austera, as agruras de uma gente ignorante e sofrida e, ainda assim, parecer estar pintando um quadro surrealista?
Tal talento, que o homem sustenta com maestria - embora não sozinho -, é uma mistura de pessimismo com o retrato irretocável da cultura popular nordestina, riquíssima, rendendo bons escritores e jornalistas até hoje, ela própria encontrando meios de ser bonita, ainda que rodeada de miséria. A seca, que tanto castiga e racha a terra e os pés dos trabalhadores, a mulher honesta, a pracinha da cidade, a torre da igreja, as sandálias de couro, os sabugos que servem como brinquedos aos meninos buchudos de vermes, as contas nos rosários das velhas, os vestidos de chita das meninas, o repente e tantas outras figuras que formaram o imaginário de quem se criou no interior do sertão e dão à vida um sabor agridoce.
Graciliano Ramos consegue, em Angústia, misturar tantos desses elementos e provocar exatamente essa sensação no leitor, que se compadece de Seu Evaristo, humilhado ao final da vida, morto de fome e de vergonha, de D. Amélia, tão bonita na juventude e, no meio da vida, reduzida a um trapo, com medo do marido, da filha, de tudo. Do próprio Luis, que vive para fugir da miséria e da realidade, não sabe bem o que diz, como diz nem como vive. Todos os personagens são pessoas que facilmente terão existido aos montes, conhecidos de todos em tantas cidades interioranas. A agonia que se tem ao ler não é capaz de impedir ninguém de devorar as páginas, condoer-se, pensar sobre a dor do mundo, do outro. É uma obra de muito valor, que pode ser lida por todos, mas será mais apreciada por quem reconhecer que a vida não precisa de dramas inventados, porque os causados pela miséria, cotidianamente, já valem uma grande história.