Natali 30/04/2012
A obra de Samoyault mapeia as diversas referências ao termo "intertextualidade" e outros como "citação", "alusão", "paródia", "plágio" e "referência", por exemplo, pensados por teóricos em diferentes momentos da reflexão literária, desde o nascimento do termo por Julia Kristeva até a inflação de definições que resultou na imprecisão teórica atual.
O livro é dividido em três partes: “Uma noção instável”, “A memória da literatura” e “Referência, Referencialidade, Relação”. A primeira é focada na apresentação mais ou menos cronológica dos principais teóricos que pensaram a intertextualidade: os acréscimos de cada um e o que o distingue dos demais. A recorrente citação: “todo texto se constrói como um mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto” de Kristeva, articulada na esteira da teoria da polifonia de Bakhtin, foi o que aparentemente desprendeu a ponta da cadeia para os estudos intertextuais.
Pensando a leitura do texto literário, Roland Barthes e Michael Riffaterre apropriam-se do conceito de Kristeva, cada um a seu modo, tornando-o mais preciso: Barthes ligado à memória da leitura e Riffaterre direcionando essa memória para o leitor. Mas é Gerard Genette quem primeiramente restringe o termo, definindo intertextualidade como “a presença efetiva de um texto em outro” e, segundo Tiphaine, a partir de então os usuários do termo não o podem mais usar impunemente (p.28). Genette diferencia intertextualidade (co-presença de textos) de hipertextualidade (derivação), e aponta ambos como determinados, localizáveis – o que mais o difere das concepções extensivas anteriores.
Afastando-se da teoria e aproximando-se da crítica, Antoine Compagnon propõe uma análise sistemática da prática da citação, afirmando que “toda escritura é colagem e glosa, citação e comentário”. E, ao falar em bricolagem, “rompe com a idéia e o modelo de um desenvolvimento orgânico da obra.” Então, apesar do desenvolvimento de teorias de restrição, houve, paradoxalmente, uma flexibilização do uso do termo, tornando os sentidos do intertextual restritos, mas instáveis.
A segunda parte do livro de Tiphaine, “A memória da literatura”, apresenta uma tipologia baseada na distinção entre intertextualidade e hipertextualidade formulada por Genette. A citação, o plágio, a alusão e a referência pertenceriam ao primeiro grupo, devido ao caráter de co-presença, enquanto a paródia e o pastiche ao grupo do que é derivação. Uma terceira caracterização daria ênfase à heterogeneidade textual. Aqui se enquadrariam as operações de integração e colagem. O segundo ponto abordado nesta parte diz respeito à memória da escritura e da leitura propriamente dita, e reitera a idéia de que “tudo já foi dito”, apenas a disposição é nova, como revela a citação de Flaubert: “imaginei, lembrei-me e continuei”. Toda obra é eco e/ou presságio. (p. 78)
Por “memória lúdica”, a autora associa memória e espaço de jogo: “o autor se diverte com a tradição e semeia a dúvida sobre as fontes de sua própria cultura.” Lembra ainda que a certidão de nascimento do que chamamos romance deu-se com Dom Quixote, uma paródia que coloca a intertextualidade na origem do romance. Na “peneira do leitor”, quarto e último ponto incluído na “Memória da Literatura”, as referências intertextuais são o ponto de bifurcação de um caminho: segue-se a leitura ou desvia-se rumo ao texto de origem; e mais do que permitir essa escolha, elas revelam que a recepção não tem grades fronteiriças, a interpretação não é e não deve ser engessada, o que “permite às obras terem várias vidas diferentes.” (p. 92)
Em “Referência, Referencialidade, Relação”, a autora aponta duas propriedades opostas da literatura capazes de serem reunidas pela intertextualidade: falar do mundo e falar de si mesma. Em “Os signos do recorte”, volta a falar das colagens: Com o estatuto de pedaços intercalados, nem totalmente dentro, nem totalmente fora, as colagens permitem que se reflitam, no seio do texto literário, a ficção e o mundo. (...) Os espaços que isolam as colagens (...) separam os dois tipos de enunciados, obrigam o leitor a suspender sua leitura e a projetar-se num outro espaço, numa outra modalidade de discurso” (p. 106). Assim a referência funciona como ponto intermediário entre texto e mundo.
“O universo é uma biblioteca” lança a idéia de que a biblioteca exerce poder sobre o texto, e a intertextualidade é o meio pelo qual obras antigas são relançadas “num novo circuito de sentido”. O passado é reconsiderado através do novo assim como o presente é avaliado a partir do antigo.
Tiphaine Samoyault fecha sua reflexão trazendo a questão “transmissão ou influência?”, diferenciando a função da citação em dois momentos distintos – antiga e modernamente: “enquanto a citação clássica repousa sobre uma hierarquia, a citação moderna funciona no modo de interação” (p. 136). Para a autora, “as questões de anterioridade e de influência não contam mais.” O que passa a contar é o “efeito de decifração, na obra, de um brilho particular emanando do intertexto e que prolonga um no outro.” (p.139)
Resultado de colagens, este resumão não tem a pretensão de englobar todo o trabalho de Tiphaine Samoyault, apenas de facilitar futuras pesquisas, afinal trata-se de um livro muito rico em conceitos, e por isso, difícil de ser resumido.