Fabio Shiva 18/03/2017
obra de arte
Esplêndido! Uma obra tocante e inesquecível.
Tuiávii, chefe da tribo Tiavéa, na Polinésia, tinha muita curiosidade em conhecer as terras do “Papalagui”, palavra que em Samoa designa o Branco, o Estrangeiro. E foi assim que integrou um grupo teatral popular e acabou visitando muitas cidades na Europa, e conhecendo profundamente os hábitos, costumes e valores do Papalagui. De volta à sua terra, redigiu uma série de apontamentos com o que aprendeu, com o propósito de partir em uma expedição missionária, a fim de alertar seu povo sobre os perigos de abraçar a cultura do homem branco. O alemão Erich Scheurmann, que na época visitava as ilhas dos mares do sul, tornou-se amigo de Tuiávii e traduziu seus escritos, tornando o texto acessível aos ocidentais.
Esta é a versão oficial. Há quem diga que o texto todo foi inventado pelo próprio Scheurmann. Eu, pessoalmente, tendo a dar crédito a essa possibilidade. Pois os textos desse pequeno grande livro revelam um conhecimento tão profundo da sociedade e da psicologia ocidental, que sugerem uma sabedoria e uma percepção verdadeiramente sobre-humanas. Por outro lado, caso seja Scheurmann o autor, o valor do texto não é diminuído, muito pelo contrário: há aqui a inegável marca de uma grande obra de arte!
Seja como for, esse é um livro que merece ser lido com o espírito aberto e profunda atenção. A civilização tecnológica errou feio o caminho, em algum ponto de sua trajetória. Talvez ainda dê tempo de consertar isso. E o grande valor de “O Papalagui” está em apontar algumas das causas mais evidentes para esse mau passo do mundo moderno, que tornou os homens cegos para o Grande Espírito. Essa é, em minha opinião, a origem de todo o erro.
TRECHOS DO LIVRO:
"Os Brancos corromperam os missionários para que eles nos enganassem com as palavras do Grande Espírito. Pois o metal redondo e o papel pesado, que eles chamam dinheiro, é que são a verdadeira divindade dos Brancos."
"Existe aí uma grande injustiça que o Papalagui não nota, nem quer pensar sobre isto para não ser obrigado a reconhecer que ela existe. Nem todos que têm muito dinheiro trabalham muito."
"Ó irmãos, acreditai no que vos digo: ocultei-me atrás dos pensamentos do Papalagui e vi o que ele quer, como se o iluminasse o sol do meio-dia. Destruindo, onde quer que vá as coisas do Grande Espírito, o Papalagui com sua própria força pretende dar vida, novamente, àquilo que matou, convencendo-se assim de que é o Grande Espírito porque faz muitas coisas."
"Mostra que é muito pobre aquele que precisa de coisas em quantidade porque, assim, prova que lhe faltam as coisas do Grande Espírito."
"Ó irmãos, que é que pensais do homem cuja cabana é tão grande que dá para uma aldeia inteira e que não oferece ao viajante o seu teto por uma noite? Que é que pensais do homem que tem um cacho de bananas nas mãos e não dá uma só fruta a quem, faminto, ávido, lhe pede? Vejo a zanga nos vossos olhos, o maior desprezo nos vossos lábios. E vede que é isso que o Papalagui faz a todo momento. E mesmo que tenha cem esteiras nenhuma dá ao que nenhuma tem. Pelo contrário, acusa-o e censura-o por não ter. Pode estar com a cabana cheia de mantimentos até o alto, muito mais do que ele e sua aiga comem em 100 anos. Não sairá à procura dos que não têm o que comer, dos que estão pálidos de fome. E há muitos Papalaguis pálidos de fome. A palmeira deixa cair as folhas e frutos que estão maduros. Mas o Papalagui vive como se a palmeira quisesse retê-los. ‘São meus! Não os tereis! Jamais deles comereis!’ Mas como faria então a palmeira para dar novos frutos? A palmeira é muito mais sábia do que o Papalagui."
“Assim, todas as coisas prodigiosas do Papalagui têm um lado fraco, oculto em algum lugar; máquina não há que não precise de quem a vigie, de quem a toque; máquina não há que não contenha uma secreta maldição. A mão poderosa da máquina faz tudo, sim, mas enquanto trabalha, vai devorando o amor que encerram as coisas que fazemos com as mãos. De que me serve uma canoa, uma clava talhada pela máquina? Uma máquina é um ente frio, sem sangue, que não sabe falar do seu trabalho, que não sorri quando acaba; que não pode mostrá-lo ao pai e à mãe para que eles também fiquem contentes. Como é que poderei amar minha tanoa se uma máquina é capaz de fazer outra igual a qualquer momento, sem o meu trabalho? Aí está a grande maldição da máquina: é que o Papalagui já não ama coisa alguma porque a máquina pode refazer tudo, a qualquer momento. Para que a máquina lhe dê os seus prodígios sem amor, o homem deve alimentá-la com o próprio coração.”
“O Grande Espírito é que determina, sozinho, as forças do céu e da terra; é quem as reparte como lhe parece melhor. Não cabe ao homem fazer isso; não é impunemente que o Branco tenta transformar-se em peixe, ave, cavalo e verme. E com isso ganha muito menos do que confessa. Quando atravesso uma aldeia a cavalo, vou mais depressa, é claro; mas quando caminho a pé, vejo mais coisas e o meu amigo pode me convidar para entrar em sua cabana. Raramente se ganha de verdade quando se chega mais rapidamente ao que se procura. Mas o Papalagui está sempre querendo chegar depressa ao seu objetivo. Quase todas as suas máquinas servem, apenas, para chegar rápido a certa meta. Mas, quando chega, outra meta o atrai. O Papalagui desse modo vive sem jamais repousar; e cada vez mais desaprende o que é andar, passear, caminhar alegremente em direção ao que não procuramos mas vem ao nosso encontro.”
“Quem lê o jornal não precisa ir a Apolima, Manono, Saváii [ilhas de Samoa] para saber o que os amigos fazem, pensam, comemoram. Pode-se ficar deitado, calmamente, na esteira que os muitos papéis contam tudo.”
“Mas não é só isto que faz do jornal uma coisa tão ruim para a nossa mente, quando nos conta o que aconteceu; é que ele também nos diz o que devemos pensar a respeito disso e daquilo, a respeito do nosso chefe, dos chefes de outros países, de tudo quanto ocorre, de tudo que a gente faz. O jornal gostaria de fazer que todos os homens pensassem igual; o jornal é inimigo da minha cabeça, é inimigo do que eu penso.”
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