Lauraa Machado 26/12/2017
Está longe de ser tão bom quanto o primeiro
Só para deixar avisado, estou me esforçando para não dar nenhum spoiler para o primeiro ou esse livro nessa resenha e também vou mencionar outras trilogias do gênero distopia, mas não vou dar spoilers para elas, então não precisa se preocupar! Ah, e essa resenha vai ser grande.
Esse foi livro sofrido. Depois de ter achado Divergente ótimo, cheguei nesse daqui toda animada, principalmente porque nunca tinha visto o filme dele (o que estragou um pouco os momentos mais surpreendentes do primeiro livro). E, apesar de Insurgente não ser um livro ruim, ele está longe de ser ótimo. Se eu fosse a editora dele, teria perguntado para a Veronica Roth se ela estava mesmo disposta a fazer seus leitores terem que sofrer por esse livro arrastado para chegar ao último. Não me espanta em nada o número de abandonos que estão marcados aqui, porque não foi fácil mesmo de terminar.
Como eu disse, o livro não é exatamente ruim. Eu gosto bastante do jeito que a Roth escreve, como descreve os sentimentos da Tris e tudo e acho que ela criou situações um pouco interessantes nesse livro. O problema é que a história se tornou realmente maçante, desde o começo, só levando personagens de um lugar ao outro e criando uma intriga entre eles digna de novela (não é das piores, mas foi bem forçada).
Esse foi um dos meus últimos problemas com esse livro, mas posso começar falando dele: os personagens principais, Tris e Quatro, não conversam! Eles não confiam um no outro, nem deviam estar do mesmo lado nessa batalha toda. Essa é uma das coisas que eu mais odeio em filmes, livros etc, personagens guardando segredos e mentindo para quem eles supostamente amam e em quem confiam. Primeiro, porque é um jeito muito manjado, tosco e sem imaginação de criar conflito entre duas pessoas. Segundo, porque isso dá uma lição muito tóxica para quem lê. Não existe isso de "mentir pelo bem de outra pessoa". Se você toma uma decisão, seja de ocultar algo ou mentir mesmo, por outra pessoa, você está declarando que se acha superior a ela e acha que tem o direito de tirar a voz dessa pessoa sobre algo que a interfere direta ou indiretamente. Isso não é amor e definitivamente não é confiança. E mentir porque a reação da pessoa poderia ser ruim é pior ainda, já que você deveria confiar que vocês dois têm o tipo de conversa que pode resolver qualquer reação ruim.
Sim, eu sou uma leitora/escritora missionária quer que seus personagens e exige que os outros do mundo sejam honestos e conversem entre si e que reclama quando autores usam falta de comunicação como um problema válido. Dica: não é. E eu não faria parte da facção Candor/Franqueza, porque é claro que eu não falo a verdade para qualquer pessoa o tempo todo.
E aqui vem minha primeira menção a uma outra trilogia distópica, Legend, da Marie Lu. Uma das coisas que mais me surpreenderam nessa outra trilogia foi a parceria que ela criou entre os protagonistas, June e Day. Diferente desse livro aqui e da grande maioria dos outros YA, ela criou dois personagens que confiavam um no outro, mesmo quando ainda não se conheciam tão bem, que não viam qualquer coisa como traição e confiavam que o outro tinha suas razões e não as manteria em segredo. Insurgente me deu vontade de voltar e reler a trilogia Legend.
Honestamente, a pior parte do livro é a Tris. Eu amo ela como personagem e teve muitas, muitas vezes mesmo durante esse livro que eu senti de novo que amo sua personalidade e sua atitude, mas a autora se perdeu completamente aqui. Na minha edição (capa de papel e em inglês), tem alguns bônus no final e um deles é da Roth explicando um pouco sobre como ela pesquisou sobre luto. Acho mega válido ela ter pensado direitinho nessa parte, mas ela focou tanto no sofrimento da Tris, que ela se perdeu no resto.
Primeiro, eu entendo que os pais da Tris são importantes, claro, principalmente depois do final de Divergente, mas ela foi criada em uma facção que não parecia deixar seus membros criarem tantas ligações afetivas assim. Pode não ter sido a intenção da autora, mas até o final desse livro, eu não consegui ver as pessoas da Abnegação como sendo carinhosas e íntimas de verdade da sua família, então sempre fiquei com um pé atrás dessa relação da Tris com os pais e essa adoração dela.
Luto é bem diferente para cada pessoa, e acho importante abordar o jeito que a Tris reage a ele. Se a autora não a tivesse feito sofrer com isso em Insurgente, eu teria achado bem estranho. Mas ela sofreu durante as quinhentas páginas! Nem no primeiro livro ela começou e terminou do mesmo jeito, o que fez a autora transformar esse segundo em uma grande transição arrastada e repetitiva? No primeiro, ela crescia visivelmente de pouco em pouco, nesse, parece que ela está em um buraco do qual nem ameaça sair.
Esse luto da Tris a levou a outra coisa, a um estado de espírito que também dominou o livro e que a autora provavelmente acha que dá para usar para explicar algo que eu já sei que acontece no terceiro, mas, na minha opinião, foi outra coisa que ficou repetitiva demais! Sei que é um assunto complexo e concordo que não deveria durar duas páginas e só, mas o livro todo? Existe um limite para um personagem ficar se lamentando antes que os leitores queiram desistir dele e, nesse livro, a Tris passou do limite umas trezentas páginas antes de acabar.
O luto e esse estado de espírito da Tris a leva a tomar uma péssima, péssima decisão num momento da história (não sei com a autora pode não ter pensado que todo mundo iria achar essa a pior decisão do universo). Meu problema nem é a decisão, para ser honesta e aonde ela levou a Tris. Em questão de história, colocá-la nessa posição é bem interessante e traz interações necessárias para esse livro. O problema foi o processo da decisão (como se ele tivesse existido).
Desde o primeiro livro, a autora vem dizendo que a Tris é inteligente, já que uma das suas aptidões é com a facção dos inteligentes, certo? Então o que a leva a tomar uma decisão idiota dessas? E eu não digo idiota no sentido inconsequente e perigosa, mas que não tem a menor lógica! Que tipo de pessoa inteligente sacrifica algo muito importante só pela palavra do seu inimigo? Não é como se o inimigo estivesse realmente abrindo mão de seu poder e controle sobre você, então como você pode confiar na "promessa" dele de que simplesmente vai parar de fazer o que está fazendo?
Até o Tobias, que teoricamente não é inteligente como ela (pelo menos segundo seus testes) consegue ser mais esperto e criar o mínimo de um plano antes. E eu odeio isso, porque mesmo quando dizem que a mulher é a mais inteligente, não se prova em atitudes dela e o cara sai como o melhor. (Só amor pelo Tobias, vou deixando claro aqui.)
Essa falta de inteligência da Tris, na verdade, contagiou praticamente todo mundo do livro. Sei que é um livro adolescente, mas não é um livro amador e nem todos os personagens dessa história deveriam ser ingênuos. Senti falta desde o começo de estratégias nessa história, daquelas maduras mesmo. Guerras, informais ou não, são como jogos de xadrez. É preciso ver vários movimentos a frente e considerar todas as possibilidades do que você e seu oponente podem fazer antes de tomar uma decisão. E você tem que conhecer seu inimigo, tem que entender suas fraquezas e compará-las com o que você tem de melhor, tem que estudar seus hábitos para prever o que ele vai fazer, não só analisar como a situação está exatamente agora. Tudo nesse livro é muito no instinto, com planos toscos e mal pensados. Faltou pelo menos um personagem um pouco mais inteligente nesse quesito, que evitasse que essa parte toda ficasse tão amadora. Aliás, isso dos dois lados dessa briga, mas principalmente do da Tris.
Era isso que a autora deveria ter pesquisado, não a questão do luto. Luto é fácil de se imaginar, mas quase ninguém consegue ser um Napoleão da vida, nem mesmo no papel.
Essa deve ser uma das minhas maiores resenhas, mas prometo que estou acabando! Queria falar aqui dos meus problemas com o enredo também. Muitas vezes, eu acho que um livro é chato porque não acontece nada, mas deu para ver por esse daqui que vários acontecimentos não significa que a história vai ficar menos maçante. Esse livro foi maçante, foi arrastado, foi repetitivo e ainda teve vários acontecimentos. A história muda de cenário várias vezes, o que era para ser mega interessante, mas acaba virando a mesma coisa sempre. A autora também colocou várias mortes aleatórias nessa história, que pareciam existir só para "impressionar" e definitivamente falharam nesse quesito. Ela também fez a Tris carregar a culpa por tudo, praticamente, e se transformar na maior mártir melodramática da vida, o que teria funcionado se não tivesse durado o livro inteiro.
O livro tem coisas boas, ou eu não teria dado três estrelas. Como eu falei, gosto da escrita, acontece bastante coisa e a autora teve a chance (e a aproveitou!) de nos mostrar as outras facções nesse livro. Além disso, quando eu achava que o livro ia acabar sem uma única informação nova para fazer o terceiro parecer interessante, ela apareceu. Eu fiquei um pouco confusa com essa revelação, na verdade, porque achei a informação um pouco aleatória, vaga e mal encaixada, mas estou guardando meu julgamento para o próximo livro, que vai ter a chance de explicá-la.
Ah, a melhor parte do livro é o Uriah. Há.
Não vou falar que escrever uma trilogia distópica é fácil, longe disso, mas acho que a autora se desviou bastante nesse livro do que deveria ser o tom da história e tenho a impressão de que vai ser impossível recuperá-lo no último. O segundo livro de uma trilogia é sempre difícil.
Na trilogia Delirium, o segundo livro teve um tom completamente diferente do primeiro (e bem parecido com esse de Insurgente), mas a autora dele conseguiu criar um enredo único para aquele livro que foi muito, muito interessante e instigante (é de não conseguir parar de ler).
Na trilogia Legend, da Marie Lu, o segundo livro subiu o nível da história de um jeito que eu nunca esperaria que acontecesse. Eu não sou das melhores escritoras do universo, mas meu instinto de escritora consegue me impedir de me surpreender com muita coisa. Nesse, Insurgente, nada que aconteceu foi surpresa para mim, nenhuma "traição", nenhum inimigo trocando de lado, nada, porque a autora seguiu um padrão bem linear de desenvolvimento (que talvez seja só reconhecido por leitores ávidos e escritores mesmo). A Marie Lu, na trilogia Legend e em todas dela, sempre consegue te fazer achar que vai ser de um jeito e desviar depois para lugares e acontecimentos que você nem achava serem possíveis.
Com Jogos Vorazes, por exemplo, a autora conseguiu uma ideia brilhante para o segundo livro: voltar ao começo, mas mudar as regras (ela acabou se perdendo na questão revolucionária afinal, mas isso não importa).
Insurgente não conseguiu ser como nenhum desses livros. A autora disse que queria que cada livro fosse a continuação direta do outro, mas eu acho que esse foi um dos seus erros. Em vez de dar uma guinada na história, de recomeçar com regras diferentes, de ir por caminhos que nem deviam ser imaginados antes, ela se mantém dentro dos mesmos limites traçados no livro anterior e faz os vários acontecimentos não ajudarem em nada a transformar a narrativa em um pouco menos maçante.
Como disso, acho que essa decaída do ritmo da história não vai conseguir sobreviver no próximo livro, mas vou ler em seguida. Estou animada, na verdade, para ler o livro do Quatro!
Aliás, na minha versão de capa de papel em inglês, tem uma citação logo na primeira página (como propaganda) que só acontece depois da página 500 e me fez ter certeza do resultado de certos acontecimentos só porque eu sabia que a Tris precisaria estar naquela posição em algum momento. Não é um spoiler, mas não foi muito inteligente dos editores também.