LucasMiguel 12/01/2024
Após ‘a casa das belas adormecidas’, este é o segundo livro que leio do autor japonês vencedor do prêmio Nobel.
Como é típico da literatura japonesa, a escrita deste romance curto é extremamente sensível e preza pela análise minuciosa dos detalhes, do cenário e dos sentimentos. Aliás, Kawabata possui extrema habilidade em misturar ambos e fazer uma se imiscuir na outra.
As histórias de Shimamura, Komako e Yoko são carregadas de solidão (não à toa este autor foi um dos mestres de García Márquez) e de melancolia, como se nevasse nos corações dos personagens.
Obcecado pela limpeza das mulheres com quem se relaciona (talvez esta obsessão seja mais moral que física), Shimamura sai de Tóquio para praticar escalada nas montanhas em um local remoto do Japão e sempre se instala em uma espécie de hotel que fornece gueixas para acompanhar os clientes durante a estadia.
A narrativa evoca estas viagens e se inicia com Shimamura retornando ao país das neves para se reencontrar com uma aprendiz de gueixa chamada Komako, de quem havia se afeiçoado, e mostra o espanto do personagem ao avistar, pelo reflexo do vidro do trem, a imagem de uma mulher que o deixa maravilhado por sua beleza triste. As descrições poéticas que Kawabata faz deste maravilhamento, notadamente quando mistura a imagem refletida da mulher com a paisagem fria da montanha, é de uma sensibilidade estonteante.
Como já apontado, uma das características mais admiráveis deste romance é justamente esta aglutinação promovida pelo autor da natureza e do clima com o sentimento vivido pelos personagens. Desde o gelo de suas melancolias até o fogo abrasivo das revelações finais.
Há em Shimamura um sentimento de alheamento e de incompletude que o atira em um platonismo radical: possui uma esposa em quem deposita toda sua carga de realidade insípida; uma gueixa, Komako, em quem é depositado grande investimento libidinal; e um ideal, Yoko, a bela, distante e inalcançável que despertou, neste estrangeiro de si mesmo, enorme interesse ao ser avistada pelo reflexo de um vidro.
A imagem refletida não é ao acaso: o reflexo de uma imagem deixa o objeto real alienado do mundo, como um ser espectral, imaginado, idealizado...por isso Yoko é o ideal perseguido, embora frio e distante.
Já Komako é fogo (não por acaso seu rosto sempre é descrito como avermelhado), e sua personalidade incandescente e explosiva.
Por esta razão, o livro trata da melancolia incurável que nos acomete; este sentimento de eterna incompletude que é marca indelével da nossa existência desde o nosso doloroso desenlace infantil, que nos retirou da unidade com o Todo e nos arrastou violentamente para o reconhecimento de um mundo de seres individuais, e nos compeliu a construir um “eu” que, não importa o quanto idealizamos da vida, e não obstante as inúmeras conquistas, haverá sempre um sentimento frio e abrasivo de incompletude a nos consumir.