Dave 21/04/2016
Sobre o tudo que há em nada
Eu encontrei esse livro em um sebo. Em meio a tantas histórias a serem lidas, naquele dia em particular, sentia-me determinado a comprar algo que não se adequasse à categoria clássicos em minha mente. E, após cerca de dez ou quinze minutos fuçando as prateleiras do lugar, encontrei o título que, de imediato, fez com que eu pensasse: esse pode ser o livro da minha vida coisa que pareceu provável quando li o comentário de Carlos Ruiz Zafón acerca do livro. Talvez essa seja uma posição difícil de ser alcançada. Talvez Nada, de Carmen Laforet, não tenha alcançado esse cargo não neste momento em particular de minha vida. Entretanto, isso não tira todo o mérito da autora ao escrever sobre tudo aquilo que nos cerca em momentos de solidão: nada.
A trama é focada na jovem Andrea, uma moça que chega à cidade de Barcelona com o intuito de estudar em sua faculdade de letras. Para que possa completar sua graduação, ela terá que morar na casa de alguns parentes com quem já não se comunicava há anos. Logo que chega à casa localizada na rua Aribau, Andrea se depara com a situação do local. O caos que reina sobre sua nova moradia e sobre as pessoas que nela habitam logo se evidenciam, deixando claro que a ajuda fornecida pelos parentes estava mais próxima de ser um empecilho na trajetória da garota.
Com uma narrativa em primeira pessoa, acompanhamos a vida de Andrea ser abalada pelos mais variados tipos de pessoa. Sua família parece ser composta por um grupo de lunáticos; alguns afetados pela idade, outros porque simplesmente agem como loucos. Entretanto, todos parecem pensar que suas respectivas atitudes e personalidades se encaixam em um padrão de normalidade, se comparado ao dos outros habitantes da casa da rua Aribau. Andrea, então, descreve ao leitor os altos e baixos de sua vida em meio a esse circo que, ora apresenta situações cômicas, ora causa angústia diante a tantos fatos que podem ser tomados como revoltantes ou até mesmo incompreensíveis.
Aliás, incompreensível é uma palavra que parece definir bem os personagens. Nada é um livro que trabalha em cima de seus personagens complexos. Todos possuem suas motivações e suas desculpas para determinados comportamentos (embora nem todas tenham parecido ser razoáveis, ao meu ver). E quando me refiro à complexidade dos personagens, não me atenho necessariamente a um desenvolvimento que influencie no crescimento deles e que esteja explícito ao leitor. Com exceção da própria Andrea e, talvez, de Ena, melhor amiga da protagonista nessa história, os outros tem seus comportamentos fixos durante o enredo. Não por qualquer tipo de erro da autora, mas porque, ao que fica evidente, o misterioso passado de cada uma dessas figuras foi o suficiente para os moldarem da forma que são apresentados ao leitor. E isso é, em minha opinião, razão o suficiente para se intrigar com cada um deles.
No âmbito universitário, a autora procura se ater apenas à amizade de Andrea com Ena, além de alguns outros personagens que surgem durante a leitura. Ena é o oposto de Andrea: rica, com uma beleza mais acentuada, popular e com uma vida amorosa mais ativa, ela pode parecer, a princípio, uma jovem fútil. Contudo, logo nota-se que Ena é uma das figuras mais misteriosas que poderiam existir nesse livro. E as motivações para muitas de suas atitudes atitudes essas que fazem nossa querida protagonista viver momentos de desgosto e preocupação são reveladas de maneira espetacular em um dos capítulos mais intensos de todo o livro (ao qual eu, carinhosamente, apelidei de A Redenção de Ena). A amizade de Andrea e Ena é como qualquer outra da vida real: recheada de alegrias e tristezas, confissões e desastres, mas que nunca temina, como toda boa amizade deve ser.
Nada é um livro agradável de se ler. Entretanto, ele é carregado de uma atmosfera pesada. Não me refiro necessariamente a mortes, ou temas obscuros, mas ao simples fato de Andrea levar uma vida conturbada e que por muitas vezes parece desanimá-la. Uma vida em que nenhuma peça quer se encaixar. Uma vida com a qual podemos constantemente nos identificar. A melancolia, a irritação, os sentimentos amargos, tudo isso é trabalhado com maestria por Laforet. Entretanto, isso não impede a fluidez da leitura que, aliás, é bem fácil. O livro não é dos mais dinâmicos, mas se sustenta nos mistérios e motivações pessoais que cercam cada personagem todos tendo alguma influência na vida de Andrea. Preciso ressaltar que os capítulos 19 e 21 foram, para mim, os mais intensos e mais reveladores, pois são responsáveis por fazer com que o leitor reflita sobre diversas coisas; pensar sobre a influência dos erros do passado, das paixões desastrosas, das escolhas que constituem nosso caráter. Faz-nos refletir sobre o caminho que viemos trilhando até aqui.
Nada oferece bons temas a serem debatidos; questões morais a serem levantadas, além dos próprios enigmas que a autora nos incumbiu a desvendar. É um livro ótimo e, arrisco dizer, um pouco paradoxal. Apesar de seu título, Nada parece se tratar, na verdade, sobre o tudo.
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