Gabriel 30/07/2017
Fichamento Introdução a Heidegger
Resumo / conteudo de interesse:
I – Ser e Tempo
Na primeira parte do livro, é dada uma ênfase especial à obra mais importante escrita por Heidegger, no ano de 1927, Ser e Tempo (Sein und Zeit) onde Heidegger rompe com uma tradição que vinha desde o Sofista de Platão sobre o conceito de “ente” e reformula a questão do “ser”. Vindo de uma escola e de origem neokantiana, “amadurecem em Heidegger problemas e exigências que naquele âmbito já não se podem resolver” (pag. 13) entre os quais a historicidade do espirito vivente.
“Enquanto o neokantismo privilegiava a ciência, no seu carater construtivo e matematizante, como única forma de conhecimento valido, para Husserl, o acto cognoscitivo resolve-se na intuição das essêncisas, que não se reduz ao conhecimento cientifico (…)”, Heidegger, de seu ponto reinvidicava ir além da logica e recusa considerar as categorias como meras funções do pensamento. Enquanto no neokantismo o fenômeno é “a coisa em si”, a partir de Ser e Tempo, para Heidegger, é considerada a manifestação positiva da propria essência da coisa. A partir de então, o problema das ciências historicas assume a posição de não mais um problema metodologico, mas sim ontologico.
A principio, sua fenomenologia seria uma sintese entre as exigências transcedentais do neokantismo e a reinvidicação do Leben (vida).
O livro pode ser dividido em duas partes: “Primeira parte: A interpretação do Dasein com referência à temporalidade e a explicação do tempo como horizonte transcendental do problema do ser. Seugunda parte: Linhas fundamentais de uma destruição fenomenologica da historia da ontologia sob a guia da problematica da ‘temporalidade’. A primeira parte subdivide-se em três seções: 1) a analise fundamental do Dasein no seu momento preparatorio; 2) Dasein e temporalidade; 3) Tempo e ser. Também a segunda parte devia dividir-se em três seções dedicadas respectivamente a Kant, Descartes e Aristoteles.” Contudo a obra ficou interrompida na segunda seção da primeira parte.
Ser e tempo começa com uma analise preparatoria do homem, considerando que esse seria o único, segundo o sentido etimologico de existência, a existir, já às coisas o que existe é a simples-presença (vorhandenheit).
Como caracteristica do estar-ai, analisa-se o fenômeno do mundo, e as coisas, que são realidades dotadas de uma existência objetiva como instrumentos. “A totalidade dos instrumentos dá-se apenas enquanto existe alguém que os emprega ou pode empregá-los como tais, enquanto é o estar-ai, para o qual os instrumentos tem o seu sentido, a sua utilidade.” (pag. 30). Nesta seção sobre mundaneidade do mundo, Heidegger analisa a coisalidade das coisas, como entes intramundanos.
O resultado da analise da mundaneidade, deverá refletir-se também na determinação das estruturas existenciais do Dasein, considerando o estar-ai como ser-no-mundo. Há uma distinção entre o “estar-ai autêntico” que se projeta na base da sua possibilidade mais sua e o “estar-ai inautêntico” que é incapaz de se abrir verdadeiramente às coisas. “O Dasein já é sempre e constitutivamente relação com o mundo, antes de toda a distinção artificial entre sujeito e objecto.”
Na seção seguintediscute-se a situação afetiva do Dasein (Befindlichkeit), que significa o modo de se “encontrar” de se “sentir” desta ou daquela maneira. Enquanto ser-no-mundo, o Dasein tem certa compreensão de significados e também tem sempre certa tonalidade afectiva. Tal conceito é fundamental para um progresso na “concretização” do problema do ser. Com o conceito seguinte, o de ser-lançado, Heidegger chega ao nucleo de sua tematica mais existencialista, o qual seria a facticidade do Dasein, ou, “o facto de estar-ai ter já sempre um certo modo global de se relacionar com o mundo e o comprender, modo global testemunhado na situação afectiva e na compreensão”. Como conlusão desta primeira seção do livro, a analitica existencial, sem estabelecer um favorecimento da autenticidade como melhor modo, “limita-se a assinalar que as coisas se apresentam verdadeiramente na sua natureza de possibilidades abertas apenas no âmbito de um projecto decidido; no mundo do se, as coisas dão-se apenas de uma maneira decaida e “dejecta”, isto é, de um modo que não é diferente daquele em que elas são na existência autêntica, mas de um modo que é apenas uma derivação empobrecida daquele” (pags. 46 e 47).
Para Heidegger, a morte é uma possibilidade coessencial do Dasein, poisé uma possibilidade à qual o Dasein não pode escapar. Como fato biologico porém, a morte não representa o cumprimento da totalidade do Dasein, pois dessa foram estarimos enxergando-o como simples-presença.
Ao manifestar-se a temporalidade como sentido de ser do Dasein, Heidegger conclui a trajetoria de Ser e Tempo, e abriria caminho para a terceira seção, que se chamaria “Tempo e Ser”. “Heidegger dira mais tarde que Ser e Tempo ficou interrompido por insuficiência da linguagem, isto é, pela impossibilidade de desenvolver a indagação dispondo apenas da linguagem filosofica herdada da tradição metafisica” (pag. 60). “Como lembramos, Heidegger tinha partido da posição de que a metafisica sempre concebeu o ser de acordo com o modelo da simples-presença, pelo que a metafisica mostrava privilegiar, sem a fundar explicitamente, uma dimensão do tempo: o presente.” (pag. 58)
Durante os anos de 1935 e 1943, Nietzsche será o tema central de seu pensamento, mas durante o pos-guerra, sua atenção se voltará a Dilthey e Kierkegaard, sendo este ultimo explicitamente invocado em alguns pontos decisivos de Ser e Tempo, mesmo não tendo passado à problematica propriamente existencial.
II – A metafisica como historia do ser
Nos anos seguintes à publicação das duas seções de Ser e Tempo, Heidegger dedica-se à questão da metafisica. Ainda em Ser e Tempo, Heidegger “fala explicitamente da necessidade de uma ‘destruição da historia da ontologia’”(pag. 63), em 1929 publica “O que é metafisica?” e em 1935 “Introdução à metafisica” onde o termo assumedefinitivamente uma conotação negativa: “metafisica é todo o pensamento ocidental que não soube manter-se ao nivel da transcendência constitutiva do Dasein, ao colocar o ser no mesmo plano do ente” (pag. 63).
A partir da conferência A essência da verdade, Heidegger parte da concepção comum na tradição metafisica, da verdade como conformidade da proposição com a coisa, representando um passo de amadurecimento em seu pensamento. “Heidegger não rejeita redondamente a concepção da verdade como conformidade; antes a assume como o modo fenomenologico do dar-se originario e imediato da experiência da verdade” ( pag. 73). Em Platão, o verdadiero é a Ideia, ou seja, o ente visivel ao intelecto. Aristoteles “concebe o ser em dois sentidos: como que coisa (eidos), isto é, como essência e como quê (ousia), isto é existência efectiva. Esta é para Aristoteles enérgeia, ser em acto, e é ao acto de existir efectivamente que Aristoteles atribui em primeiro lugar o ser, em vez da essência ou eidos.” (pag. 86)
Para Heidegger, a metafisica atinge sua conclusão no pensamento de Nietzsche, a quem dedica muitos de seus estudos. Para este, “o ser do ente” é concebido como “vontade de poder”, enquanto para Heidegger esta expressão equivale a “vontade de vontade”. A partir do ponto em que a metafisica, com sua tendência a esquecer o ser para fazer o ente aparecer em primeiro plano apenas como tal, realiza sua verdadeira essência de esquecimento, alcança seu fim pois já não há mais nenhum meta, nenhum “mais além”. Nessa situação de pobreza de pensamento que torna-se possivel superar a metafisica e ir além, opondo-se ao método do Schritt zurück, do “passo atras”.
III – Ser, evento, linguagem
Em Carta sobre o humanismo, “Heidegger descreve a relação entre o pensamento e o ser, fundando-se num duplo significado que tem o genitivo na expressão “pensamento do ser””(pag. 104). Nesta, para falar do ser introduz-se o termo ereignen – acontecer, occorrer; e ereignis – evento. “O mundo do Ereigns é o mundo do fim da metafisica: quando o ser já não pode pensar como simples presença, so pode aparecer como evento.” (pag. 107)
Ao conceito de evento, torna-se possivel atingi-lo através do ensaio A origem da obra de arte que resulta em uma determinação “positiva” não metafisica do ser. “Para conceber apropriadamente a obra de arte, Heidegger vê-se obrigado a levar a cabo uma revisão do conceito de instrumento que, como se sabe, constitui a noção chave utilizada em Ser e Tempo para definir o modo de ser das coisas, isto é, dos entes diferentes do homem. Mas uma revisão do conceito de instrumento significa também uma revisão da noção de mundo com ele conexa.” (pag. 113). “A obra de arte se distingue de instrumento poruae chama sobre si a atenção, não se esgota no uso e na referência ao mundo.” (pag. 116)
“A obra é abertura da verdade, mesmo num sentido mais profundo e radical: não so abre e ilumina um mundo ao propor-se como um novo modo de ordenar a totalidade do ente, mas além disso, ao abrir e iluminar, faz que se torne presenre o routro aspecto constitutivo de toda a abertura da verdade que a metafisica esquece, isto é, a obscuridade e o ocultamento de que procede todo o desvelamento. Na obra de arte, está realizada a verdade não so como desvelamento e abertura, mas também como obscuridade e ocultamento. É isto o que Heidegger chama o conflito entre o mundo e terra na obra.” (pag. 116)
Em Sein und Zeit, a linguagem assume uma posição peculiar, pois, como signo, revelava a propria estrutura ontologica da mundanidade, nas obras subsequentes ela é o proprio modo de abrir-se da abertura do ser.A linguagem é a sede do evento do ser. “A caminho da linguagem, titulo que, Heidegger deu à coleção dos seus escritos recentes sobre este tema, pode servir como guia para definir a fase em que culminou, até agora, a sua filosofia. A reflexão sobre a linguagem não é uma reflexão sobre a relação entre a linguagem e realidade, sobre propriedade ou impropriedade da linguagem para descrever as coisas” (pag. 125)
“Nos seus escritos, recentes, Heidegger elabora uma noção de hermenêutica que pretende contrapor-se como modo de pensar autêntico ao pensamento metafisico dominado pelo principio de razão suficiente.” (pag. 130) Para Heidegger, a metafisica foi conaturalizada com o proprio estar-ai do homem. Na metafisica completamente desenvolvida, o sujeito já não encontra outra coisa além de si mesmo.
Citações
“Tende-se a esquecer que a questão em torno da qual gira o livro é precisamente a questão do ser e prefere-se, em vez disso, prestar uma atenção quase exclusiva à analise da existência humana que nela se desenvolve”
“O termo ôntico constitui com ontologico um par de conceitos paralelo ao do existentivo e existencial, ainda quando os significados não se sobreponham completamente. Ôntica é toda a consideração, teorica ou pratica, do ente que se atém aos caracteres do ente como tal, sem pôr em causa o seu ser; ontologica é, pleo contrario, a consideração do ente que aponta para o ser do ente. A “descrição do ente intramundano” é ôntica; a “interpretação do ser desse ente” é ontologica. Como se verá mais adiante, o conhecimento do ente pressupõe certa compreensão prévia do ser ente: na base de toda a verdade ôntica está a verdade ontologica. (pags. 18 e 19)
“A ideia do homem como “poder ser” orienta todo o desenvolvimento de Ser e Tempo, isto é, o fato de estar referido ao proprio ser como à propria possibilidade, logo, seu modo de ser é o da possibilidade e não o da realidade.”
“A essência do homem é a “existência”.”
“O mundo não é a soma das coisas, mas a condição para que apareçam as coisas individuais para que estas sejam.”
“Ser não significa estar simplesmente presente, mas pertencer a essa totalidade instrumental que é o mundo.”
“O ser-no-mundo nunca é um sujeito puro porque nunca é um espectador desinteressado das coisas e dos significados” (pag. 38)
“Com a ideia de mundo como totalidade de instrumentos vincula-se, pois, imediatamente o fato de o Dasein estar no mundo junto de outros, de Ser-com.”
“Se o Dasein é essencialmente poder-ser, nunca o poderemos encontrar como um todo.”
“A metafisica como herança de uma linguagem e de um conjunto de esquemas mentais aparece como o principal impedimento para passar da compreensão implicita do ser (que o estar-ai sempre tem) a uma compreensão filosofica.” (pag. 60)
“A metafisica manifesta-se, na sua essência, apenas quando chega ao seu fim, e alcança o seu fim precisamente enquanto se revela na sua essência. Isto entende-se facilmente se temos em conta que a essência da metafisica é o esquecimento do ser; mas quando se reconhece este esquecimento como tal, já nos encontramos em condições de recordar o que se tinha esquecido e, por conseguinte, de ir mais além da metafisica” (pag. 83)
“Toda arte, enquanto fazer acontecer o advento da verdade, é, na sua propria essência poesia.”
“O Selbe é algo comum que percorre todo o destino do ser desde o principio até o fim. No entanto, é dificil dizer como essa caracteristica comum deva pensar-se, já que não é uma generalidade que valha para rodos os casos, nem uma lei que estabeleça a necessidade de um processo, no sentido dialético do termo.”