jota 04/04/2024MUITO BOM: antes de insultar alguém leia Mencken: insulte, sempre com conhecimento, (alguma) classe e inteligênciaAssim como não se entra no mesmo rio duas vezes, como queria Heráclito há mais de 2.500 anos, não se relê um livro com a mesma cabeça de tempos atrás. Foi o que se passou comigo agora, depois de mais de 12 anos, na releitura deste O Livro dos Insultos, coletânea de textos retirados da obra de H. L. Mencken (1880-1956) principalmente aqueles escritos nas décadas de 1920 e 1930, trabalho esse executado por nosso conhecido Ruy Castro.
Penso que alguns textos me pareceram melhores da primeira vez, talvez por conta da descoberta de um autor que, como está registrado na capa do livro, “tinha a língua mais afiada do jornalismo americano” e isso me divertiu muito então. Mas, continuando, se Mencken aqui não insultou o grego Heráclito, no entanto, escreveu que “Não há registro na história humana de um filósofo feliz: só existem nos contos da Carochinha. Na vida real, muitos cometeram suicídio; outros mandaram seus filhos porta afora e surraram suas mulheres.” O marxista Louis Althusser estrangulou a própria esposa, lembram?
Não são apenas os pensadores os alvos de suas críticas e ironias, a lista dos “insultados” é imensa e envolve não apenas homens e mulheres, também religião, psicologia, economia, política, cultura, artes em geral etc. Paulo Francis, que escreveu um apêndice para a obra, dizia que “Mencken é atualíssimo.” Verdade, embora nem sempre seja agradável ou engraçado. Ele via na pintura uma arte menor, enquanto considerava essenciais a literatura, a música, a escultura e o cinema. Estas envolvem movimento, enquanto a primeira seria estática para ele.
Considerava, para espanto geral, Dostoievski, George Eliot, D. H. Lawrence, James Fenimore Cooper, Eden Phillpotts, Robert Browning, Selma Lagerlof, Gertrude Stein, Bjôrnstjerne Bjõrson e Wolfgang von Goethe os dez escritores mais chatos de todos os tempos. Isso mesmo, chatos. Apreciava imensamente Edgard Allan Poe, Mark Twain, Ambrose Bierce e Joseph Conrad, o que também ocorre com muitos leitores desde sempre.
Como se julgava possuidor de ouvidos mais sensíveis à beleza, pensava ser a ópera detestável e espalhafatosa, apresentada em cenários de mau gosto e quase sempre com música de segunda classe; para ele, uma soprano podia soar como uma araponga. Seus preferidos em música: Bach, Beethoven, Wagner, as valsas de Johann Strauss.
Se os textos iniciais e os mais longos não me pareceram tão empolgantes nessa releitura, no entanto, antes da metade do livro, as coisas voltam a melhorar e parecem ficar melhores quanto mais caminhamos para o final do volume. Ali vão estar frases que tornaram Mencken, não apenas um jornalista bastante conhecido, mas um autor citado no mundo todo, porque deixou registradas verdadeiras pérolas para nosso deleite. Como as seguintes, destacadas por Paulo Francis, sendo as duas primeiras das mais preciosas:
“Todo homem decente se envergonha do governo sob o qual vive.”
“A democracia é a arte e a ciência de administrar o circo a partir da jaula dos macacos.”
“A fé pode ser definida em resumo como uma crença ilógica na ocorrência do improvável.”
“Se Roosevelt [26º. Presidente dos EUA] achar que converter-se ao canibalismo pode lhe render votos, mandará engordar um missionário no quintal da Casa Branca.”
“Todo artista de alguma dignidade é contra seu próprio país. Pense em Dante, Tolstoi, Shakespeare, Rabelais, Swift e Mark Twain.”
Tem tudo isso e muito, muito mais. Tivemos algum Mencken por aqui? Com a mesma capacidade de insultar talvez não, mas o talentoso Millôr Fernandes (1923-2012) me veio à mente diversas vezes durante a releitura. Além de escritor ele desenhava muito bem; precisamos lembrar dele e reverenciá-lo sempre, como muitos americanos fazem com H. L. Mencken.
Lido entre 25 de março e 02 de abril de 2024.