Luis 17/03/2013
O Romantismo esfacelado.
Infelizmente demorei muitos anos para retornar à obra de Aluísio Azevedo. Lá se foram quase duas décadas desde que , pressionado pela obrigações do vestibular, encarei as páginas de “O Cortiço” e , pouco tempo depois, de “O Mulato”, obras seminais do Naturalismo brasileiro.
“Casa de Pensão”, em uma edição escolar comprada a preço de banana nas tradicionais barraquinhas de rua que se revezam entre os bairros cariocas, talvez seja o mais emblemático da trilogia criada pelo autor maranhense. Inspirado em um caso real, o livro conta a história do jovem Amâncio, filho único, rico, nascido no Maranhão (como o autor) e que viaja para a Corte em busca do sonho dourado de glória e sucesso. Amâncio idealiza o Rio de Janeiro como a cidade paradisíaca em que o aroma doce das ruas era a própria personificação do imaginário romântico que permeava o século XIX e era combustível dos autores franceses que foram a base da formação intelectual do rapaz.
Ao chegar na capital, no entanto, Amâncio descobre um Rio diferente, inundado de vícios e da visão pragmática e materialista típica do capitalismo. Hospeda-se primeiramente na casa de Campos, próspero comerciante, amigo de seu tio e que tem uma encantadora esposa, Hortênsia, que, discretamente, inicia um flerte com o jovem.
Através de um grupo de amigos, Amâncio conhece Coqueiro, quase de sua idade, porém já casado com uma velha madame francesa que mantêm uma casa de pensão. Coqueiro o instiga a sair da casa de Campos, onde não tem liberdade, e se mudar para a tal casa de pensão, onde o jovem conhece Amélia, a irmã de Coqueiro, que, pouco a pouco se envolve com o maranhense, como parte de um plano traçado pelo irmão e pela cunhada para se aproveitar das posses de Amâncio.
A trama fica ainda mais rocambolesca quando o jovem também se envolve com Lúcia, esposa de um hóspede da pensão, colocando sob risco os planos de Coqueiro.
Com essa estrutura básica, Aluísio Azevedo suspende o pano para desenvolver algumas das teses mais caras ao Naturalismo, como a submissão do comportamento ao ambiente e às condições pré determinadas pela hereditariedade. O autor também subverte o conceito do Romantismo, ao condicionar as relações afetivas da obra aos interesses materiais e puramente sexuais, pois Amâncio é explorado tanto por Amélia quanto por Lúcia, além de nutrir um desejo meramente carnal por Hortênsia.
Em sua parte final, “Casa de Pensão” escancara ainda mais essa condição subversiva, ao pintar com tintas de drama sensacionalista, tanto o processo que Coqueiro move contra Amâncio, acusando-o falsamente de abusar de sua irmã, quanto o assassinato do jovem maranhense, após a sua absolvição. Coqueiro, que ao perder o processo, passa a servir de escárnio a todos, não suportando mais a vergonha e a pressão da família que o acusa de matar a galinha dos ovos de ouro, resolve “lavar a sua honra”. Mata Amâncio em uma suíte do Hotel Paris, onde o jovem passara a noite com uma prostituta comemorando a absolvição.
Amâncio vira mártir , com sua imagem se transformando em souvenir no comércio carioca, a ponto de sua mãe, que desembarcara no Rio sem saber de nada, se assustar perante uma pintura retratando o seu corpo no necrotério.
“Casa de Pensão” nos mostra que o sonho romântico se esfacela nas engrenagens do materialismo. Não existe almoço grátis.