spoiler visualizarfabiorosos 18/07/2024
Quanta chuva é necessária cair em terra rachada para que se forme um lamaçal?
Acredito que durante a leitura, meu maior pecado (ou redenção) tenha sido ser Paulo Honório do começo ao fim. Assim que abria a página, me fundia a ele, ou melhor, ele se tomava de mim. Ao longo do livro tirei muitas notas, notas sobre como Paulo Honório é um homem prático, endurecido, retrato de seu tempo em sua condição. Seu modo de vida é prático, sua forma de amar é prática, sua poesia é pratica. “A senhora, pelo que mostra e pelas informações que peguei, é sisuda, econômica, sabe onde tem as ventas e pode dar uma boa mãe de família”. Paulo Honório não escolhe um amor, ele escolhe uma ferramenta que gere herdeiro pra herança. Este livro não é sobre uma história de amor, não é sobre superações de vida. É sobre vidas técnicas, movimentadas como máquinas, como os manuais de agricultura. Os longos discursos sobre política, o tédio que D. Glória gera com seu enfado. A estupidez de Madalena com seus sentimentos. É sobre ser como é, e ser não sendo nada. Molambos são molambos, terra é dinheiro e caridade é desperdício. “É molambo porque nasceu molambo”.
Me senti tão instigado a ser Paulo Honório porque antes de iniciar a leitura, havia lido a palavra egoísta. Queria me provar o contrário. Não provei. É um homem egoísta, e sendo ele durante todas as páginas, sentimentos se tornaram carniça. Quando fui Paulo Honório, não suportava os diálogos de Madalena, tamanha estupidez. Somente quando seus sentimentos, muito escondidos por baixo dos calos, são ameaçados, é que Paulo Honório percebe quem ele é. Ou talvez, tenha um relance: suas mãos grandes, pele queimada, sobrancelhas grossas, contrastadas com a delicadeza de Madalena. Nada afeta tanto um ser humano quanto a sensação de impotência, principalmente quando falamos de homens práticos. O que mais me fez pensar em como ele se arrependia de suas escolhas foi quando disse: "Não era melhor que fossemos como os bois? Bois com inteligência.", logo Paulo Honório, que sempre havia sido um boi com inteligência.
Como ele mesmo assume, ele não foi sempre duro, bruto, egoísta. Mas a desconfiança o levou a ser assim. Desconfiança que sua condição o levou a ter.
Quem sonha de boca aberta engole terra, e Paulo Honório sabe disso.