Erich 11/07/2022
Em a Genealogia da Moral temos uma obra interessante que busca investigar três teses: o bom, a culpa e o ideal ascético. Vejo Nietzsche como um problematizador. Através desses conceitos ele critica várias questões sociais, mas não constrói de fato uma estrutura que responda aos problemas apresentados. Ele é aquele que, por meio de marretadas, demole o templo; mas não fica lá para ajudar a reconstruir.
Como comentário geral, uma coisa que fica um pouco maçante é a constante preocupação de Nietzsche com o cristianismo. Isso é compreensível dada a história dele e o período que ele viveu, e acredito que é algo de serventia para quem está sob as más influências do cristianismo mediócre. Mas para quem já superou esse problema, é um pouco cansativo ver como ele fica tão entretido em falar mal da religião que acaba demorando para tocar nos seus pontos importantes.
O humor de Nietzsche se sente logo no início, quando ele afirma que "se este livro resultar incompreensível [...] a culpa não será necessariamente minha. Ele é bastante claro." Transferindo a culpa para o leitor ao invés do autor. Além disso ele afirma que para entender o livro "faz-se preciso algo que precisamente em nossos dias está bem esquecido [...]: o ruminar", isso pois seu livro é escrito com aforismos.
O que segue abaixo é a MINHA leitura de Nietzsche.
0 - Não existe moralidade intrínseca.
Exigência: "necessitamos de uma crítica dos valores morais", a moral, se não examinada, pode conter como "bom" elementos que impedem ao homem atingir a sua potência.
" 'justo' e 'injusto' existem apenas a partir da instituição da lei. [...] Falar de justo e injusto em si carece de qualquer sentido; em si, ofender, violentar, explorar, destruir não pode naturalmente ser algo 'injusto'" visto que a vida atua o fazendo.
Não existem um definição intriseca de valores e, portanto, também não existe um código moral intriseco. A eliminação dessa moral intriseca é relacionada à morte de Deus e, junto com ele, da moralidade inventada pela tradição religiosa. A concepção kantiana de um modo fundamental de definir "certo" e "errado" é também desprezada. Tomando isso como axioma primeiro, podemos então buscar avaliar historicamente e socialemente como surgem os valores.
1 - Forças ativas e reativas
Vejo no livro não um modo de estabelecer um código moral, mas sim um modo de categorizar um código moral. Temos uma ideia (com cara de teoria psicologica/psicanalitica) de quem existem duas forças fundamentais: a força ativa (do homem forte, nobre) e a força reativa (do homem fraco, mediocre). Assim, nossas definições de "certo"/"errado", "justo"/"injusto" são categorizadas avaliando se são ativas ou reativas, se vem do nobre ou do mediocre.
- Força ativa (Bom->Ruim). Define o 'bom' olhando para si mesmo. Depois, ao perceber que nem todos tem essa qualidade, define o 'ruim' pela ausência do 'bom'.
"toda moral nobre nasce de um triunfante sim a si mesma"
- Força reativa (Mau->Bom). Define o 'mau' no outro, na busca de anular o outro, e então encontra o 'bom' em oposição ao 'mau'. É motivado pelo ressentimento e ódio.
"'os miseráveis somente são os bons, apenas os pobres, impotentes. [...] vocês, nobres e poderosos, vocês serão por toda a eternidade os maus'"
Uma exemplificação, utilizando a moral judaico-cristã é mostrar que o ódio dos judeus à força ativa cria a moral reativa deles que é coroada com o dito amor cristão. Amor esse que é ódio disfarçado.
Sobre Ressentimento
- Força Ativa. Não tem ressentimento. O homem nobre não é afetado pelos inimigos. Não precisa perdoar, por nem se lembrar da ofensa. Pois o homem nobre não tem ressentimentos, isso é para os escravos.
"Não conseguir levar a sério por muito tempo seus inimigos, suas desventuras, seus malfeitos inclusive - eis o indício de naturezas fortes e plena."
- Força Reativa. nasce do ressentimento de não poder ser como o homem forte com força ativa e busca, assim, anular a força ativa. Assim, o "mau" da moral reativa é o "bom" da moral ativa.
"A rebelião escrava na moral começa quando o próprio ressentimento se torna criador e gera valores". "A moral escrava diz não a um fora, um outro."
Sobre Inimigos
- Força Ativa. Como não nasce de um ressentimento ou desejo de vingança, não precisa encarar o inimigo como negativo. É possível que um inimigo seja bom (um bom inimigo, que te desafia a se superar).
- Força Reativa. Como deseja combater o outro, o inimigo é visto naturalmente como 'mau'; aquele a ser anulado.
- O exemplo das ovelhas Parte 1 Paragrafo 13 mostra isso, ao colocar que as aves de rapina não consideram as ovelhas más, gostam delas na verdade, apenas estão seguindo a vida delas.
Sobre Valores serem verdade/mentira e sobre a liberdade.
- Argumenta que a pessoa não escolhe ser forte ou fraco, ela simplesmente o é. A moral do fraco é para dar a ilusão de liberdade sendo que ele é escravo da sua fraqueza. Suas buscas pelo bom ocorrem somente pois ele não tem força para agir de modo diferente.
- Somente é livre quem de fato tem capacidade/força de escolha. Isso é examinado de modo interessante pela "distorção" gerada pelos reativos:
* não poder vingar-se -> não querer vingar-se / perdão. É evidente que somente pode dizer não QUERER vingar-se, aquele que TEM poder para tal.
* ter-de-esperar -> paciência. Somente pode se dizer paciente aquele que não é obrigado a esperar.
* baixeza medrosa -> humildade
* submissão àqueles que odeia -> obediência
* impotência que não acerta contas -> bondade.
* ódio e vingança -> justiça (ao invés de se "vingar" diz-se estar fazendo "justiça")
Sobre felicidade
* Os fortes, ativos, se sentem felizes por si.
* Os mediocres, reativos, tem sua felicidade ao se comparar com o outro.
* Um exemplo é obtido quando Nietzsche citaTomás de Aquino
"Os abençoados no reino dos céus verão as penas dos danados, para que sua beatitude lhes dê maior satisfação"
Isso mostra que o estado de satisfação dos reativos não é um prazer de si para si mesmo, mas um prazer em comparação com o outro, um desejo de submeter o outro visto que se sente ressentido por ser mediocre. A justiça reativa é, assim, simplesmente uma vingança e aplicação do ódio acumulado.
2 - Culpa
Primeiro Nietzsche discorre sobre 'fazer promessas' estar em oposição ao 'esquecimento', onde o esquecimento é enobrecido. Isso pois o esquecimento gera liberdade e o fazer promessas a aprisiona o homem. Ele ainda associa memória a algo doloroso necessariamente. E, na tentativa de utilizar sua teoria de forças ativas/reativas, Nietzsche coloca que o homem forte pode fazer promessas reais pois sabe que poderá cumpri-las, e daí emerge a consciencia. Isso me parece besteira por três motivos:
- Esquecimento é uma condição humana, não faz sentido ver como se pudesse ser algo "ativo" (fruto de ação). O processo de assimilar ou não assimilar memórias é algo complexo e diverso e nem cabe a essa investigação psicologica-filosofica. A menos que queira entrar em uma questão de subconsciente, o que fica psicologico demais.
- A associação de memória com algo doloroso é um trauma bobo de Nietzsche. Sim, a dor pode induzir memória. Mas colocar como se esse fosse o mecanismo central é exagero. Seria um pouco mais sensato (apesar de ainda não completamente preciso) colocar as emoções fortes como indutores de memória. De qualquer modo, tanto faz, esse é um tema para uma teoria de aprendizagem humana e não para uma análise de moralidade.
- O homem forte não pode prever o futuro. Agir ativamente sempre é não simplesmente agir por ter prometido, mas pois sua força ativa deseja aquilo naquele momento. Se um homem forte faz uma promessa, não deseja mais cumpri-la depois, e a cumpre, estará sendo escravo da sua promessa. Não estará agindo nem por força ativa nem por força reativa. Estará sendo subjugado pelo seu antigo eu. Talvez seja necessário adicionar uma nova força motivadora pois agir segundo uma promessa não é uma ação ativa nem reativa, é ser escravo de um acordo.
O tema de Culpa-Castigo é diretamente relacionado a Dívida-Reparação. Alguém é culpado pois descumpriu acordo (criando uma dívida) e merece castigo para que sejá feita reparação do acordo. Isso é relacionado às justificativas da aplicação de um codigo moral. Não é relacionado à capacidade ou não da pessoa cumprir o acordo ou o código, não se importa com isso aqui, mas tão somente com o fato de ter descumprido. Vingança e castigo vem da busca por reparação. Realizar na vingança e castigo ato de crueldade e subjulgação do outro (tortura, morte, escravidão, ...) mostra que o agente vê no sofrimento do outro uma compensação pela culpa e dívida. Existe uma satisfação associado a fazer o outro sofrer. Isso é resumido no dizer "ver-sofrer faz bem, fazer-sofrer mais bem ainda".
Nietzsche segue então um caminho exótico e busca dizer que essa justiça, com punições de sofrimento, é uma justiça dos fortes, realizada por forças ativos. Ele faz uma defesa "pífia" de que a justiça é ativa e não reativa... Estabelecendo que ela é uma reação aos reativos (o que não é nem um pouco ao ativo)... Ele parece se confundir nos conceitos dele de um "homem forte". Pois ele tentava definir o forte pelo modo de agir ativo/reativo e agora ele destroi esse conceito e mostra mais claramente que pretendia somente justificar uma aristocracia. Eu diria que o modo mais sensato de falar que é existem ações ativas/reativas e existem agentes com poder e sem poder. Quem determina a justiça não são os "ativos" mas sim aqueles que tem "poder". Assim, em uma sociedade onde os ativos tem poder, a justiça será ativa, em uma sociedade onde os reatios tem poder, a justiça será reativa.
Uma justiça ativa seria aquela que não vive na dicotomia bom-mau mas sim na bom-ruim. Assim, pelo outro não ser mau, mas sim ter agido de modo ruim, ao inves e uma punição e castigo caberia um processo de reforma e educação (que eleve-o, melhore-o). O aspecto, mostrado por Nietzsche, da justiça dos ativos de impedir aos reativos aplicarem o ressentimento, atuando assim como mediador e resolveor de conflitos, é mais coerente com a ideia do que significam os ativos. Assim, a 'justiça reativa' busca castigar para anular o outro e a 'justiça ativa' busca resolver conflitos e é indiferente ao outro ou o melhora.
Outras coisas
* "O que em geral se consegue com o castigo, em homens e animais, é o acréscimo do medo, a intensificação da prudência, o controle dos desejos: assim o castigo doma o homem, mas não o torna melhor."
* Uma citação com cara de psicologia... "todos os institos que não se descarregam para fora voltam-se para dentro - isto é o que chamo de interiorização do homem" [II-16]
* "Esse anticristão e antiniilista, esse vencedor de Deus e do nada - ele tem que vir um dia"
* "A falta de sentido do sofrer, não o sofrer, era a maldição que até então se estendia sobre a humanidade - e o ideal ascético lhe ofereu um sentido!" "Nele o sofrimento era interpretado, a monstruosa lacuna parecia preenchia; a porta se fechava para o niilismo suicida." A interpretação cristã "colocou todo sofrimento sob a perspectiva da culpa... Mas apesar de tudo - o homem estava salvo, ele possuía um sentido".
* O ideal ascetico é uma "vontade de nada, uma aversão à vida", pois justifica o sofrimento e vê nele o sentido da vida. O sofrer é esse ir ao nada. O humano, assim, prefere "querer o nada a nada querer". E aqui Nietzsche toca no "niilismo cristão" (querer o nada) e no niilismo suicida (nada querer).
Traumas de Nietzsche
* Parte 1 Paragrafo 5 "raça submetida" Nietzsche? "raça de conquistadores e senhores, a dos arianos"? Você pegou somente alguns exemplos e está usando-o para generalizar uma ideia de raça de senhores? Essa distinção loiro-negro decerto era irrelevante em um sociedade de loiros. E sociedades sem loiros provavelmente também não tinham tais construções. Como é a analise etimologica do "bom" para os povos indigenas, os povos africanos, os povos asiaticos e até os outros povos europeus que não os comentados?
* Teoria de Conspiração: a crucificação foi "armada" para que o cristo fosse aceito pelos inimigos de Israel.
* Sério Nietzsche? Vai dizer que a dor varia com o aumento da humanidade? Que besteira. Se for completamente reformualado, pode começar a fazer algum sentido. Se for falar não que a dor varia, mas a indignação com a qual encaramos as dores. Mas isso é relacionado à mudança de nossas moralidades. Se antes era "normal" torturar alguém, isso hoje é visto negativamente pela nossa moralidade, de modo que pode "doer" mais no sentido de indignar mais.
Análise
* Hitler me parece um "ruim" na moralidade e um ressentido, pois ele atua buscado matar um povo. Assim, ele não segue um ideal dele e pronto, ele classifica como mau algo e busca eliminar aquilo se colocando como oposto.