Paulo Silas 24/02/2016Denso, complexo e muito profundo. Em que pese a aparente pequenez da obra, é um dos livros em que Nietzsche mais disseca os temas abordados. Para que a leitura possa fluir e ser melhor compreendida, é necessário que o leitor esteja habituado com os escritos do filósofo. O alerta em tal sentido é dado pelo próprio Nietzsche no prólogo do livro:
"Se este livro resultar incompreensível para alguém, ou dissonante aos seus ouvidos, a culpa, quero crer, não será necessariamente minha. Ele é bastante claro, supondo-se - e eu suponho - que se tenha lido minhas obras anteriores, com alguma aplicação na leitura: elas realmente não são fáceis."
O livro é dividido em três dissertações, cada qual com uma análise filosófica/psicológica/antropológica profunda de questões atreladas à moral e sua genealogia.
A primeira parte da obra (""Bom e mau", "bom e ruim"") se aprofunda em sobre como o ser humano chegou à sua condição atual, preso à moral arraigada na sociedade, de modo que o autor acaba buscando respostas na origem da cultura. A instituição de agrupamentos das pessoas (comunidades) ganha um respaldo na pesquisa do filósofo, a fim de constatar as origens das definições morais. É uma busca pela valoração dos valores. O que originou e definiu o bom como sendo bom e o mau ou ruim como sendo mau ou ruim? Não obstante a dissecação explorativa feita por Nietzsche, há conjuntamente a destruição dos valores constatados na pesquisa do autor.
A segunda dissertação (""Culpa", "má consciência" e coisas afins") demonstra que há um forte liame entre os impulsos do homem e as conquistas culturais. Os instintos produzem a consciência (ou má consciência), as quais são responsáveis pelas formalizações culturais das comunidades: direito, religião, trabalho e política. Nesta parte do livro há uma notória análise psicológica-antropológica da história da cultura e seus reflexos e consequências até hoje existentes.
Na terceira e última parte da obra ("O que significam ideais ascéticos?") está a conclusão que levam as duas primeiras dissertações do livro. O ideal ascético é destrinchado, exposto e novamente estruturado a fim de compreendê-lo integralmente. É a ânsia pelo nada, a necessidade de se criar algo para que possa haver um conforto e supressão dos instintos. O ideal ascético é personificado no sacerdote, o qual reúne e direciona todo o ressentimento dos fracos, dos escravos, do rebanho para dentro dos próprios, se insurgindo contra os dominantes e adotando os ideias da moral de acordo com a criação destes próprios. A profundidade da exposição feita em tal ponto é surpreendente.
"Genealogia da Moral: uma polêmica" foi escrito originalmente para complementar a obra anterior, "Além do Bem e do Mal", vez que Nietzsche retoma e cita inclusive passagens do outro livro. É uma escrita robusta, profunda, erudita e em vários pontos complicada. Cada parágrafo da obra gera muita reflexão e interessantes interpretações. É um livro que deve ser lido e relido, cada vez mais com o intuito de tentar melhor compreender o turbilhão de mensagens transmitidas pelo filósofo.
Recomendo!