Jão 12/04/2020
Olhai os Lírios do Campo, um convite à felicidade simples
Olhai os Lírios do Campo foi o livro que alçou Érico Veríssimo ao sucesso e o qual lhe proporcionou conseguir viver somente da literatura. Escrito em 1936, ele traz um envolvente enredo focado na história de Eugênio Pontes, médico porto-alegrense. A narrativa é dividida em duas partes muito diferentes entre si, mas igualmente cativantes e ótimas. A primeira, de tom mais psicológico, se concentra em nos apresentar à figura do protagonista por meio de uma singular mistura. Ao mesmo tempo em que - através de flashbacks - revivemos episódios marcantes para entendermos quem ele é, também acompanhamos a urgente viagem do sítio de seu sogro até a cidade para encontrar Olívia, a qual está prestes a morrer. Devo adiantar que sua pessoa não é das mais “queridas” que poderíamos conhecer, ele é, no fim das contas, alguém demasiadamente humano. Com um complexo de inferioridade de proporções enormes, Genoca (como os mais íntimos o chamavam) é uma pessoa covarde e mesquinha, que almeja se desvincular de sua origem humilde e pobre alcançado a riqueza e a fama. Ainda assim, não consigo desprezá-lo totalmente, a forma pela qual Veríssimo o construiu mostra nele um lado bom, o qual tem ciência de suas ações e deseja mudá-las, mas que não encontra forças para tanto.
A segunda parte é uma alteração brusca em todos os sentidos possíveis. De caráter mais filosófico e social, ela foca em mostrar os ensinamentos que Olivia tanto desejava passar para seu amigo e a caminhada de nosso protagonista. Se não apresentei essa singular personagem, deixe-me o fazer: pouco sabemos sobre sua origem, contudo conhecemo-nas durante a formatura de Eugênio, sendo ela a única mulher a se formar (lembremos do período retratado aqui, o período da primeira geração de mulheres a ocuparem cargos antes masculinos). Olívia é, como o próprio autor escreve no prefácio, uma personagem de ares inumanos, que muito me lembrou Atticus Finch e mesmo Alvo Dumbledore, ou seja, aquele tipo de pessoa por quem nos apaixonamos logo de cara, a qual poderíamos ouvir falar por horas a fio a fim de absorver o máximo possível. Alguém calmo, simpático, carinhoso e que demonstra uma bondade sem igual. Mas, voltemos a falar de nosso protagonista: no decorrer da segunda parte vivenciamos sua rotina, atendendo a todo tipo de pessoa, refletindo e tentando cumprir o que sua amiga tentou lhe ensinar. Ainda que a primeira metade tenha sido consumida muito mais rapidamente do que esta, devo confessar que foi ela a mais prazerosa. Ainda que a outra tenha sido muito tocante, como o momento em que Eugênio encara seu pai após ignorá-lo na rua, foi esta segunda parte aquela que conquistou meus sentimentos e me fez ficar fascinado com cada frase. Por favor, com isso eu não quero dizer que o livro em si é a obra mais perfeita do mundo, não. Concordo no que concerne à inumanidade de Olívia, ao tom um tanto salvacionista de sua filosofia e até mesmo achei que o livro cumpriu com sua finalidade algumas páginas antes de terminar propriamente dito. Apesar das “imperfeições”, creio em sua importância num mundo cada vez mais ligado à efemeridade das relações e ao superficialismo da felicidade, e é por isso que eu o recomendo.
“Estive pensando muito na fúria cega com que os homens se atiram à dinheiro. É essa a causa principal dos dramas, das injustiças, da incompreensão da nossa época. Eles esquecem o que têm de mais humano e sacrificam o que a vida lhes oferece de melhor: as relações de criatura para criatura. De que serve construir arranha-céus se não há mais almas humanas para morar neles?”
O que Olívia tenta ensinar a Eugênio - e, por consequência, para nós leitores - não é novo e nem inovador. Figuras tão inumanas quanto ela já pregaram uma “filosofia salvacionista barata”, mas que, ainda assim, são de uma sabedoria tremenda. A lição é simples: a felicidade não se constrói baseada em bens materiais, no luxo de um apartamento, em festas regadas à opulência ou coisas do genêro, não. Ser feliz é tão simples quanto ler um livro prazeroso, ter a oportunidade de dar boas risadas com seus amigos ou abraçar quem você ama. Ter alegria é também se prestar a ajudar o outro, mas sem desejos de fama ou palmas, é ajudar para que não só você possa aproveitar o bem-estar. A felicidade é um processo simples e o qual, nem de longe, se baseia em ter muitos seguidores e curtidas ou em ter o mais novo iPhone. Ao ler Olhai os Lírios do Campo, você tem a chance de compreender essa “filosofia salvacionista barata” e refletir sobre o que tem sido mais importante em sua vida.
“E quando o amor ao dinheiro, ao sucesso nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu.”