Roger Franchini 02/01/2012
Matou a família para ficar com o namorado
No jornalismo literário, é comum autores fazerem uso da técnica narrativa ficcional para escrever sobre algum fato. É a realidade romanceada. Essas histórias, narradas com riqueza de detalhes, exigem precisão na apuração. O autor entrevista exaustivamente inúmeras pessoas, compara as informações, checa os dados várias vezes e tenta
Advogado e ex-investigador da Polícia Civil, o autor baseou-se no processo Advogado e ex-investigador da Polícia Civil, Roger Franchini preferiu atuar no limite entre ficção e realidade para tratar de um tema delicado: o assassinato do casal Marísia e Manfred, pais de Suzane von Richthofen. O crime emblemático ocorreu em 31 de outubro de 2002 e foi planejado pela jovem e o namorado, Daniel Cravinhos (com ajuda de Cristian, irmão deste).
Com base em uma pesquisa minuciosa nos autos do processo, Franchini escreveu o livro "Richthofen - O Assassinato dos Pais de Suzane", que faz parte da Coleção "Grandes Crimes". Aqui, ele foca os nove dias que separam a execução do crime e a prisão de Suzane e dos irmãos Cravinhos.
A epígrafe da obra, atribuída ao artista espanhol Pablo Picasso, dá pistas do que se encontrará nas páginas seguintes: "A Arte não é a verdade. A Arte é uma mentira que nos ensina a compreender a verdade". Logo em seguida, o próprio autor adverte o leitor de que o livro é uma obra de ficção baseada na realidade.
Franchini, que em janeiro deste ano lançou "Toupeira", romance sobre o assalto ao Banco Central de Fortaleza, segue caminho semelhante ao do jornalista e escritor José Louzeiro, autor de obras como o romance "Aracelli, Meu Amor", no qual transforma em ficção o assassinato da menina Araceli Cabrera Sanches Crespo, ocorrido em 1973, no Espírito Santo, e "Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia", sobre célebre assaltante da década de 70.
A única fonte na qual Roger Franchini baseou seu romance foram os autos. A partir deles, fez um exercício de imaginação para preencher algumas lacunas, criar diálogos e cenas, dando vida à linguagem burocrática dos processos. Ao leitor que não conhece o caso Richthofen a fundo, fica a dúvida: o que é verdade e ficção nas páginas que se seguem? A única chance de se conseguir uma resposta é aprofundando-se no caso, já que Franchini deixa em aberto.
A proposta do autor não é fazer jornalismo, não é narrar com objetividade e precisão tudo o que ocorreu naquele crime hediondo. A obra é, no fim, uma interpretação da história - que justifica aquela citação de Pablo Picasso, na epígrafe.
Leia abaixo trecho do livro:
"As viaturas da Polícia Militar estavam de prontidão em frente à casa dos Richthofen. A rua longa era o endereço de poucas e imensas casas, guardadas por muros altos.
No passeio público, pouco se podia saber sobre as pessoas que ocupavam aquelas residências.
Embora a estranha presença dos carros com luzes piscantes sobre o capô e o som da frequência do rádio da polícia rasgassem a tranquilidade da noite, nenhum vizinho se atreveu a ceder à curiosidade e abandonar a privacidade de seu lar para tentar descobrir o que acontecia ao lado.
O que ocorria fora do portão não interessava á intimidade de suas vidas. Para seus moradores, o limite do sigilo entre esses dois mundos era a linha traçada na planta do imóvel. Ou, quando saíam para a rua em seus carros, o começo e o fim eram até onde a lataria do veículo alcançava.
Só quando estavam a pé, cercados por todos os outros, o véu da reserva se fazia diáfano. Experiências coletivas não permitiam traças limites para as diferenças.
À sombra noturna de imensas árvores, policiais fumavam ou esfregavam as mãos para espantar o frio, ignorando a chegada do delegado. Do pequeno rumor de homens fardados, Rodrigou ouviu à distância cochichos e risadas; algo entre os comentários de uma revolta armada dos militares por causa da recente eleição do presidente Lula e a quantidade de sangue em que os cadáveres estavam ensopados sobre a cama.
Eduardo notou um Palio estacionado do outro lado da rua e, dentro dele, três pessoas. Parou para tentar entender o que estariam fazendo ali, já que a tropa tratava aquela presença com naturalidade.
- São os filhos do casal morto - disse o PM que os acompanhava ao perceber os olhares. O delegado Rubens, apressado, ordenou ao investigador Rodrigo que fosse até o veículo para coletar os dados pessoais de seus ocupantes, enquanto ele e Eduardo iam até os corpos.
- Vamos acabar logo com isso e fazer esse BO com cuidado. Deus e o mundo vão querer tê-los em mãos - A pressa do delegado fazia sentido; logo o DHPP chegaria com a imprensa, e eles não teriam tempo de conversar com nenhuma testemunha."
Por Tiago Zanoli
Jornal "A Gazeta" (25/12/2011 - Vitória/ES)
Em: http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2011/12/noticias/a_gazeta/caderno_2_ag/1069831-matou-a-familia-para-ficar-com-o-namorado.html