Márcia 23/03/2021
Nova Antologia do Conto Russo - Bruno Barretto Gomide
Nikolai Karamzin não é um dos mais famosos autores russos no Ocidente, mas tem o devido conhecimento pela sua produção em sua terra natal. Escritor, poeta, crítico e historiador, ele tem como destaque de sua bibliografia a imensa História do Estado Russo, que começou a escrever em 1816 (publicando os primeiros volumes em 1818), trajetória histórica interrompida em 1826, no 12º Volume, por ocasião de sua morte. De sua obra ficcional, uma das primeiras a ser escrita foi o conto Pobre Liza, de 1792, que anos mais tarde influenciaria Púshkin a escrever A Senhorita Camponesa e ecoaria até em Gente Pobre, de Dostoiévski.
Pobre Liza (1792)- Dotado de um forte sentimentalismo e colocando em cena um personagem que não é definido dentro de um parâmetro comportamentalmente binário (ele não é nem mocinho, nem vilão, é “apenas um homem supérfluo“), o conto possui uma curiosa forma narrativa, iniciando com uma exposição descritiva de um habitante de Moscou que conhece muito bem a capital e seus arredores, seguindo para uma história trágica, cuja lembrança vem a ele após nos falar sobre o Mosteiro de Símonov e sua ligação com a jovem Liza que dá título à obra.
Liza mora com sua velha mãe em um povoado, após a morte de seu pai. Elas são muito pobres.
Liza vai a Moscou para vender alguns artesanatos e lá conhece Erast, ele não é extremamente rico mas, vive em melhores condições que Liza. Ele se encanta por Liza e resolve comprar todo o artesanato dela.
Eles tem um relacionamento platônico mas, Liza ao se deparar com um casamento arranjado, se entrega a Erast.
Erast avisa a Liza que ele tem que se separar dela para ir a guerra, Liza promete que vai esperá-lo.
Em uma ocasião que Liza esta em Moscou vendendo seus artesanatos, Liza vê Erast e segue. Ele diz que esta casado mas não é feliz e tem muitas recordações de Liza.
Liza não vê sentido em sua vida, caminha até uma fonte e se afoga, deixando sua mãe sozinha e que veio a falecer em seguida.
Baseado em paixões inflamadas, conveniências e passagem de um amor platônico para um outro tipo de amor e relacionamento, Pobre Liza fala de uma tragédia por amar em demasia e entregar-se inadvertidamente aos sentimentos.
Alexandre Pushkin - É o maior poeta russo na época romântica,considerado por muitos como real fundador da moderna novela russa. Púchkin foi pioneiro no uso do discurso vernacular em seus poemas e peças teatrais, criando um estilo de narrativa que misturava drama, romance e sátira associada com a literatura russa, influenciando fortemente desde então os escritores russos seguintes.
Viagem a Arzrum (1836) - Não se trata bem de um conto de Púchkin, mas de um relato de uma de suas viagens, em meio à guerra entre russos e turcos. A justificativa para a escolha desse relato como conto, todavia, é que Púchkin alterou tanto o relato, demorou-se tanto para concluí-lo, adicionando detalhes literários, enriquecendo as descrições, que pode ser considerado uma “quase obra de ficção”.
A obra narra as viagens do poeta ao Cáucaso , Armênia e Arzrum (moderno Erzurum ) no leste da Turquia na época da Guerra Russo-Turca (1828-1829) . As autoridades czaristas nunca permitiram que Pushkin viajasse para o exterior e ele só teve permissão para viajar até Tiflis ( Tbilisi ), capital da Geórgia e da Transcaucásia russa . Sua viagem não autorizada pela fronteira com a Turquia enfureceu o czar Nicolau I, que "ameaçou confinar Pushkin em sua propriedade mais uma vez".
Nikolai Vassílievitch Gógol (1809-1852) é autor de alguns dos contos mais famosos
da literatura russa, dentre os quais “O nariz”, “Diário de um louco” e “O capote”, que foi
transformado em um dos pontos de partida da dinâmica literária russa por autores como
Bielínski e Dostoiévski (neste caso, porém, a famosa frase atribuída a ele sobre a
descendência de “O capote” é de autoria do crítico francês Melchior de Vogüé). Gógol é uma
referência fundamental para correntes muito variadas da literatura russa, embora
inclassificável e sempre fugidio. Esta antologia apresenta uma boa oportunidade para lermos
um conto excelente e menos antologizado. “A carruagem”, publicado em 1836 na revista O
Contemporâneo, é uma espécie de tesouro particular dos apreciadores do escritor russo.
Lendo esse conto, Tchekhov declarou, em uma carta a Suvórin, que Gógol era o “maior artista russo”
A Carruagem - A Carruagem” é um conto do escritor russo Nikolai Gogol, escrito em 1836. A história é centrada na vida de um ex-oficial da cavalaria e proprietário de terras perto de uma pequena cidade russa. Durante um jantar, ele comenta com outros oficiais sobre sua mais nova aquisição: uma notável carruagem de Viena e convida os oficiais mais graduados a almoçarem em sua residência no dia seguinte e conhecer a carruagem.
Ele bebe muito , chega em casa muito tarde e esquece de avisar que os oficiais vão almoçar em sua casa.
Os oficiais chegam e sua única alternativa e se esconder e pedir ao empregado para avisar que não tem ninguém em casa porém, os oficiais descobrem sua mentira.
A Silfide - Vladimir Odóievski - O príncipe Vladímir Fiódorovitch Odóievski (1803-1869) participou de diversos grupos literários importantes da primeira metade do século XIX na Rússia, como a Sociedade Livre dos Amantes das Letras Russas, a sociedade dos Amantes da Sabedoria (os Liubomúdri), o periódico Mnemozina, o círculo de leituras capitaneado por Semiôn Ráitch.
Posteriormente, tangenciou o movimento eslavófilo. Odóievski foi um dos principais difusores
da filosofia idealista e da literatura alemã na Rússia (Novalis, Hoffmann, entre outros), tendo
inclusive contatos pessoais com Schelling. Relativamente pouco conhecido fora da Rússia, ele foi contudo autor de obras importantes, como a ficção científica O ano 4338 (1840-1926) e Noites russas (1844), híbrido de conversação filosófica, ensaio e ficção. O conto “A sílfide”,
publicado em 1837, é um ótimo exemplar das fortes vertentes fantásticas existentes na Rússia dos anos 1830-40, e, nesse sentido, pode estabelecer um diálogo frutífero com cultores do gênero mais conhecidos, como Gógol.
O texto é em formato epistolar, narrado através de correspondência entre Mikhail Platónovitch e seu amigo.
Conto de conteúdo fantástico, narra a história de um jovem com tendência á hipocondria, que se retira para uma pequena vila, onde assume a propriedade do seu falecido tio. Pensando em melhorar de sua doença, isola-se da civilização e faz um interessante louvor à ignorância, apresentando os seguintes pontos positivos de sua nova morada:
“Eu quase não vejo ninguém e não tenho um livro sequer!”
A história é inicialmente contada por meio de cartas deste jovem a um amigo seu na capital. Acompanhamos como ele se afeiçoa por uma jovem e bela moça, filha do dono da propriedade vizinha, com quem seu tio tinha uma contenda judicial. O casamento entre o jovem e a moça seria uma forma conveniente e agradável de resolver essa contenda, já que a ação judicial morreria e ambos nutrem sentimentos mútuos. Tudo vai bem até que o jovem sente saudade dos livros. Procura em toda a casa e acaba descobrindo uma coleção secreta do seu tio: livros místicos sobre alquimia, cabala, comunicação com seres elementais etc. O jovem, cuja maior fraqueza, ele mesmo confessa, é a curiosidade, mergulha nesses livros. Acaba fazendo uma experiência descrita em um dos volumes, que assegura ser um meio de comunicação com seres elementais. Após algum tempo, o jovem começa a observar reações extraordinárias, e acaba crendo ter evocado uma sílfide, com quem passa a conversar. Abandona tudo, inclusive a noiva, às vésperas do casamento, para se dedicar à sílfide, pequena criatura que habita um pequeno vaso d’água e que só ele consegue ver.
O conto prossegue sem deixar muito claro que se tratava de uma alucinação.
Mikhail Iúrevitch Liérmontov (1814-1841) foi considerado o sucessor do poeta
Aleksandr Púchkin, morto em 1837 em um duelo que muitos julgaram “arranjado” pelo
tsarismo, e para quem compôs uma elegia indignada que o tornou famoso. Oficial e
aristocrata, ele também morreu jovem, em um duelo igualmente duvidoso, no Cáucaso. Tanto
em poesia, quanto em prosa — e este “Taman”, um dos episódios de seu romance O herói do
nosso tempo, reconhecido por Tchekhov como um modelo de conto, o prova — não apenas
Liérmontov foi um mestre da língua, mas, contrariamente à corrente romântica de sua época
(segundo o testemunho de Boris Eikhenbaum, autor de um longo e importante ensaio sobre
ele), ironicamente antibyroniano, anti-hegeliano e antitsarista. Antes da publicação de O herói
do nosso tempo, em 1840, “Taman” já havia saído no número 2 da revista Notas da Pátria do mesmo ano.
Taman (1840) – Mikhail Liérmontov
Este é um conto interessantíssimo, repleto de figuras simbólicas, de segredos e de tensão crescente. Um oficial chega com seu auxiliar a Taman, “a cidadezinha mais horrível de todas as que beiram as costas dos mares da Rússia”. Ele se dirige ao front, e terá que esperar um navio. Procura alojamento na cidade e encontra apenas uma casa com fama ruim, como se algo de muito mau tivesse lá acontecido. Um menino cego o atende e esclarece que não há ninguém na casa naquele momento, que a dona saiu, mas que ele pode entrar. O oficial observa o menino cego de nascença e revela sem pudor seu preconceito contra todos os deficientes físicos, a quem faltaria um pedaço da alma. Naquela noite ele demora a pegar no sono. É surpreendido na madrugada com o barulho de passos indo em direção ao mar, sempre revolto. Resolve investigar e, à luz da lua, vê ao longe o menino cego andando em direção ao mar, pulando entre pedras perigosíssimas, naquele horário, até para quem tivesse as duas vistas. Ele continua a observá-lo e vê uma moça se aproximar e entabular uma estranha conversa com o “ceguinho”. Falam de alguém que demora a aparecer. Em pouco tempo, surge entre as ondas um pequeno barco, movendo-se ao sabor das ondas, driblando as poderosas rochas. Há uma troca de mercadorias e cada um volta para seu canto, inclusive o soldado, que não consegue mais pregar os olhos. No dia seguinte, tem contato com a moça da noite anterior. É a filha da dona da casa onde ele se hospeda. Não parecia ter mais que dezoito anos, mas algo nela, além da beleza, enfeitiça-o.
O relacionamento que se desenvolve rapidamente entre os dois é tudo, menos previsível.
Ao final, a menina vai embora e deixa o menino cego a própria sorte.
O oficial percebe que foi roubado e quem estava roubando-o era a filha da dona da casa e o menino cego.
Este conto pertence à fase inicial da obra de Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski
(1821-1881), e foi publicado no Almanaque Ilustrado de Ivan Panáiev e Nikolai Nekrássov.
Segundo Leonid Grossman, foi “autorizado pela censura em 26 de fevereiro de 1848. A
coletânea foi retida após a impressão e não pôde ser distribuída” (Dostoiévski artista, p.
188). Possui afinidades temáticas e estilísticas com obras como A senhoria, “O ladrão
honrado”, “Um coração fraco” e, especialmente, com O senhor Prokhartchin (brilhantemente
analisado por Boris Schnaiderman em seu Dostoiévski: prosa poesia) em sua violenta
fragmentação de linguagem e pensamento. A crítica habitualmente localiza em “Polzunkov” o
primeiro da série de “bufões-filósofos” dostoievskianos, e vê nele uma marca da leitura de O
sobrinho de Rameau, de Diderot. O conto foi traduzido por Olívia Krähenbühl para a coleção
de obras de Dostoiévski da editora José Olympio, e ganha aqui sua primeira tradução direta do original.
Polzunkov - Olhando para o conto como um todo, temos a seguinte situação: um narrador anônimo presencia os eventos e “dialoga” com o leitor em um nível. No outro, o chamado “bufão filosófico” Polzunkov conta a história de Óssip Mikháilitch, ou seja, a sua própria história, a história de como ele não se casou, criando aí um subnível narrativo. As passagens não são complexas, mas a forma como o autor escolheu contá-las é intricada de uma forma que faz o leitor se perder um tantinho em um momento ou outro. Nada grave, mas sensivelmente desconfortável, especialmente para os que não possuem grande experiência com a obra dostoievskiana.
Acima de tudo, Polzunkov é uma história de um homem pobre cheio de ambições mas com um nível mínimo de malícia — o que o leva à perdição — e muito amor-próprio. Perceba que a união dessas características torna o indivíduo interessante e sua participação na história, vista em dois momentos diferentes, comprova isso de forma prática e direta. O leitor descobre que Polzunkov é alguém “com um nível de nobreza na aparência“, mas no momento em que este evento se passa, ele é apenas um homem que conta casos e piadas depreciativas sobre si mesmo, ressentindo-se das pessoas que riem dele. O personagem vive para agradar, mas não é exatamente feliz com isso. Ou será esse modelo de vida uma forma de conseguir o que ele realmente quer (dinheiro e atenção)?
O que Dostoiévski esconde (e ao mesmo tempo revela) nessa personalidade e em suas duas fases de vida é a vontade de Óssip Mikháilitch/Polzunkov ser alguém. O caso da propina, o possível casamento com a filha do chefe, a herança quase recebida, o diálogo sobre posses materiais ou poder que ele tem com a avó tapada, tudo isso é colocado no conto como uma meta de vida. Independente dos meios (não agressivos ou violentos, mas que certamente desafiam padrões morais e éticos) o personagem está disposto a alcançar um lugar de destaque na sociedade.
Ivan Turguêniev - Turguêniev foi o primeiro escritor russo a ser reconhecido internacionalmente. A escrita de Turguêniev tem a questão moral determinante nos acontecimentos da narrativa, na vida dos personagens.
Relíquia Viva - O conto foi escrito em 1852 e faz parte de uma coletânea de contos de caçadores.
O conto começa com um provérbio muito usado na época: Pescador seco e caçador molhado são um triste espetáculo.
O narrador viaja com um amigo para caçar mas, o dia era de chuva forte o que os impediu de uma boa caçada. Ermoli , amigo do narrador, sugere que eles se abriguem em uma propriedade próxima, da mãe do narrador.
No dia seguinte, enquanto o narrador espera que os cavalos sejam preparados para a caça, ele decide andar pela propriedade. Ele encontra um casebre nos fundos da propriedade e, escuta um barulhinho no local e decide ver o que e.
Ele encontra um mulher muito frágil e debilitada deitada no casebre então, ele reconhece algo de familiar na mulher. A mulher era uma serva da família, Lukeria, muito bonita com tranças compridas. O narrador lembra dela dançando e se divertindo com os servos nas festas na propriedade.
Ele se senta e começa a conversar com a Lukeria, ela conta o que aconteceu com ela.
Ela, um dia, ao chegar de um encontro com seu noivo, ele cai de uma altura consideravel. Aparentemente, não foi grave mas, passados alguns dias , ela começa a definhar até chegar ao estado que se encontra.
A Lukeria e vista com uma relíquia viva, como alguém de certo modo, na situação que se encontra, está espiando pelos pecados cometidos na juventude.
E um conto triste, onde mostra a ideia da força moral guiando a personagem.
Vsiévolod Gárchin - “Quatro dias” é uma das experiências literárias mais marcantes da Rússia do século XIX. Vsiévolod Mikháilovitch Gárchin (1855-1888) viveu apenas 33 atribulados anos, nos quais participou da guerra russo-turca de 1877 — ano de publicação deste conto, a estreia do autor — e teve diversas crises nervosas, que culminaram com seu suicídio, atirando-se do alto de uma escada. Gárchin é considerado por muitos críticos como o grande nome “pouco- conhecido” da prosa russa, grandeza detectável especialmente em seus contos.
Quatro dias (1877)
Um soldado ferido em batalha, ao que parece, com suas duas pernas quebradas, aguarda a morte. Ao seu lado, o corpo de um soldado morto. Um inimigo que ele mesmo matou. Enquanto acompanha a decomposição do morto ao seu lado, o soldado tem tempo para pensar na dor, no sofrimento, num cachorrinho, na sua mãe, no amor que deixou para trás.
Nikolai Leskov - Nikolai Semiónovitch Leskov (1831-1895) é conhecido no Brasil sobretudo pelo famoso ensaio de Walter Benjamin sobre o narrador, no qual ocupa posição central. Dele, já se publicou em nosso país a novela Lady Macbeth do distrito de Mtzensk. Nascido em Gorókhovo, perto de Oriol, Leskov conviveu com diversos extratos da vida provincial russa e apresentou, com recursos linguísticos extremamente ricos e variados, camadas sociais que habitualmente não figuravam na prosa russa.
Viagem com um niilista -O conto se passa numa época em que todos temem ataques terroristas (este conto se passa em 1882, mas não é muito diferente da atualidade). Um grupo de amigos estavam conversando em um trem quando de repente entra no vagão um homem estranho. Ele se senta onde há uma mochila que para o resto dos viajantes é considerada suspeita, a partir disso começam as especulações sobre quem seria aquele ilustre viajante e quais seriam seus propósitos com aquela mochila misteriosa. Todos pensam se tratar obviamente de um niilista e que na bolsa há uma suposta bomba, então, um dos viajantes chama um policial para fazer averiguações com o rapaz que afirma veemente que desconhece a procedência da mochila. No final de tudo, o rapaz não era nada do que pensaram e a mochila não lhe pertencia.
Mikhail Ievgráfovitch Saltikov-Schedrin (1826-1889), grande satirista russo da
segunda metade do século XIX.
Contos do major Gorbiliov - A introdução ficcional é feita por um alferes da cavalaria, que recolheu as histórias contadas à noite pelo ‘inesquecível major Gorbiliov’, sempre envolvido com forças impuras . Nessa história, ele joga cartas com o próprio diabo.
Vladímir Korolienko - Este conto de Vladímir Galaktiónovitch Korolienko (1853-1921) é um pequeno favorito das primeiras antologias de literatura russa publicadas mundo afora. Boa parte dessa fama se deve à conturbada biografia do autor, envolvido com agitação política, prisões e exílios na Sibéria, de cujo povo e natureza extraiu material para muitos de seus contos. “O sonho de Makar”, de 1885, pertence a esse conjunto de histórias siberianas publicadas ao longo das décadas de 1880 e 1910.
O sonho de Makar (Conto de Natal) - O sonho de Makar conta a história de Makar, que, segundo o autor, é um daqueles homens para quem tudo dá errado. Ele vive – ou tenta sobreviver – na região siberiana, convivendo com gente grosseira e lutando a cada dia por um pedaço de pão e um litro de vodca diluída. Ele, como é comum à gente daquele lugar, está sempre pensando em vodca, mas seus recursos são limitadíssimos. Certa noite tem uma ideia para conseguir a bebida e sai de casa.
Ele consegue a garrafa, mas, é óbvio, bebe sozinho. Volta para casa e recebe uns safanões de sua esposa. Resolve verificar, ainda durante a noite, umas armadilhas que preparara para pegar raposa. Tem uma briga com um vizinho desafeto e perde-se na floresta, sem gorro nem luvas, bêbado, cansado e tremendo de frio. Desfalece e tem a plena certeza de que morreu. Aí acontece a reviravolta no conto. Ele encontra o antigo pope da aldeia (uma espécie de padre, pelo visto) e este leva-o para seu julgamento. Makar teme, porque sabe que sempre foi meio trapaceiro, para tentar compensar as injustiças da vida.
Aleksandr Kuprin - Aleksandr Ivánovitch Kuprin (1870-1938) também figurou com destaque nas
primeiras antologias de contos russos publicadas no ocidente, especialmente pelo caráter
filantrópico e humanitário bem ou mal atribuído a suas obras. Sua reputação dentro da Rússia
era igualmente alta, e ele disputava a palma da popularidade com nomes hoje mais
conhecidos, como Górki e Andrêiev. Juntamente com estes dois escritores, somados a Búnin,
Kuprin fez parte do grupo Znânie (Conhecimento), uma associação literária e editorial de São
Petersburgo de começos do século XX. Kuprin também foi famoso pela vida agitada.
Alternou, entre outras, as atividades de estivador, repórter, sacristão, pescador, artista de
teatro, operário e militar.
O inquérito (1894) – Aleksandr Kuprin -
Outro conto muito belo e tocante. Narra a história de um julgamento militar. Um soldado é acusado de roubar as botas de outro soldado, além de alguns trocados. Sua punição, se condenado, será cem açoites. O subtenente Kozlovski, encarregado de conduzir o inquérito, é novato o exército não foi capaz de roubar toda a sua sensibilidade. Ele consegue a confissão do rapaz, mas choca-o o fato de o jovem não parecer ter consciência do que fez nem do que o aguarda.
O conto basicamente acompanha a angústia do subtenente com o desenrolar dos fatos.
Anton Tchekhov - Como autor de contos, Anton Pávlovitch Tchekhov (1860-1904) dispensa
apresentações. É o autor russo que se tornou quase sinônimo do gênero e um dos seus grandes inovadores. Este brilhante e cruel “Ariadne”, publicado no número de dezembro de 1895 do periódico Rússkaia Misl (Pensamento Russo), e aqui traduzido pela primeira vez no Brasil, permite paralelos instigantes com outros contos “femininos” mais conhecidos, como
“Ventoinha”, “Queridinha”, ou “A dama do cachorrinho”, traduzidos por Boris Schnaiderman.
Ariadne - Uma narrativa se constrói dentro de um Navio que vai da cidade ucraniana deOdessa para Sebastópol (também Ucrânia). Ali um homem (o narrador) é abordado porIvan Ilitch Chamókhin que começa com uma conversa sobre diferenças entre os povos alemães, ingleses e russos. A seguir ele comenta que os russos “falam apenas de assuntos elevados e de mulheres ”. Logo a seguir ele confessa que tudo aquilo não passava de uma introdução para uma outra história que, segundo Ilitch, se trata do seu “Último romance”
A ação acontece no interior, no distrito de Moscou, onde Ivan iniciou e onde conheceu Ariadne, irmã de seu vizinho e filha de um nobre falido. Trocando em crianças, Ariadne era espetacular, o que gerava em Ilitch uma admiração incrível. Porém,Chamókhin não se declarava explicitamente, mas percebia que Ariadne sabia de seus amores. Infelizmente, ele também percebia que não era correspondido. A menina tinha sonhos altos e não ficar no interior, mas explorar o mundo queria, casar bem e sair dali. Até alguns pretendentes ricos como o príncipe Maktúiev quiseram a jovem, que refutou, talvez esperando algo ainda melhor. Ela se tornara fria e buscava seus objetivos. O tempo foi passando e ela até que começou a demonstrar um interesse, ainda que falso, em Ivan, mas este, ao perceber uma falsidade, não correspondeu às investidas de Ariadne. Eis que um dia Lubkov, amigo do irmão de Ariadne apareceu para uma visita e, devagar, foi conquistando um influenciando Ariadne a sair dali. Esse rapaz era hum homem que vivia de empréstimos de outros e tentava agradar em tudo, diferentemente de Ilitch, que permanecia quieto e austero. Por fim, Ariadne parte com Lubkov para o exterior e, no início, tenta manter a aparência de que está tudo bem. Por fim manda uma carta para Chamókhin induzindo-o a ir atrás dela. Ele foi, naturalmente. Encontram-se em Abbazia, Veneza. Lá Ivan cogita uma possibilidade de que Ariadne não tenha fugido com Lubkov por ter um relacionamento com ele, já que dormem em separados no hotel, o que logo a seguir é refutado pelo próprio Lubkov que diz não aplicar mais ter que manter como aparências e fingir não ter um caso com a mulher. Ivan se desespera novamente e volta. Ilitch não consegue tirar Ariadne do pensamento e, depois de um inverno, na primavera, ele recebe uma carta de Ariadne implorando para que ele vá e a pomada. Novamente, ele vai. Lá, encontra Ariadne sem Lubkov que voltara à Rússia, e se torna seu amante .Lubkov não para de se corresponder com Ariadne e tenta convencê-la a ir até onde ele está. Ivan, por sua vez, tenta influenciá-la para que voltem para o interior, mas nem ume nem o outro atingir os seus objetivos, pois ela já havia se acostumado com a vida agitada, que a forçava a manter um status de rica e artista. Ilitch se torna um boneco em suas mãos e aos poucos vai ficando mais e mais infeliz (e ela também).Assim, decida voltar para a Rússia. Aqui a história para de ser contada por Ilitch e volta-se ao cenário do navio, onde o narrador vê Ariadne e a relação dos dois. Sem final do conto, Chamókhin explica seu ponto de vista sobre as mulheres ao narrador e na última cena, a felicidade de Chamókhin é tremenda ao ver que Ariadne está se correspondendo com o seu irmão para um possível casamento com o príncipe Maktúiev.
Fiódor Kuzmitch Tetiérnikov (1863-1927), conhecido como Fiódor Sologub, foi um
expoente do simbolismo russo — que deve ser entendido não como uma corrente estética
delimitada, mas como um movimento cultural de imenso alcance na Rússia de começos do
século XX, através de suas releituras e reconstruções metafísicas e filosóficas da tradição
literária nacional. Sologub ao mesmo tempo margeou e influiu poderosamente nesse
movimento, sobretudo com uma das obras-chave do período, o romance O diabo mesquinho
(1907). Autor também de poemas, peças e outros romances, Sologub foi ainda um ótimo
contista, como revela este delicado e terrível “Luz e sombras”, de 1896. O tema da inocência
infantil e sua corrupção (cuja matriz russa mais poderosa é a obra de Dostoiévski) é central,
quase obsessivo, para o autor, e ocupou outros artistas russos da época, como Riémizov.
Luz e sombras - o conto descreve a história do menino Volódia e sua mãe após o menino encontrar um livro de sombras . Volódia fica obcecado por reproduzir as sombras do livro e como isso começa atrapalhar sua vida.
A mãe o repreende mas, com o tempo, ela também começa a reproduzir as sombras do livro e , também, tem sua vida modificada.
Leonid Andrêiev - Leonid Nikoláievitch Andrêiev (1871-1919) suscitou um autêntico furor na
sociedade russa com este “O abismo”, de 1902 (e outros contos da mesma época, como “Na
neblina”), em que recessos psicológicos dostoievskianos, hiperestesia decadentista e temas
sexuais finisseculares aparecem numa síntese bombástica. Sofia Andrêievna, esposa de
Tolstói, chegou a escrever uma carta de protesto ao jornal em que foram publicados. E o
próprio Lev Tolstói dizia de Andrêiev: “ele tenta me assustar, mas eu não me assusto”.
Andrêiev foi oscilante em relação aos movimentos revolucionários do começo do século XX;
deixou uma novela excelente e muito conhecida (Os sete enforcados, 1908, traduzida várias
vezes no Brasil), em que são exibidos simultaneamente o fracasso obrigatório das revoltas
políticas e a simpatia pela figura do revolucionário. Andrêiev morre na Finlândia, onde havia
se autoexilado, veemente adversário da revolução bolchevique.
O Abismo - Um casal em uma tarde estão caminhando e conversando sobre o amor , o infinito... Eles se perdem no caminho de volta e ao atravessar um bosque cruzam com um bando de mal intencionados que espancam o rapaz e violentam sexualmente a moça e acabam por matá-la.
Lev Tolstói -Tolstói
Este brilhante conto pertence à fase final da vida de Lev Nikoláievitch Tolstói
(1828-1910), quando ele atinge alguns dos momentos maiores de sua ficção (Padre Sérgio,
Hadji-Murat, entre outros). Escrito em 1903 e publicado postumamente em 1911, “Depois do
baile” reúne, em uma estrutura bipartida extremamente complexa, vários dos temas do
escritor: a crítica à vida em sociedade e ao poder das classes privilegiadas, a utilização de
paralelismos, a simbologia refinada em torno do amor, do sexo e da morte, a reutilização
sofisticada de narrativas folclóricas.
Depois do baile - É uma história de amor à primeira vista do jovem Ivan pela encantadora Várenka. Foi um encontro casual num baile e ambos dançaram juntos a mazurka praticamente a noite toda. Ele se encantou pela moça e a descrevia sempre como linda e deslumbrante; a jovem tinha uns dezoito anos na época e era o centro das atenções. O seu sentimento por ela era correspondido. Ele chegou a conhecer inclusive, o seu pai também naquela mesma noite.
Ao partir, foi testemunha de algo desagradável que aconteceu no caminho. Ele, DEPOIS DO BAILE, ouvia outro tipo de música que era do tipo áspera, desagradável e maldosa acompanhado ao som de flauta. Eram soldados castigando um tártaro por tentativa de fuga. O tártaro foi maltratado de inúmeras formas, espancado, surrado e arrastado por aqueles militares que apenas cumpriam ordens vindas de seu superior e numa procissão pelas ruas cobertas de neve tudo sob o comando do coronel, pai de Várenka.
van teve em uma única noite a melhor e a pior experiência de sua vida. Conheceu o Amor (bem) e a Dor (mal) no mesmo dia. As pessoas sabem de coisas que não sabemos. Foi exatamente isso que Ivan pensou do coronel.
E por causa dessa noite, Ivan nunca mais foi o mesmo; sua vida inteira foi transformada por esse dia. E ele próprio chegou à conclusão que não prestou para nada.
Arkadi Aviértchenko - Escritor prolífico, Arkadi Timofiêievitch Aviértchenko (1881-1924) viveu
relativamente pouco, mas publicou muitíssimo, entre contos, peças e textos jornalísticos. Em
seu momento áureo, quando editava os jornais Satirikon (1908-1914) e Novi Satirikon (1913-
1918), de cunho evidentemente humorístico, foi um dos autores mais populares da Rússia.
Mesmo na emigração (a que foi levado por suas sátiras aos bolcheviques), continuou a ser
publicado na União Soviética. Hoje é pouquíssimo lembrado, e aguarda uma necessária
reavaliação crítica internacional. Paradoxalmente, foi um autor russo presente em revistas e
jornais ilustrados no Brasil das primeiras décadas do século XX (entre fins dos anos 1920 e o
início da década seguinte, foi publicada pelo menos uma dezena de seus contos). Difícil é
escolher um entre suas centenas de contos, mas este “Um dia humano”, de 1910, publicado
pela primeira vez na coletânea intitulada Contos humorísticos, em São Petersburgo, é uma
boa amostra de seu modo de proceder, na soma de situações leves que geram um quadro mais complexo e sugestivo.
Um dia humano - Esse conto retrata um dia comum na vida de uma pessoa mas, com muito humor.
Esse homem descreve o café da manhã com a tia da esposa, depois o encontro com um conhecido na rua. Em seguida, um banquete funeral após, uma festa na casa dos amigos.
E por último, sua chegada em casa onde sua esposa o espera para discutir.
Maksim Górki - Longe dos rincões da Rússia profunda, ambiente a que habitualmente é associado,
este é um Górki (Alieksei Maksímovitch Pechkóv, 1868-1936) em cenário mediterrâneo.
“Vendetta”, de 1911, faz parte dos Contos da Itália, escritos quando o escritor estava exilado
em Capri. Nesse ciclo de narrativas, nota-se a mescla ambígua, mas característica do autor e
de certas correntes russas do período, de temas vitalistas do fim de século, de tendências
místicas (sobretudo a ideia de “construção de Deus” — bogostroítelstvo — compartilhada
com Aleksandr Bogdânov e Anatoli Lunatchárski) e de engajamento político radical: nesse
quesito, os proletários de A mãe eram figuras ainda recentes... Ademais, os contos italianos
são um capítulo interessante da longa e complexa relação dos artistas russos com a Itália, um dos “outros” mais significativos do imaginário russo. Vale a pena lembrar que Isaac Bábel
(ele mesmo autor de um “O sol da Itália”) havia sugerido que Górki fora o único, na tradição
literária russa, a tratar devidamente do sol.
Vendetta - O conto narra a historias o cultivo da honra é muito importante. Emília que tem sua honra posta a prova por sua sogra quando seu marido esta além mar. Emília acaba por matar sua sogra e é julgada e condenada.
Donato que recebe uma carta da mãe informando que sua mulher e seu pai estão tendo um romance. Donato retorna de sua viagem e ao constatar que é verdade, mata sua esposa e pai.
Após cumprir suas penas, Donato e Emília encontram-se solitários , se aproximam e acabam se apaixonando . A mãe de Emília quer manter a honra de sua filha intacta e acaba por atentar contra a vida Donato. Donato não morre mas, a mãe de Emíia será julgada e condenada.
Ievguêni Zamiátin - Autor de contos, novelas, romances, peças e crítica literária, Ievguêni Ivânovitch
Zamiátin (1884-1937) tornou-se famoso mundialmente pelo seu romance distópico Nós,
publicado inicialmente em inglês, em 1924. Seus ensaios e palestras sobre a literatura russa
são fundamentais para um entendimento da posição da arte na cultura pós-revolucionária. Em
sua defesa da ambiguidade, Zamiátin foi vital para grupos artísticos como o Irmãos Serapião.
Ele dizia que a arte deve ser feita por “loucos, hereges, visionários”, postura que lhe valeu
ataques contínuos de setores proletários e da ortodoxia partidária, e que conduziu por fim a
seu exílio. Como boa parte dos artistas do período, Zamiátin jogou em sua ficção com a
justaposição de tempos históricos distintos, analogias primitivistas e um tom geral
apocalíptico, tudo isso vazado em uma linguagem experimental repleta de metáforas e imagens
de choque. “A caverna” (1920), um de seus melhores contos, publicado na ressaca da
devastadora experiência da guerra civil, presta tributo ao topos da Petrogrado arruinada.
Escrito em 1920, foi publicado pela primeira vez na revista Zapiski Metchtátelei (Notas de
Sonhadores), número 5, em Moscou, em 1922. No mesmo ano foi republicado na revista
Gólos Rossii (A Voz da Rússia), de Berlim, e, dois anos depois, na Literatúrnaia Rossiia
(Rússia Literária), de Moscou.
A Caverna - tido como um de “seus melhores contos”: “Zamiátin jogou em sua ficção com a justaposição de tempos históricos distintos, analogias primitivistas e um tom geral apocalíptico, tudo isso vazado em uma linguagem experimental repleta de metáforas e imagens de choque”. Trecho inicial da tradução de Mário Ramos: “Geleiras, mamutes, desertos. Negros penhascos noturnos, semelhantes a prédios. Nos penhascos, cavernas. Ninguém sabe quem trombeteia, à noite, no desfiladeiro de pedra entre esses penhascos e, farejando o caminho, ergue uma branca poeira de neve: talvez, um mamute de tromba cinzenta, talvez, o vento. Ou talvez o próprio vento seja o rugido gelado de algum mamute mamutesco”.
Aleksandr Grin - Poucas cidades têm uma mitologia tão complexa quanto São Petersburgo-Petrogrado-
Leningrado. Este conto de 1924, “O caça-ratos”, é a contribuição de Aleksandr Stiepánovitch
Grin (abreviação de Grinevski, 1880-1932) à imagem da Petrogrado fantasmagórica, derruída
e zoológica que se sobrepôs, no período pós-revolucionário, à extensa tradição fantástica da
urbe. Nascido em um arrabalde da cidade de Viatka, Grin passou, “gorkianamente”, por
diversos empregos e bicos. Foi preso mais de uma vez por sua atividade política
revolucionária. Embora tenha desfrutado de popularidade considerável no começo dos anos
1920, Grin é aos poucos colocado no ostracismo pelos editores soviéticos, e morre na
miséria. Grin criou um mundo artístico composto por uma linguagem elaboradíssima e por
referências a terras e portos distantes e imaginários. Para muitos leitores russos, Grin está
associado, bem ou mal, a um universo aventuresco juvenil, mas esta definição parece estreita demais para dar conta do estranhamento estético gerado pela sua ficção.