Nova antologia do conto russo

Nova antologia do conto russo Fiódor Dostoiévski...




Resenhas - Nova Antologia do Conto Russo


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Janaskoobmania 09/10/2022

Seleta coleção de contos
Aqui estão reunidos ótimos contos russos.
Apesar de ser meu primeiro contato com a maioria dos autores dos contos, dessa antologia, foi uma experiência maravilhosa, leve e divertida. Senti vontade de ler mais coisas dos autores, da maioria dos contos. Reli alguns contos pela satisfação da leitura, principalmente aqueles mais cômicos.
Fiz uma classificação a cada final dos contos e, ao final da leitura, observei que a maioria dei nota 4 ou 5, poucos com 3, e somente 1 com 2 pontos (numa escala de 0 a 5).
Vi nessa ?Nova Antologia? uma coletânea de grandes autores, elevando cada vez mais minha admiração e o meu carinho pelos russos.
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Israel145 15/02/2013

O brilho intenso das estrelas menores
Simplesmente espetacular a nova antologia de contos russos organizados pela editora 34, já consolidada, por sinal, no mercado brasileiro. Bruno Barreto Gomide (organizador) e uma trupe de tradutores do quilate de Boris Schnaiderman, Noé Silva e Fátima Bianchi pra citar alguns, brindam o leitor com uma vasta seleção de 40 contos que vão desde os nomes conhecidos aqui no Brasil a autores totalmente inéditos e desconhecidos por aqui, ou que já foram traduzidos em antigas antologias há 50 ou 40 anos atrás em livros cada vez mais raros.
Mas o charme dessa edição, pelo menos pra mim, foi justamente a presença desses desconhecidos, que roubaram totalmente a cena. Os nomes tradicionais já conhecidos por aqui não representam nenhuma surpresa e deles já sabe o que se esperar. Os novos que é o fator surpresa. Os melhores contos do livro se consolidaram em torno de nomes desconhecidos como Sologub, Odoiévski, Gárchin, Schedrin, Kuprin, Andrêiev, Katáiev e Paustóvski. Apesar de alguns já terem uma bibliografia por aqui, apesar de tímida, como Sologub com "o Diabo Mesquinho" e Kúprin com "o Bracelete de granadas", os nomes novos trazem uma espécie de afirmação para o estilo russo com seus contos sobre guerra, loucura, pobreza, morte e vagabundagem. Sem contar a sombra austera do regime comunista.
Alguns contistas clássicos merecem um destaque também, como Tchekhov, Tolstói, Babél, Turgueniev, Liermontov, Nabokov e Púshkin.
Sobre a edição em si não precisa dizer muito, basta dizer que vem com o padrão de qualidade Coleção Leste com suas infindáveis notas de rodapé e cada vez mais detalhes sobre as vastas referências e sobre os detalhes da tradução cuja editora tem um cuidado especial.
As obras desses autores aqui selecionados devem ser lidas e relidas sempre que possível e servem definitivamente para formar mais gerações amantes da boa e velha literatura russa. No mais, não resisti a um top 10 dos melhores contos:
1 – Luz e sombras (Sologub);
2 – Neve (Paustóvski);
3 – O inquérito (Kúprin);
4 – Viagem a Azrum (Púchkin);
5 – Guy de Maupassant (Babél);
6 – O vadio Eduard (Kataiév);
7 – Taman (Liermontov);
8 – Quatro Dias (Garchin);
9 – Primavera em Fialta (Nabokov);
10 – A Sílfide (Odoiévski).
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Marcos Nandi 31/03/2021

Resenha de conto a conto.
Eu amo a literatura russa e com essa coletânea tive a oportunidade de revisitar autores conhecidos e conhecer autores novos.

São vinte contos dos mais variados estilos. E fiz uma pequena resenha sem spoiler de cada conto e dei uma nota de 0 a cinco. No final, fiz uma média das notas para avaliar aqui no Skoob.

Pobre Liza de Nikolai Karamazin (1792): Narrado em primeira pessoa, por alguém que tinha ouvido a história de Liza. O conto que abre essa coletânea, é um típico conto bem romântico e dramático, característico da época em que foi escrito. Nele conhecemos Liza que com a morte de sua pai começa a passar necessidades, até que em certo momento de sua vida encontra Erast, um homem rico. Há portanto uma diferença de classe entre esse casal, visto que, ela é uma camponesa pobre e ele um homem rico e irresponsável com suas finanças. Um amor impossível e com fim trágico. É um bom conto. Nota 3/5

Viagem a Arzrum de Aleksandre Púlchkin(1830): Apesar do autor nunca ter viajado pela Europa, ele vai narrar um conto enorme sobre uma viagem de um poeta que pretender narrar a campanha de 1829, partindo de moscou até um regimento em Arzrum (Turquia), de forma fictícia, porém tão bem detalhada que parece impossível não ter sido uma memória real. Contando detalhes das cidades em que passou, do clima, rios, culturas e pessoas (que realmente existiram e alguns amigos íntimos do autor). Impressionante. Nota 4.5/5 (pelo fato de ser muito longo - 65 páginas- não dei nota máxima).

A carruagem de Nikolai Gógol (1836): Gosto bastante desse autor, mas esse não é seu conto mais inspirado. No conto a cidade B era uma pequena cidade pacata e sem graça até a chegada do regimento militar. Além de elevar o status da cidade, o general sempre fazia belos jantares. Em um desses jantares entabula conversa com um aristocrata e donos de terras muito rico, que lhe quer vender uma carruagem. Conto nada demais. Nota 2/5

A Sílfide de Vladímir Odóievski (1837): Primeiro conto fantástico da coletânea, vai dar conta de um estudioso que herda a casa de seu tio e lá vai passar um tempo para se curar de uma doença. Até que encontra livros de alquimia trancados pela falecida esposa de seu tio. Ao se envolver nesses estudos fantásticos, sua vida começa a ter outro rumo. Nota 5/5

Taman de Mikhail Liérmontov (1839): Achei um conto esquisito. Não gostei. Não entendi. Não tem sentido. O narrador diz que vai expor o diário de um falecido que conheceu por um acaso (não explica como), mas enfim, vai contar a história de um oficial que pede asilo numa casa estranha, com gente esquisita, que escondem um mistério e só. Conto chato. Não gostei. Nota 0

Polzunkov de Fiódor Dostoiévski (1848): O protagonista do livro é considerado um bufão. As pessoas não dão muita credibilidade para ele, e o mesmo, vive de ridicularização que lhe garante algumas esmolas. Em dado momento, ele vai contar a história de uma chantagem e como ele quase se casou. A história é um pouco confusa. Nota 3/5

Relíquia viva de Ivan Turguêniev (1852): O narrador do conto é um caçador que num dia de chuva, se acolhe na antiga residência de sua mãe e lá encontra uma moça que após sofrer um acidente, se torna uma "relíquia viva". Nota 5/5

Quatro dias de Vsiévolod Gárchin (1877): Até então o melhor conto da coletânea, o autor flerta um pouco com fluxo de consciência e vai relatar 4 dias na vida de um soldado da guerra russa-turca atingindo em um ataque. Depois de um tiro, o soldado, se vê ao lado de um defunto, próximo a morte. Nota 5.

Viagem com um niilista de Nikolai Leskov (1822): Esse conto é muito engraçado. Vai se passar num trem, onde um militar, um comerciante e um diácono, vão se indispor com um passageiro estranho, que pode ser terrorista, pode ser niilista...(pulem a introdução da editora, pois, tem spoiler). Nota 5.

Contos do Major Gorbiliov de Mikhail Saltikov-Schedrin (1884): O menor conto até então, o narrador conta em pouquíssimas páginas um jogo de cartas que teve com satanás. Nota 5

O sonho de Makar de Vladímir Korolienko(1885): Makar é um homem pobre e sofrido que sonha em morar numa montanha e fugir de suas responsabilidades. Porém, ele tem sérios problemas com álcool, e sua vida complica quando gasta todo o dinheiro com álcool e enfrenta seus pecados e o além....! Nota 5.

O inquérito de Aleksandr Kuoprin (1894): Mais um conto excelente, o inquérito, contará a história de um furto de uma bota e dinheiro dentro de um regimento militar por um soldado. Uma história sobre honestidade e culpa. Nota máxima, 5.

Ariadne de Anton Tchekhov (1895): O conto perde fôlego ao longo do texto. Ariadne é uma mulher ambiciosa e até bem chata, peguei ranço dela. O conto, vai contar a história do relacionamento dela com o protagonista (e as dificuldades desse amor - ambos são pobres). É morno. Ela é chatinha. O conto é longo. Mas tem um que de teoria feminista incutido no conto. Achei regular. Nota 2.5/5.

Luz e sombras de Fiódor Sologub (1896): Um conto simples, estranho e talvez assustador. Volodia é uma criança que vive com sua mãe, e certo dia, descobre numa revista um livrinho de como fazer sombras na parede. E torna-se tão fissurado que as sombras começam fazer parte de sua vida (e da vida da sua mãe). Um conto sobre medo, loucura, obsessão e maturidade. Nota 5

O abismo de Leonid Andrêiev (1902): Conto sobre um casal (que aparentemente são só amigos) que estão numa encosta e um evento x acontece. Achei chatinho. Mas o final é bonito. Nota 2.

Depois do baile de Lev Tolstói (1903): A história narrada em primeira pessoa, o narrador conta que estava apaixonado por uma moça durante um baile, até que depois do baile algo acontece. Nota 3/5

Um dia humano de Arkadi Aviértchenko (1910): Esse conto não tem um enredo, é só um cara mal humorado, mas é engraçado. Nota 3/5.

Vendetta de Maksim Górki (1911): Esse conto é bem sangrento ( Tarantino iria amar hahah), ele vai contar duas histórias de vingança que se juntam e que acabam por causa de outra vingança. Sensacional. Nota 5.

A caverna de Ievguêni Zamiátin (1920): Conto confuso. Não entendi nada. Nota 0.

O caça-ratos de Aleksandr Grin (1924): Conto digno de fechar uma coletânea deste porte. Um dos melhores contos que já li na vida. É uma mistura de gênero (terror, por exemplo) tornando o enredo inventivo. Quando a pessoa pensa que a narrativa vai rumar para um lado, o narrador surpreende o leitor. O conto narra a história de um moço pobre que tenta vender livros numa feira, lá ele conhece uma moça. Logo após isso, ele pega tifo e acaba sendo despejado. Paralelo a isso, ele consegue um lugar abandonado para se hospedar, um lugar estranho (analogia a São Petesburgo), enorme e onde ele passa fome. Até que ele encontra alguns mantimentos e a história se desenvolve e te surpreende. Nota 5.

Coletânea sensacional. Recomendo a todos...a quem já conhece literatura russa e a quem, quer conhecer.
Neuza26 17/10/2023minha estante
Gente por Deus esse conto o Abismo é tenebroso. Acabei de ler. O nomoradinho infame, pérfido. Que mente deturpada. Um daqueles contos seja por ser perverso demais não esquecerei.




Leonardo 13/12/2012

Antologia imperdível - Parte I
Ganhei de presente (na verdade, um presente “sugerido” ao meu irmão, que passava por uma grande livraria em Curitiba, acho) este volume respeitável (648 páginas), que reúne 40 contos de 40 autores russos. A antologia é a primeira, segundo a Editora 34, a ser inteiramente composta de contos traduzidos diretamente do russo, além da peculiaridade de quase todos os contos serem inéditos no Brasil. Há medalhões como Púchkin, Gógol, Dostoiévski, Turguêniev, Tchekhov, Tolstói, Górki, Pasternak, Bábel e Nabókov, mas todos esses tiveram contos menos conhecidos incluídos. Completam o time de autores, naturalmente, escritores pouco conhecidos do grande público, muitos deles publicados pela primeira vez no Brasil.
Como é costume da Editora 34, a edição é caprichada. A capa e o acabamento são sóbrios, mas irrepreensíveis. Há uma excelente apresentação de Bruno Barretto Gomide, organizador da antologia, além de breves – mas esclarecedoras – introduções para cada um dos contos, falando do autor, de sua relevância dentro do universo da literatura russa, além dos motivos para a escolha daquele conto em particular.
Considerando a extensa lista de contos, publicarei a análise dessa publicação em cinco partes, cada uma delas contemplando oito contos, como dita a boa matemática.
A antologia está organizada em ordem cronológica, de sorte que os contos analisados a seguir foram escritos entre 1792 e 1877:
Pobre Liza (1792) – Nikolai Karamzin
Um dos primeiros best-sellers em prosa da Rússia, segundo a introdução ao conto, Pobre Liza é uma clássica narrativa sentimental, tendo influência da literatura francesa que então chegava a Moscou. Conta a história de Liza, pobre moça que vivia com sua mãe, batalhando a cada dia para conseguir o pão de cada dia, depois do falecimento de seu pai. Ela conhece um rapaz, um jovem de classe social mais elevada, bastante supérfluo, de natureza volúvel. Ele se encanta com a pobre Liza, e ambos nutrem um belo sentimento mútuo. Chega a hora, entretanto, em que o encanto se quebra e o interesse do rapaz deixa de ser puro. Surge então a ocasião, assim narrada pelo autor:
“Ela atirou-se em seus braços – e essa hora haveria de ser fatal para a sua pureza! Erast sentiu no sangue uma agitação extraordinária, Liza nunca lhe parecera tão encantadora, suas carícias nunca o tocaram tão fortemente, seus beijos nunca haviam sido tão ardentes – ela não sabia de nada, não suspeitava de nada e nada temia – a penumbra da noite nutriu o desejo – nenhuma estrelinha brilhou no céu, nenhum raio de luz conseguiu iluminar o desatino. Erast sentia-se tremer, Liza também, sem saber por que, sem saber o que estava acontecendo com ela... Ah! Liza, Liza! Onde está o teu anjo da guarda Onde está a tua inocência?”
O conto é trágico e um tanto previsível. A leitura é agradável e me foi mais interessante pela contextualização histórica – trata-se de um conto-chave da literatura russa – do que pelo conto em si.
Viagem a Arzrum (1836) – Aleksandr Púchkin
Não se trata bem de um conto de Púchkin, mas de um relato de uma de suas viagens, em meio à guerra entre russos e turcos. A justificativa para a escolha desse relato como conto, todavia, é que Púchkin alterou tanto o relato, demorou-se tanto para concluí-lo, adicionando detalhes literários, enriquecendo as descrições, que pode ser considerado uma “quase obra de ficção”.
É um dos contos mais longos da antologia – 47 páginas – e é em boa parte descritivo. Não fica oculto em nenhum momento o imenso talento do autor. Ele narra com maestria, descreve as pequenas dificuldades da jornada, a troca de um cavalo, a comida ruim que recebeu, as pulgas num colchão, o risco de emboscadas e até mesmo cenas de batalhas. Quando iniciei a leitura, tive a impressão de ser apenas mais um conto, um obstáculo a ser vencido para terminar a leitura do volume, já que gosto de ler sempre na ordem. Pelo contrário, o conto é interessante, divertido e esclarecedor. Abaixo uma das excelentes passagens, em que o autor fala dos circassianos:
“Os circassianos nos odeiam. Nós os retiramos de suas vastas passagens; seus aúles foram destruídos, tribos inteiras exterminadas. [...] Esses lados de cá são cheios de boatos a respeito de seus crimes. [...] A adaga e o sabre são como partes do corpo, e os bebês começam a manejá-los antes de começar a balbuciar. Para eles, um assassinato é apenas um movimento do corpo. Mantêm seus prisioneiros na esperança de conseguir um resgate, mas os tratam de forma extremamente desumana, obrigam-nos a trabalhar acima de suas forças, alimentam-nos com massa crua, batem quando têm vontade e colocam para vigiá-los seus meninos, que, por qualquer palavra, têm o direito de matar o refém com seus sabres infantis. Recentemente, capturaram um circassiano pacificado que atirara em um soldado. Ele se defendeu dizendo que sua espingarda estava carregada há tempo demais. O que fazer com um povo desses? [...] Há um meio mais fortes, mais moral, mais de acordo com nosso século ilustrado: a pregação do Evangelho. [...] O Cáucaso está à espera de missionários cristãos. Mas é mais fácil para nossa preguiça despejar letras mortas ao invés da palavra viva e mandar livros mudos à gente que não sabe ler.”
A carruagem (1836) – Nikolai Gógol
Este é um conto bastante bem humorado, tanto no enredo como na maneira como é escrito. Divertido, leve, carregado de ironia fina, conta uma história ocorrida numa cidadezinha sem nome, onde “reinava o mais profundo tédio” até a chegada da cavalaria?
“Quando a gente passava e olhava as casinhas caiadas e baixas, que espiavam a rua com ar de extremo azedume, então... não, é impossível expressar o que acontecia no coração: tamanha melancolia como se a gente tivesse perdido tudo no jogo ou deixado escapar alguma asneira sem propósito. Em uma palavra: não era nada agradável.”
Este é o tom que domina a narrativa. A cidadezinha ganha vida depois da chegada da cavalaria. Por um motivo que o narrador diz não recordar, o general da brigada oferece um grande jantar, para o qual toda a sociedade se mobilizou, a ponto de o mercado ser fechado apenas para fornecer comida para o banquete. Um cidadão rico e bastante vaidoso está entre os convidados. É, segundo o narrador, a única figura que merece comentários em todo aquele jantar. O general exibe sua belíssima égua de raça e o convidado citado, para não ficar por baixo, comenta a respeito da necessidade de uma carruagem à altura daquele nobre animal. Conversa vai, conversa vem, acabam agendando um almoço no dia seguinte em sua casa – compareceriam o general e uma pequena comitiva de oficiais – para verem quão magnífica é a sua própria carruagem, que teria custado uma pequena fortuna.
A noite já avançava e o visitante preparava-se para ir para casa, encomendar o almoço e providenciar os preparativos para receber seus convidados. Mas ele gosta de beber e jogar, e acaba se distraindo, como mostra o texto a seguir:
“- Senhores, é tempo de eu ir para casa, é mesmo tempo. – Mas de novo sentou-se para mais uma partida. Enquanto isso, nos diferentes cantos da casa a conversa tomava rumos completamente distintos. Aqueles que jogavam whist ficavam bem calados, mas os que não jogavam e que estavam sentados ao lado nos sofás, mantinham uma boa conversa. Ali, um capitão de cavalaria, apoiado em uma almofada, com um cachimbo entre os dentes, contava com eloquência e muito à vontade suas aventuras amorosas e retinha a atenção do grupinho ao seu redor. Um proprietário de terras extraordinariamente gordo, cujos braços curtos mais pareciam duas batatas degeneradas, escutava-o com uma expressão adocicada e às vezes se esforçava para passar sua mão curtinha pelas amplas costas para puxar a tabaqueira.”
Alguém que aplica a figura de “duas batatas degeneradas” para se referir a braços gordos é ou não é genial? Só lembro de Tolstói, que se refere a bracinhos mais graciosos – de um bebê -, dizendo que eram tão fofos que pareciam amarrados por uma linha. Os russos são especialistas em descrever braços? Acho que sim...
Fato é que Tchertokútski, nosso herói (como são difíceis esses nomes russos!) embriaga-se, chega a sua casa carregado, às quatro da manhã, e não avisa a esposa nem aos empregados sobre o jantar. É acordado pela esposa, que vê a aproximação da comitiva, ao longe.
O desfecho é bastante cômico, mas abrupto. Não sei se é o jeito russo de terminar histórias de humor, mas soa diferente.
Nunca tinha lido nada de Gógol, mas gostei demais do seu estilo de escrever. Um dos melhores contos dentre os oito que li.
A sílfide (1837) – Vladímir Odóievski
Conto de conteúdo fantástico, narra a história de um jovem com tendência á hipocondria, que se retira para uma pequena vila, onde assume a propriedade do seu falecido tio. Pensando em melhorar de sua doença, isola-se da civilização e faz um interessante louvor à ignorância, apresentando os seguintes pontos positivos de sua nova morada:
“Eu quase não vejo ninguém e não tenho um livro sequer!”
Ele continua, dessa vez a respeito do livro, um libelo inigualável contra a literatura:
“É impossível descrever essa felicidade: é necessário experimentá-la. Vemos um livro sobre a mesa e involuntariamente estendemos a mão para pegá-lo, abrimos o livro, lemos; o início nos ilude , promete mundos e fundos – mas quando avançamos, vemos que tudo não passava de castelos de areia, ficamos com aquela horrível sensação que experimentam todos os pensadores desde o início dos tempos até os dias de hoje: procurar e não achar!”
A história é inicialmente contada por meio de cartas deste jovem a um amigo seu na capital. Acompanhamos como ele se afeiçoa por uma jovem e bela moça, filha do dono da propriedade vizinha, com quem seu tio tinha uma contenda judicial. O casamento entre o jovem e a moça seria uma forma conveniente e agradável de resolver essa contenda, já que a ação judicial morreria e ambos nutrem sentimentos mútuos. Tudo vai bem até que o jovem sente saudade dos livros. Procura em toda a casa e acaba descobrindo uma coleção secreta do seu tio: livros místicos sobre alquimia, cabala, comunicação com seres elementais etc. O jovem, cuja maior fraqueza, ele mesmo confessa, é a curiosidade, mergulha nesses livros. Acaba fazendo uma experiência descrita em um dos volumes, que assegura ser um meio de comunicação com seres elementais. Após algum tempo, o jovem começa a observar reações extraordinárias, e acaba crendo ter evocado uma sílfide, com quem passa a conversar. Abandona tudo, inclusive a noiva, às vésperas do casamento, para se dedicar à sílfide, pequena criatura que habita um pequeno vaso d’água e que só ele consegue ver.
O conto prossegue sem deixar muito claro que se tratava de uma alucinação. O autor deixa uma pequena fresta para o fantástico. Bela narrativa, em mais um conto de um autor cujo nome não conhecia, mas que se mostrou deveras interessante.
Taman (1840) – Mikhail Liérmontov
Mais um autor que eu não conhecia (serão vários ao longo da antologia). Este é um conto interessantíssimo, repleto de figuras simbólicas, de segredos e de tensão crescente. Um oficial chega com seu auxiliar a Taman, “a cidadezinha mais horrível de todas as que beiram as costas dos mares da Rússia”. Ele se dirige ao front, e terá que esperar um navio. Procura alojamento na cidade e encontra apenas uma casa com fama ruim, como se algo de muito mau tivesse lá acontecido. Um menino cego o atende e esclarece que não há ninguém na casa naquele momento, que a dona saiu, mas que ele pode entrar. O oficial observa o menino cego de nascença e revela sem pudor seu preconceito contra todos os deficientes físicos, a quem faltaria um pedaço da alma. Naquela noite ele demora a pegar no sono. É surpreendido na madrugada com o barulho de passos indo em direção ao mar, sempre revolto. Resolve investigar e, à luz da lua, vê ao longe o menino cego andando em direção ao mar, pulando entre pedras perigosíssimas, naquele horário, até para quem tivesse as duas vistas. Ele continua a observá-lo e vê uma moça se aproximar e entabular uma estranha conversa com o “ceguinho”. Falam de alguém que demora a aparecer. Em pouco tempo, surge entre as ondas um pequeno barco, movendo-se ao sabor das ondas, driblando as poderosas rochas. Há uma troca de mercadorias e cada um volta para seu canto, inclusive o soldado, que não consegue mais pregar os olhos. No dia seguinte, tem contato com a moça da noite anterior. É a filha da dona da casa onde ele se hospeda. Não parecia ter mais que dezoito anos, mas algo nela, além da beleza, enfeitiça-o:
“Decididamente, nunca vira uma mulher como ela. Não era nenhuma beleza, mas também quanto à beleza tenho meus preconceitos. Ela tinha muita raça... e a raça nas mulheres é como nos cavalos, uma coisa muito importante; esta descoberta deve-se, primeiramente, à La Jeune France. Ela (a raça, não la Jeune France) vê-se no jeito de ela andar, nas suas mãos, em seus pés, no nariz, principalmente. Na Rússia, um nariz bem feito é mais raro do que um belo pezinho.”
O relacionamento que se desenvolve rapidamente entre os dois é tudo, menos previsível. É algo mais ou menos como o diálogo que se segue:
“Diga-me, beleza – disse eu – o que você estava fazendo no telhado hoje?
- Estava vendo de onde soprava o vento.
- E por que você queria sabê-lo?
- De onde sopra o vento, sopra a felicidade.
- Você cantava a sua canção para lhe dar sorte, então?
- Onde se canta, se é feliz.
- E se sua canção não lhe trouxer felicidade?
- E daí? Onde não for melhor, será pior; do bem ao mal, a distância é pouca.
- Mas quem lhe ensinou esta canção?
- Ninguém ensinou; fico imaginando e canto. Quem deve ouvir, ouve; quem não deve, não entende.
- E qual é seu nome, minha cantora?
- Quem me batizou, sabe.
- E quem a batizou?
- Como vou saber?”
Esse é um dos contos que constituem aquela gratíssima surpresa, no qual se reconhece talento, potência, habilidade... um tesouro que estava escondido e foi encontrado.
Liérmontov... Será que ele só teria escrito isso de tão extraordinário? Espero que não.

Polzunkov (1848) – Fiódor Dostoiévski
Um lado quase diferente de Dostoiévski, um dos escritores russos mais amados em todo o mundo. Como disse uma vez Nelson Rodrigues, se você tiver lido apenas Dostoiévski, sua vida literária terá valido a pena. É, como consta na introdução ao conto, o primeiro da série de “bufões-filósofos” dostoievskianos. Conta a história do personagem que dá título ao conto, uma espécie de palhaço consciente. Ele é um homem que vive de adulações, que encara a auto-humilhação como meio de vida, e tem um talento natural para se meter em situações constrangedoras e expor-se ao ridículo. Ele narra, neste conto, como não se casou. Em meio à risadaria geral, no meio de um jantar, ele conta como foi preterido no testamento de seu “quase pai”, enganado que foi por aquele que tinha tudo para ser seu parente. Como quase foi incluído na herança, como quase vê resolvidos seus problemas financeiros, como quase entra para a família através de um belo casamento e como pôs tudo a perder por causa de... por causa de uma tola brincadeira que ele mesmo fez num certo primeiro de abril.
É um lado quase diferente de Dostoiévski, como falei, porque há, à primeira vista, uma vertente cômica no conto, mas tão logo se vê a miséria do personagem principal, como ele é ridicularizado, como ele é ridículo... vem à mente O idiota, O sonho de um homem ridículo, meu conto favorito de todos os tempos.
A situação como um todo, como o pobre Polzunkov consegue meter os pés pelas mãos da maneira mais bisonha possível, não é motivo para riso, mas para aquele gosto amargo na boca, aquela sensação de desconforto que caracteriza a leitura de Dostoiévski.
Relíquia viva (1852) – Ivan Turguêniev
Este é um daqueles contos que têm o condão de me conquistar de imediato. “Sutil na arte e forte na perspectiva moral”, como consta na introdução, é um dos marcos literários da década de 1850 na Rússia. Um caçador perde seu dia de caçada por conta da forte chuva. Resolve passar a noite numa propriedade de sua mãe, onde passou sua infância, para no dia seguinte ir caçar em outra área. Vasculhando a propriedade, encontra uma figura deprimente, que o chama pelo nome:
“Aproximei-me – e fiquei petrificado de assombro. Diante de mim estava deitado um ser humano vivo, mas o que era aquilo?
A cabeça estava completamente murcha, inteira cor de bronze – era, sem tirar nem por, um quadro de um ícone antigo; o nariz era estreito como a lâmina de uma faca; os lábios estavam quase invisíveis – apenas dentes e olhos reluziam brancos, e, debaixo do lenço, mechas ralas de cabelo amarelo escapavam para a testa. Ao lado do queixo, na dobra da manta, como palitinhos, moviam-se lentamente os dedos de duas mãos minúsculas, também cor de bronze.”
Após breves explicações, ele descobre que aquela é Lukéria, que na sua infância era “a mulher mais bonita de toda a nossa criadagem, alta, roliça, branca, corada, risonha, bailadeira e cantadeira! Lukéria, aquela moça sabida, cortejada por todos os nossos jovens e por quem eu próprio suspirava em segredo, eu – um menino de dezesseis anos”.
Ambos conversam e Lukéria conta como foi o acidente que disparou esta doença secreta, que a faz murchar, definhar, a ponto de nem poder se locomover. Ele quer ajudá-la, mas ela parece mais do que resignada àquele estranho destino. Conta como valoriza as pequenas coisas: o barulho do vento nas folhas das árvores, o canto de um certo pássaro, uma vez que um coelho entrou no seu quarto... Ela tem apenas vinte e oito anos, mas aspecto de uma múmia. Traz, dentro de si, todavia, a vitalidade de uma jovem feliz. O jovem sai dali impressionado com o encontro. Sente ter conversado com uma santa, um ser que ultrapassou todas as barreiras da dor e do sofrimento – daí o nome do conto, relíquia viva, expressão com dois significados: pessoa extremamente magra ou restos mortais de um santo.
Este é o conto. Não há exatamente uma narrativa. Há apenas o encontro entre os dois e a conversa que entabulam. Mas Turguêniev mostra-se mestre na discrição, na técnica narrativa apurada, na economia das palavras. Conto fabuloso!
Quatro dias (1877) – Vsiévolod Gárchin
Este conto parece pertencer a outra época, e esta opinião também está presente na introdução à história. “Quatro dias” seria uma das experiências literárias mais marcantes da Rússia do século XIX, tendo, inclusive, antecipado procedimentos da arte do século XX, como o fluxo de consciência.
Um soldado ferido em batalha, ao que parece, com suas duas pernas quebradas, aguarda a morte. Ao seu lado, o corpo de um soldado morto. Um inimigo que ele mesmo matou. Enquanto acompanha a decomposição do morto ao seu lado, o soldado tem tempo para pensar na dor, no sofrimento, num cachorrinho, na sua mãe, no amor que deixou para trás.
Mais do que o conto mais interessante dentre esses oito que li até agora, Quatro Dias tornou-se um dos meus contos favoritos de sempre. É impossível não imaginar que este não seja um relato fiel de um soldado que realmente foi ferido em batalha e passou por todos aqueles dias de sofrimento. A sede, a fome, o odor insuportável do inimigo que apodrece ao seu lado, a agonia, a confusão mental, a vontade de desistir confrontando a vontade de reencontrar sua mãe... O conto é angustiante, uma grande e indispensável leitura.
“Eu jamais me encontrara numa situação tão estranha. Estava deitado, parece que de bruços, e via diante de mim apenas um pequeno pedaço de terra. Umas ervinhas, uma formiga deslizando de uma delas, alguns ciscos de mato do ano passado – aí estava todo o meu mundo. E eu o via com apenas um olho, porque o outro estava tapado com alguma coisa dura, talvez o ramo no qual minha cabeça estava apoiada. Sentia um desconforto terrível; eu queria, mas definitivamente não entendia por que não conseguia me mexer. E assim passava o tempo.”
“Neste dia meu vizinho ficou mais terrível do que qualquer descrição. Uma vez, quando abri os olhos para vê-lo, fiquei horrorizado. Ele já não tinha rosto. Havaí escorregado dos ossos. Um sorriso medonho e caveiroso, um sorriso eterno me apareceu tão nojento, tão horrível como nunca, embora mais de uma vez me acontecera de segurar crânios nas mãos e dissecar cabeças inteiras. Aquele esqueleto de farda com botões brilhantes me fez tremer. ‘É a guerra – pensei eu -, aí está a sua imagem.’”
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Manoela138 08/11/2021

Contos russos
Foi meu primeiro contato com a literatura russa, tive que ler o conto Depois do Baile pra faculdade e acabei decidindo ler o livro todo. Dos 40 contos só gostei de 6, então pode-se dizer que não amei, mas foi interessante conhecer um pouco desses autores que provavelmente nunca teria lido nada sobre. Gosto de como a antologia trouxe diversos autores e de diferentes épocas.
Gostei muito de 6 contos presentes nessa antologia: Quatro dias, Luz e sombras, Depois do baile, Um dia humano, Insolação e Conexão.
Acho que vale a leitura, mas não se force a ler tudo igual eu fiz kkkk
Alê | @alexandrejjr 25/04/2022minha estante
Caramba! Eu arriscaria dizer que tu não gostasse do livro... Gostar de seis em uma seleção de 40 contos é triste para qualquer leitor!




Márcia 23/03/2021

Nova Antologia do Conto Russo - Bruno Barretto Gomide
Nikolai Karamzin não é um dos mais famosos autores russos no Ocidente, mas tem o devido conhecimento pela sua produção em sua terra natal. Escritor, poeta, crítico e historiador, ele tem como destaque de sua bibliografia a imensa História do Estado Russo, que começou a escrever em 1816 (publicando os primeiros volumes em 1818), trajetória histórica interrompida em 1826, no 12º Volume, por ocasião de sua morte. De sua obra ficcional, uma das primeiras a ser escrita foi o conto Pobre Liza, de 1792, que anos mais tarde influenciaria Púshkin a escrever A Senhorita Camponesa e ecoaria até em Gente Pobre, de Dostoiévski.
Pobre Liza (1792)- Dotado de um forte sentimentalismo e colocando em cena um personagem que não é definido dentro de um parâmetro comportamentalmente binário (ele não é nem mocinho, nem vilão, é “apenas um homem supérfluo“), o conto possui uma curiosa forma narrativa, iniciando com uma exposição descritiva de um habitante de Moscou que conhece muito bem a capital e seus arredores, seguindo para uma história trágica, cuja lembrança vem a ele após nos falar sobre o Mosteiro de Símonov e sua ligação com a jovem Liza que dá título à obra.
Liza mora com sua velha mãe em um povoado, após a morte de seu pai. Elas são muito pobres.
Liza vai a Moscou para vender alguns artesanatos e lá conhece Erast, ele não é extremamente rico mas, vive em melhores condições que Liza. Ele se encanta por Liza e resolve comprar todo o artesanato dela.
Eles tem um relacionamento platônico mas, Liza ao se deparar com um casamento arranjado, se entrega a Erast.
Erast avisa a Liza que ele tem que se separar dela para ir a guerra, Liza promete que vai esperá-lo.
Em uma ocasião que Liza esta em Moscou vendendo seus artesanatos, Liza vê Erast e segue. Ele diz que esta casado mas não é feliz e tem muitas recordações de Liza.
Liza não vê sentido em sua vida, caminha até uma fonte e se afoga, deixando sua mãe sozinha e que veio a falecer em seguida.
Baseado em paixões inflamadas, conveniências e passagem de um amor platônico para um outro tipo de amor e relacionamento, Pobre Liza fala de uma tragédia por amar em demasia e entregar-se inadvertidamente aos sentimentos.

Alexandre Pushkin - É o maior poeta russo na época romântica,considerado por muitos como real fundador da moderna novela russa. Púchkin foi pioneiro no uso do discurso vernacular em seus poemas e peças teatrais, criando um estilo de narrativa que misturava drama, romance e sátira associada com a literatura russa, influenciando fortemente desde então os escritores russos seguintes.
Viagem a Arzrum (1836) - Não se trata bem de um conto de Púchkin, mas de um relato de uma de suas viagens, em meio à guerra entre russos e turcos. A justificativa para a escolha desse relato como conto, todavia, é que Púchkin alterou tanto o relato, demorou-se tanto para concluí-lo, adicionando detalhes literários, enriquecendo as descrições, que pode ser considerado uma “quase obra de ficção”.
A obra narra as viagens do poeta ao Cáucaso , Armênia e Arzrum (moderno Erzurum ) no leste da Turquia na época da Guerra Russo-Turca (1828-1829) . As autoridades czaristas nunca permitiram que Pushkin viajasse para o exterior e ele só teve permissão para viajar até Tiflis ( Tbilisi ), capital da Geórgia e da Transcaucásia russa . Sua viagem não autorizada pela fronteira com a Turquia enfureceu o czar Nicolau I, que "ameaçou confinar Pushkin em sua propriedade mais uma vez".

Nikolai Vassílievitch Gógol (1809-1852) é autor de alguns dos contos mais famosos
da literatura russa, dentre os quais “O nariz”, “Diário de um louco” e “O capote”, que foi
transformado em um dos pontos de partida da dinâmica literária russa por autores como
Bielínski e Dostoiévski (neste caso, porém, a famosa frase atribuída a ele sobre a
descendência de “O capote” é de autoria do crítico francês Melchior de Vogüé). Gógol é uma
referência fundamental para correntes muito variadas da literatura russa, embora
inclassificável e sempre fugidio. Esta antologia apresenta uma boa oportunidade para lermos
um conto excelente e menos antologizado. “A carruagem”, publicado em 1836 na revista O
Contemporâneo, é uma espécie de tesouro particular dos apreciadores do escritor russo.
Lendo esse conto, Tchekhov declarou, em uma carta a Suvórin, que Gógol era o “maior artista russo”
A Carruagem - A Carruagem” é um conto do escritor russo Nikolai Gogol, escrito em 1836. A história é centrada na vida de um ex-oficial da cavalaria e proprietário de terras perto de uma pequena cidade russa. Durante um jantar, ele comenta com outros oficiais sobre sua mais nova aquisição: uma notável carruagem de Viena e convida os oficiais mais graduados a almoçarem em sua residência no dia seguinte e conhecer a carruagem.
Ele bebe muito , chega em casa muito tarde e esquece de avisar que os oficiais vão almoçar em sua casa.
Os oficiais chegam e sua única alternativa e se esconder e pedir ao empregado para avisar que não tem ninguém em casa porém, os oficiais descobrem sua mentira.

A Silfide - Vladimir Odóievski - O príncipe Vladímir Fiódorovitch Odóievski (1803-1869) participou de diversos grupos literários importantes da primeira metade do século XIX na Rússia, como a Sociedade Livre dos Amantes das Letras Russas, a sociedade dos Amantes da Sabedoria (os Liubomúdri), o periódico Mnemozina, o círculo de leituras capitaneado por Semiôn Ráitch.
Posteriormente, tangenciou o movimento eslavófilo. Odóievski foi um dos principais difusores
da filosofia idealista e da literatura alemã na Rússia (Novalis, Hoffmann, entre outros), tendo
inclusive contatos pessoais com Schelling. Relativamente pouco conhecido fora da Rússia, ele foi contudo autor de obras importantes, como a ficção científica O ano 4338 (1840-1926) e Noites russas (1844), híbrido de conversação filosófica, ensaio e ficção. O conto “A sílfide”,
publicado em 1837, é um ótimo exemplar das fortes vertentes fantásticas existentes na Rússia dos anos 1830-40, e, nesse sentido, pode estabelecer um diálogo frutífero com cultores do gênero mais conhecidos, como Gógol.
O texto é em formato epistolar, narrado através de correspondência entre Mikhail Platónovitch e seu amigo.
Conto de conteúdo fantástico, narra a história de um jovem com tendência á hipocondria, que se retira para uma pequena vila, onde assume a propriedade do seu falecido tio. Pensando em melhorar de sua doença, isola-se da civilização e faz um interessante louvor à ignorância, apresentando os seguintes pontos positivos de sua nova morada:
“Eu quase não vejo ninguém e não tenho um livro sequer!”
A história é inicialmente contada por meio de cartas deste jovem a um amigo seu na capital. Acompanhamos como ele se afeiçoa por uma jovem e bela moça, filha do dono da propriedade vizinha, com quem seu tio tinha uma contenda judicial. O casamento entre o jovem e a moça seria uma forma conveniente e agradável de resolver essa contenda, já que a ação judicial morreria e ambos nutrem sentimentos mútuos. Tudo vai bem até que o jovem sente saudade dos livros. Procura em toda a casa e acaba descobrindo uma coleção secreta do seu tio: livros místicos sobre alquimia, cabala, comunicação com seres elementais etc. O jovem, cuja maior fraqueza, ele mesmo confessa, é a curiosidade, mergulha nesses livros. Acaba fazendo uma experiência descrita em um dos volumes, que assegura ser um meio de comunicação com seres elementais. Após algum tempo, o jovem começa a observar reações extraordinárias, e acaba crendo ter evocado uma sílfide, com quem passa a conversar. Abandona tudo, inclusive a noiva, às vésperas do casamento, para se dedicar à sílfide, pequena criatura que habita um pequeno vaso d’água e que só ele consegue ver.
O conto prossegue sem deixar muito claro que se tratava de uma alucinação.

Mikhail Iúrevitch Liérmontov (1814-1841) foi considerado o sucessor do poeta
Aleksandr Púchkin, morto em 1837 em um duelo que muitos julgaram “arranjado” pelo
tsarismo, e para quem compôs uma elegia indignada que o tornou famoso. Oficial e
aristocrata, ele também morreu jovem, em um duelo igualmente duvidoso, no Cáucaso. Tanto
em poesia, quanto em prosa — e este “Taman”, um dos episódios de seu romance O herói do
nosso tempo, reconhecido por Tchekhov como um modelo de conto, o prova — não apenas
Liérmontov foi um mestre da língua, mas, contrariamente à corrente romântica de sua época
(segundo o testemunho de Boris Eikhenbaum, autor de um longo e importante ensaio sobre
ele), ironicamente antibyroniano, anti-hegeliano e antitsarista. Antes da publicação de O herói
do nosso tempo, em 1840, “Taman” já havia saído no número 2 da revista Notas da Pátria do mesmo ano.
Taman (1840) – Mikhail Liérmontov

Este é um conto interessantíssimo, repleto de figuras simbólicas, de segredos e de tensão crescente. Um oficial chega com seu auxiliar a Taman, “a cidadezinha mais horrível de todas as que beiram as costas dos mares da Rússia”. Ele se dirige ao front, e terá que esperar um navio. Procura alojamento na cidade e encontra apenas uma casa com fama ruim, como se algo de muito mau tivesse lá acontecido. Um menino cego o atende e esclarece que não há ninguém na casa naquele momento, que a dona saiu, mas que ele pode entrar. O oficial observa o menino cego de nascença e revela sem pudor seu preconceito contra todos os deficientes físicos, a quem faltaria um pedaço da alma. Naquela noite ele demora a pegar no sono. É surpreendido na madrugada com o barulho de passos indo em direção ao mar, sempre revolto. Resolve investigar e, à luz da lua, vê ao longe o menino cego andando em direção ao mar, pulando entre pedras perigosíssimas, naquele horário, até para quem tivesse as duas vistas. Ele continua a observá-lo e vê uma moça se aproximar e entabular uma estranha conversa com o “ceguinho”. Falam de alguém que demora a aparecer. Em pouco tempo, surge entre as ondas um pequeno barco, movendo-se ao sabor das ondas, driblando as poderosas rochas. Há uma troca de mercadorias e cada um volta para seu canto, inclusive o soldado, que não consegue mais pregar os olhos. No dia seguinte, tem contato com a moça da noite anterior. É a filha da dona da casa onde ele se hospeda. Não parecia ter mais que dezoito anos, mas algo nela, além da beleza, enfeitiça-o.
O relacionamento que se desenvolve rapidamente entre os dois é tudo, menos previsível.
Ao final, a menina vai embora e deixa o menino cego a própria sorte.
O oficial percebe que foi roubado e quem estava roubando-o era a filha da dona da casa e o menino cego.

Este conto pertence à fase inicial da obra de Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski
(1821-1881), e foi publicado no Almanaque Ilustrado de Ivan Panáiev e Nikolai Nekrássov.
Segundo Leonid Grossman, foi “autorizado pela censura em 26 de fevereiro de 1848. A
coletânea foi retida após a impressão e não pôde ser distribuída” (Dostoiévski artista, p.
188). Possui afinidades temáticas e estilísticas com obras como A senhoria, “O ladrão
honrado”, “Um coração fraco” e, especialmente, com O senhor Prokhartchin (brilhantemente
analisado por Boris Schnaiderman em seu Dostoiévski: prosa poesia) em sua violenta
fragmentação de linguagem e pensamento. A crítica habitualmente localiza em “Polzunkov” o
primeiro da série de “bufões-filósofos” dostoievskianos, e vê nele uma marca da leitura de O
sobrinho de Rameau, de Diderot. O conto foi traduzido por Olívia Krähenbühl para a coleção
de obras de Dostoiévski da editora José Olympio, e ganha aqui sua primeira tradução direta do original.
Polzunkov - Olhando para o conto como um todo, temos a seguinte situação: um narrador anônimo presencia os eventos e “dialoga” com o leitor em um nível. No outro, o chamado “bufão filosófico” Polzunkov conta a história de Óssip Mikháilitch, ou seja, a sua própria história, a história de como ele não se casou, criando aí um subnível narrativo. As passagens não são complexas, mas a forma como o autor escolheu contá-las é intricada de uma forma que faz o leitor se perder um tantinho em um momento ou outro. Nada grave, mas sensivelmente desconfortável, especialmente para os que não possuem grande experiência com a obra dostoievskiana.

Acima de tudo, Polzunkov é uma história de um homem pobre cheio de ambições mas com um nível mínimo de malícia — o que o leva à perdição — e muito amor-próprio. Perceba que a união dessas características torna o indivíduo interessante e sua participação na história, vista em dois momentos diferentes, comprova isso de forma prática e direta. O leitor descobre que Polzunkov é alguém “com um nível de nobreza na aparência“, mas no momento em que este evento se passa, ele é apenas um homem que conta casos e piadas depreciativas sobre si mesmo, ressentindo-se das pessoas que riem dele. O personagem vive para agradar, mas não é exatamente feliz com isso. Ou será esse modelo de vida uma forma de conseguir o que ele realmente quer (dinheiro e atenção)?
O que Dostoiévski esconde (e ao mesmo tempo revela) nessa personalidade e em suas duas fases de vida é a vontade de Óssip Mikháilitch/Polzunkov ser alguém. O caso da propina, o possível casamento com a filha do chefe, a herança quase recebida, o diálogo sobre posses materiais ou poder que ele tem com a avó tapada, tudo isso é colocado no conto como uma meta de vida. Independente dos meios (não agressivos ou violentos, mas que certamente desafiam padrões morais e éticos) o personagem está disposto a alcançar um lugar de destaque na sociedade.

Ivan Turguêniev - Turguêniev foi o primeiro escritor russo a ser reconhecido internacionalmente. A escrita de Turguêniev tem a questão moral determinante nos acontecimentos da narrativa, na vida dos personagens.
Relíquia Viva - O conto foi escrito em 1852 e faz parte de uma coletânea de contos de caçadores.
O conto começa com um provérbio muito usado na época: Pescador seco e caçador molhado são um triste espetáculo.
O narrador viaja com um amigo para caçar mas, o dia era de chuva forte o que os impediu de uma boa caçada. Ermoli , amigo do narrador, sugere que eles se abriguem em uma propriedade próxima, da mãe do narrador.
No dia seguinte, enquanto o narrador espera que os cavalos sejam preparados para a caça, ele decide andar pela propriedade. Ele encontra um casebre nos fundos da propriedade e, escuta um barulhinho no local e decide ver o que e.
Ele encontra um mulher muito frágil e debilitada deitada no casebre então, ele reconhece algo de familiar na mulher. A mulher era uma serva da família, Lukeria, muito bonita com tranças compridas. O narrador lembra dela dançando e se divertindo com os servos nas festas na propriedade.
Ele se senta e começa a conversar com a Lukeria, ela conta o que aconteceu com ela.
Ela, um dia, ao chegar de um encontro com seu noivo, ele cai de uma altura consideravel. Aparentemente, não foi grave mas, passados alguns dias , ela começa a definhar até chegar ao estado que se encontra.
A Lukeria e vista com uma relíquia viva, como alguém de certo modo, na situação que se encontra, está espiando pelos pecados cometidos na juventude.
E um conto triste, onde mostra a ideia da força moral guiando a personagem.

Vsiévolod Gárchin - “Quatro dias” é uma das experiências literárias mais marcantes da Rússia do século XIX. Vsiévolod Mikháilovitch Gárchin (1855-1888) viveu apenas 33 atribulados anos, nos quais participou da guerra russo-turca de 1877 — ano de publicação deste conto, a estreia do autor — e teve diversas crises nervosas, que culminaram com seu suicídio, atirando-se do alto de uma escada. Gárchin é considerado por muitos críticos como o grande nome “pouco- conhecido” da prosa russa, grandeza detectável especialmente em seus contos.
Quatro dias (1877)
Um soldado ferido em batalha, ao que parece, com suas duas pernas quebradas, aguarda a morte. Ao seu lado, o corpo de um soldado morto. Um inimigo que ele mesmo matou. Enquanto acompanha a decomposição do morto ao seu lado, o soldado tem tempo para pensar na dor, no sofrimento, num cachorrinho, na sua mãe, no amor que deixou para trás.

Nikolai Leskov - Nikolai Semiónovitch Leskov (1831-1895) é conhecido no Brasil sobretudo pelo famoso ensaio de Walter Benjamin sobre o narrador, no qual ocupa posição central. Dele, já se publicou em nosso país a novela Lady Macbeth do distrito de Mtzensk. Nascido em Gorókhovo, perto de Oriol, Leskov conviveu com diversos extratos da vida provincial russa e apresentou, com recursos linguísticos extremamente ricos e variados, camadas sociais que habitualmente não figuravam na prosa russa.
Viagem com um niilista -O conto se passa numa época em que todos temem ataques terroristas (este conto se passa em 1882, mas não é muito diferente da atualidade). Um grupo de amigos estavam conversando em um trem quando de repente entra no vagão um homem estranho. Ele se senta onde há uma mochila que para o resto dos viajantes é considerada suspeita, a partir disso começam as especulações sobre quem seria aquele ilustre viajante e quais seriam seus propósitos com aquela mochila misteriosa. Todos pensam se tratar obviamente de um niilista e que na bolsa há uma suposta bomba, então, um dos viajantes chama um policial para fazer averiguações com o rapaz que afirma veemente que desconhece a procedência da mochila. No final de tudo, o rapaz não era nada do que pensaram e a mochila não lhe pertencia.

Mikhail Ievgráfovitch Saltikov-Schedrin (1826-1889), grande satirista russo da
segunda metade do século XIX.
Contos do major Gorbiliov - A introdução ficcional é feita por um alferes da cavalaria, que recolheu as histórias contadas à noite pelo ‘inesquecível major Gorbiliov’, sempre envolvido com forças impuras . Nessa história, ele joga cartas com o próprio diabo.

Vladímir Korolienko - Este conto de Vladímir Galaktiónovitch Korolienko (1853-1921) é um pequeno favorito das primeiras antologias de literatura russa publicadas mundo afora. Boa parte dessa fama se deve à conturbada biografia do autor, envolvido com agitação política, prisões e exílios na Sibéria, de cujo povo e natureza extraiu material para muitos de seus contos. “O sonho de Makar”, de 1885, pertence a esse conjunto de histórias siberianas publicadas ao longo das décadas de 1880 e 1910.
O sonho de Makar (Conto de Natal) - O sonho de Makar conta a história de Makar, que, segundo o autor, é um daqueles homens para quem tudo dá errado. Ele vive – ou tenta sobreviver – na região siberiana, convivendo com gente grosseira e lutando a cada dia por um pedaço de pão e um litro de vodca diluída. Ele, como é comum à gente daquele lugar, está sempre pensando em vodca, mas seus recursos são limitadíssimos. Certa noite tem uma ideia para conseguir a bebida e sai de casa.
Ele consegue a garrafa, mas, é óbvio, bebe sozinho. Volta para casa e recebe uns safanões de sua esposa. Resolve verificar, ainda durante a noite, umas armadilhas que preparara para pegar raposa. Tem uma briga com um vizinho desafeto e perde-se na floresta, sem gorro nem luvas, bêbado, cansado e tremendo de frio. Desfalece e tem a plena certeza de que morreu. Aí acontece a reviravolta no conto. Ele encontra o antigo pope da aldeia (uma espécie de padre, pelo visto) e este leva-o para seu julgamento. Makar teme, porque sabe que sempre foi meio trapaceiro, para tentar compensar as injustiças da vida.

Aleksandr Kuprin - Aleksandr Ivánovitch Kuprin (1870-1938) também figurou com destaque nas
primeiras antologias de contos russos publicadas no ocidente, especialmente pelo caráter
filantrópico e humanitário bem ou mal atribuído a suas obras. Sua reputação dentro da Rússia
era igualmente alta, e ele disputava a palma da popularidade com nomes hoje mais
conhecidos, como Górki e Andrêiev. Juntamente com estes dois escritores, somados a Búnin,
Kuprin fez parte do grupo Znânie (Conhecimento), uma associação literária e editorial de São
Petersburgo de começos do século XX. Kuprin também foi famoso pela vida agitada.
Alternou, entre outras, as atividades de estivador, repórter, sacristão, pescador, artista de
teatro, operário e militar.
O inquérito (1894) – Aleksandr Kuprin -
Outro conto muito belo e tocante. Narra a história de um julgamento militar. Um soldado é acusado de roubar as botas de outro soldado, além de alguns trocados. Sua punição, se condenado, será cem açoites. O subtenente Kozlovski, encarregado de conduzir o inquérito, é novato o exército não foi capaz de roubar toda a sua sensibilidade. Ele consegue a confissão do rapaz, mas choca-o o fato de o jovem não parecer ter consciência do que fez nem do que o aguarda.
O conto basicamente acompanha a angústia do subtenente com o desenrolar dos fatos.

Anton Tchekhov - Como autor de contos, Anton Pávlovitch Tchekhov (1860-1904) dispensa
apresentações. É o autor russo que se tornou quase sinônimo do gênero e um dos seus grandes inovadores. Este brilhante e cruel “Ariadne”, publicado no número de dezembro de 1895 do periódico Rússkaia Misl (Pensamento Russo), e aqui traduzido pela primeira vez no Brasil, permite paralelos instigantes com outros contos “femininos” mais conhecidos, como
“Ventoinha”, “Queridinha”, ou “A dama do cachorrinho”, traduzidos por Boris Schnaiderman.
Ariadne - Uma narrativa se constrói dentro de um Navio que vai da cidade ucraniana deOdessa para Sebastópol (também Ucrânia). Ali um homem (o narrador) é abordado porIvan Ilitch Chamókhin que começa com uma conversa sobre diferenças entre os povos alemães, ingleses e russos. A seguir ele comenta que os russos “falam apenas de assuntos elevados e de mulheres ”. Logo a seguir ele confessa que tudo aquilo não passava de uma introdução para uma outra história que, segundo Ilitch, se trata do seu “Último romance”
A ação acontece no interior, no distrito de Moscou, onde Ivan iniciou e onde conheceu Ariadne, irmã de seu vizinho e filha de um nobre falido. Trocando em crianças, Ariadne era espetacular, o que gerava em Ilitch uma admiração incrível. Porém,Chamókhin não se declarava explicitamente, mas percebia que Ariadne sabia de seus amores. Infelizmente, ele também percebia que não era correspondido. A menina tinha sonhos altos e não ficar no interior, mas explorar o mundo queria, casar bem e sair dali. Até alguns pretendentes ricos como o príncipe Maktúiev quiseram a jovem, que refutou, talvez esperando algo ainda melhor. Ela se tornara fria e buscava seus objetivos. O tempo foi passando e ela até que começou a demonstrar um interesse, ainda que falso, em Ivan, mas este, ao perceber uma falsidade, não correspondeu às investidas de Ariadne. Eis que um dia Lubkov, amigo do irmão de Ariadne apareceu para uma visita e, devagar, foi conquistando um influenciando Ariadne a sair dali. Esse rapaz era hum homem que vivia de empréstimos de outros e tentava agradar em tudo, diferentemente de Ilitch, que permanecia quieto e austero. Por fim, Ariadne parte com Lubkov para o exterior e, no início, tenta manter a aparência de que está tudo bem. Por fim manda uma carta para Chamókhin induzindo-o a ir atrás dela. Ele foi, naturalmente. Encontram-se em Abbazia, Veneza. Lá Ivan cogita uma possibilidade de que Ariadne não tenha fugido com Lubkov por ter um relacionamento com ele, já que dormem em separados no hotel, o que logo a seguir é refutado pelo próprio Lubkov que diz não aplicar mais ter que manter como aparências e fingir não ter um caso com a mulher. Ivan se desespera novamente e volta. Ilitch não consegue tirar Ariadne do pensamento e, depois de um inverno, na primavera, ele recebe uma carta de Ariadne implorando para que ele vá e a pomada. Novamente, ele vai. Lá, encontra Ariadne sem Lubkov que voltara à Rússia, e se torna seu amante .Lubkov não para de se corresponder com Ariadne e tenta convencê-la a ir até onde ele está. Ivan, por sua vez, tenta influenciá-la para que voltem para o interior, mas nem ume nem o outro atingir os seus objetivos, pois ela já havia se acostumado com a vida agitada, que a forçava a manter um status de rica e artista. Ilitch se torna um boneco em suas mãos e aos poucos vai ficando mais e mais infeliz (e ela também).Assim, decida voltar para a Rússia. Aqui a história para de ser contada por Ilitch e volta-se ao cenário do navio, onde o narrador vê Ariadne e a relação dos dois. Sem final do conto, Chamókhin explica seu ponto de vista sobre as mulheres ao narrador e na última cena, a felicidade de Chamókhin é tremenda ao ver que Ariadne está se correspondendo com o seu irmão para um possível casamento com o príncipe Maktúiev.

Fiódor Kuzmitch Tetiérnikov (1863-1927), conhecido como Fiódor Sologub, foi um
expoente do simbolismo russo — que deve ser entendido não como uma corrente estética
delimitada, mas como um movimento cultural de imenso alcance na Rússia de começos do
século XX, através de suas releituras e reconstruções metafísicas e filosóficas da tradição
literária nacional. Sologub ao mesmo tempo margeou e influiu poderosamente nesse
movimento, sobretudo com uma das obras-chave do período, o romance O diabo mesquinho
(1907). Autor também de poemas, peças e outros romances, Sologub foi ainda um ótimo
contista, como revela este delicado e terrível “Luz e sombras”, de 1896. O tema da inocência
infantil e sua corrupção (cuja matriz russa mais poderosa é a obra de Dostoiévski) é central,
quase obsessivo, para o autor, e ocupou outros artistas russos da época, como Riémizov.

Luz e sombras - o conto descreve a história do menino Volódia e sua mãe após o menino encontrar um livro de sombras . Volódia fica obcecado por reproduzir as sombras do livro e como isso começa atrapalhar sua vida.
A mãe o repreende mas, com o tempo, ela também começa a reproduzir as sombras do livro e , também, tem sua vida modificada.

Leonid Andrêiev - Leonid Nikoláievitch Andrêiev (1871-1919) suscitou um autêntico furor na
sociedade russa com este “O abismo”, de 1902 (e outros contos da mesma época, como “Na
neblina”), em que recessos psicológicos dostoievskianos, hiperestesia decadentista e temas
sexuais finisseculares aparecem numa síntese bombástica. Sofia Andrêievna, esposa de
Tolstói, chegou a escrever uma carta de protesto ao jornal em que foram publicados. E o
próprio Lev Tolstói dizia de Andrêiev: “ele tenta me assustar, mas eu não me assusto”.
Andrêiev foi oscilante em relação aos movimentos revolucionários do começo do século XX;
deixou uma novela excelente e muito conhecida (Os sete enforcados, 1908, traduzida várias
vezes no Brasil), em que são exibidos simultaneamente o fracasso obrigatório das revoltas
políticas e a simpatia pela figura do revolucionário. Andrêiev morre na Finlândia, onde havia
se autoexilado, veemente adversário da revolução bolchevique.
O Abismo - Um casal em uma tarde estão caminhando e conversando sobre o amor , o infinito... Eles se perdem no caminho de volta e ao atravessar um bosque cruzam com um bando de mal intencionados que espancam o rapaz e violentam sexualmente a moça e acabam por matá-la.

Lev Tolstói -Tolstói

Este brilhante conto pertence à fase final da vida de Lev Nikoláievitch Tolstói
(1828-1910), quando ele atinge alguns dos momentos maiores de sua ficção (Padre Sérgio,
Hadji-Murat, entre outros). Escrito em 1903 e publicado postumamente em 1911, “Depois do
baile” reúne, em uma estrutura bipartida extremamente complexa, vários dos temas do
escritor: a crítica à vida em sociedade e ao poder das classes privilegiadas, a utilização de
paralelismos, a simbologia refinada em torno do amor, do sexo e da morte, a reutilização
sofisticada de narrativas folclóricas.
Depois do baile - É uma história de amor à primeira vista do jovem Ivan pela encantadora Várenka. Foi um encontro casual num baile e ambos dançaram juntos a mazurka praticamente a noite toda. Ele se encantou pela moça e a descrevia sempre como linda e deslumbrante; a jovem tinha uns dezoito anos na época e era o centro das atenções. O seu sentimento por ela era correspondido. Ele chegou a conhecer inclusive, o seu pai também naquela mesma noite.
Ao partir, foi testemunha de algo desagradável que aconteceu no caminho. Ele, DEPOIS DO BAILE, ouvia outro tipo de música que era do tipo áspera, desagradável e maldosa acompanhado ao som de flauta. Eram soldados castigando um tártaro por tentativa de fuga. O tártaro foi maltratado de inúmeras formas, espancado, surrado e arrastado por aqueles militares que apenas cumpriam ordens vindas de seu superior e numa procissão pelas ruas cobertas de neve tudo sob o comando do coronel, pai de Várenka.
van teve em uma única noite a melhor e a pior experiência de sua vida. Conheceu o Amor (bem) e a Dor (mal) no mesmo dia. As pessoas sabem de coisas que não sabemos. Foi exatamente isso que Ivan pensou do coronel.
E por causa dessa noite, Ivan nunca mais foi o mesmo; sua vida inteira foi transformada por esse dia. E ele próprio chegou à conclusão que não prestou para nada.

Arkadi Aviértchenko - Escritor prolífico, Arkadi Timofiêievitch Aviértchenko (1881-1924) viveu
relativamente pouco, mas publicou muitíssimo, entre contos, peças e textos jornalísticos. Em
seu momento áureo, quando editava os jornais Satirikon (1908-1914) e Novi Satirikon (1913-
1918), de cunho evidentemente humorístico, foi um dos autores mais populares da Rússia.
Mesmo na emigração (a que foi levado por suas sátiras aos bolcheviques), continuou a ser
publicado na União Soviética. Hoje é pouquíssimo lembrado, e aguarda uma necessária
reavaliação crítica internacional. Paradoxalmente, foi um autor russo presente em revistas e
jornais ilustrados no Brasil das primeiras décadas do século XX (entre fins dos anos 1920 e o
início da década seguinte, foi publicada pelo menos uma dezena de seus contos). Difícil é
escolher um entre suas centenas de contos, mas este “Um dia humano”, de 1910, publicado
pela primeira vez na coletânea intitulada Contos humorísticos, em São Petersburgo, é uma
boa amostra de seu modo de proceder, na soma de situações leves que geram um quadro mais complexo e sugestivo.
Um dia humano - Esse conto retrata um dia comum na vida de uma pessoa mas, com muito humor.
Esse homem descreve o café da manhã com a tia da esposa, depois o encontro com um conhecido na rua. Em seguida, um banquete funeral após, uma festa na casa dos amigos.
E por último, sua chegada em casa onde sua esposa o espera para discutir.

Maksim Górki - Longe dos rincões da Rússia profunda, ambiente a que habitualmente é associado,
este é um Górki (Alieksei Maksímovitch Pechkóv, 1868-1936) em cenário mediterrâneo.
“Vendetta”, de 1911, faz parte dos Contos da Itália, escritos quando o escritor estava exilado
em Capri. Nesse ciclo de narrativas, nota-se a mescla ambígua, mas característica do autor e
de certas correntes russas do período, de temas vitalistas do fim de século, de tendências
místicas (sobretudo a ideia de “construção de Deus” — bogostroítelstvo — compartilhada
com Aleksandr Bogdânov e Anatoli Lunatchárski) e de engajamento político radical: nesse
quesito, os proletários de A mãe eram figuras ainda recentes... Ademais, os contos italianos
são um capítulo interessante da longa e complexa relação dos artistas russos com a Itália, um dos “outros” mais significativos do imaginário russo. Vale a pena lembrar que Isaac Bábel
(ele mesmo autor de um “O sol da Itália”) havia sugerido que Górki fora o único, na tradição
literária russa, a tratar devidamente do sol.
Vendetta - O conto narra a historias o cultivo da honra é muito importante. Emília que tem sua honra posta a prova por sua sogra quando seu marido esta além mar. Emília acaba por matar sua sogra e é julgada e condenada.
Donato que recebe uma carta da mãe informando que sua mulher e seu pai estão tendo um romance. Donato retorna de sua viagem e ao constatar que é verdade, mata sua esposa e pai.
Após cumprir suas penas, Donato e Emília encontram-se solitários , se aproximam e acabam se apaixonando . A mãe de Emília quer manter a honra de sua filha intacta e acaba por atentar contra a vida Donato. Donato não morre mas, a mãe de Emíia será julgada e condenada.

Ievguêni Zamiátin - Autor de contos, novelas, romances, peças e crítica literária, Ievguêni Ivânovitch
Zamiátin (1884-1937) tornou-se famoso mundialmente pelo seu romance distópico Nós,
publicado inicialmente em inglês, em 1924. Seus ensaios e palestras sobre a literatura russa
são fundamentais para um entendimento da posição da arte na cultura pós-revolucionária. Em
sua defesa da ambiguidade, Zamiátin foi vital para grupos artísticos como o Irmãos Serapião.
Ele dizia que a arte deve ser feita por “loucos, hereges, visionários”, postura que lhe valeu
ataques contínuos de setores proletários e da ortodoxia partidária, e que conduziu por fim a
seu exílio. Como boa parte dos artistas do período, Zamiátin jogou em sua ficção com a
justaposição de tempos históricos distintos, analogias primitivistas e um tom geral
apocalíptico, tudo isso vazado em uma linguagem experimental repleta de metáforas e imagens
de choque. “A caverna” (1920), um de seus melhores contos, publicado na ressaca da
devastadora experiência da guerra civil, presta tributo ao topos da Petrogrado arruinada.
Escrito em 1920, foi publicado pela primeira vez na revista Zapiski Metchtátelei (Notas de
Sonhadores), número 5, em Moscou, em 1922. No mesmo ano foi republicado na revista
Gólos Rossii (A Voz da Rússia), de Berlim, e, dois anos depois, na Literatúrnaia Rossiia
(Rússia Literária), de Moscou.
A Caverna - tido como um de “seus melhores contos”: “Za­miátin jogou em sua ficção com a justaposição de tempos históricos distintos, analogias primitivistas e um tom geral apocalíptico, tudo isso vazado em uma linguagem experimental repleta de metáforas e imagens de choque”. Trecho inicial da tradução de Mário Ramos: “Geleiras, mamutes, desertos. Negros penhascos noturnos, se­melhantes a prédios. Nos pe­nhascos, cavernas. Ninguém sabe quem trombeteia, à noite, no desfiladeiro de pedra entre esses penhascos e, farejando o caminho, ergue uma branca poeira de neve: talvez, um mamute de tromba cinzenta, talvez, o vento. Ou talvez o próprio vento seja o rugido gelado de algum mamute mamutesco”.

Aleksandr Grin - Poucas cidades têm uma mitologia tão complexa quanto São Petersburgo-Petrogrado-
Leningrado. Este conto de 1924, “O caça-ratos”, é a contribuição de Aleksandr Stiepánovitch

Grin (abreviação de Grinevski, 1880-1932) à imagem da Petrogrado fantasmagórica, derruída
e zoológica que se sobrepôs, no período pós-revolucionário, à extensa tradição fantástica da
urbe. Nascido em um arrabalde da cidade de Viatka, Grin passou, “gorkianamente”, por
diversos empregos e bicos. Foi preso mais de uma vez por sua atividade política
revolucionária. Embora tenha desfrutado de popularidade considerável no começo dos anos
1920, Grin é aos poucos colocado no ostracismo pelos editores soviéticos, e morre na
miséria. Grin criou um mundo artístico composto por uma linguagem elaboradíssima e por
referências a terras e portos distantes e imaginários. Para muitos leitores russos, Grin está
associado, bem ou mal, a um universo aventuresco juvenil, mas esta definição parece estreita demais para dar conta do estranhamento estético gerado pela sua ficção.
Ariane 23/05/2021minha estante
Coletânea perfeita ??




Radamila 19/10/2020

Gosto bastante do estilo russo, por isso recomendo.
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 10/01/2012

Nova Antologia do Conto Russo (1792 - 1998)
Nova Antologia do Conto Russo (1792 - 1998) - 648 páginas - Editora 34 - Organização de Bruno Barretto Gomide - Tradução de Boris Schnaiderman e outros - Lançamento 2011.

A editora 34 lançou, no final do ano passado, uma Antologia que é um verdadeiro presente para os leitores em língua portuguesa, reunindo autores já conhecidos do grande público, em traduções inéditas e diretas do idioma russo, como Púchkin, Gógol, Dostoiévski, Turguêniev, Tchekhov, Tolstói, Górki, Pasternak, Bábel e Nabókov e também outros francamente desconhecidos como Gárchin, Odóievski, Katáiev, Grin, Chalámov, Kharms e Platónov. Edição muito bem cuidada e que apresenta um resumo de cada conto no contexto histórico em que foi criado, além de introdução de Bruno Barreto Gomide e biografia resumida de cada um dos tradutores.

Uma seleção de quarenta contos, sendo apenas um para cada autor, o que me leva a pensar nas dificuldades do organizador para escolher apenas um conto no caso de autores com uma grande produção e que se tornaram clássicos da narrativa curta como Tchekhov ou Bábel. Um texto nesta Antologia me impressionou bastante, uma abstração literária sobre os últimos dias do poeta Óssip Mandelstam (1891 - 1938), preso durante o regime de Stalin, publicado em 1958 por um autor que eu desconhecia completamente: Varlam Chalámov (1907 - 1982). O conto é uma verdadeira preciosidade que eu não pude deixar de compartilhar e que demonstra o nível desta edição.

Xerez - Um conto de Varlam Chalámov
Tradução de Nivaldo dos Santos

O poeta estava morrendo. As mãos grandes, inchadas pela fome, com dedos brancos e descorados e unhas sujas e quase dobrando de compridas, estavam sobre o peito, sem se proteger do frio. Antes ele as enfiava dentro da roupa, sobre o corpo nu, mas agora ali fazia só um pouquinho de calor. As luvas tinham sido roubadas há tempos; para roubar, bastava descaramento: roubava-se à luz do dia. Um sol artificial e fraco, emporcalhado por mosquitos e preso com um arame curvo, estava fixado bem alto sobre o teto. A luz caía nas pernas do poeta: ele jazia como se estivesse numa caixa, no fundo escuro da parte de baixo de beliches duplos e contínuos. De vez em quando os dedos das mãos se mexiam, estalavam como castanholas e tateavam um botão, uma casa, um buraco no casaco, espanavam algum cisco e paravam novamente. O poeta estava morrendo há tanto tempo que deixou de perceber que estava morrendo. Às vezes, passando por sua mente de um jeito mórbido e quase perceptível, vinha uma ideia simples e vigorosa: tinham lhe roubado o pão que ele colocara sob a cabeça. E aquilo foi um revés tão terrível que ele estava pronto para discutir, xingar, brigar, procurar e provar. Mas não tinha forças para tudo isso, e a ideia do pão enfraqueceu... E agora ele já pensava em outra coisa, que tinham de levar todos ao mar, que o navio atrasara por algum motivo, e que era bom ele estar ali. E desse jeito, leviano e inconstante, ele começou a pensar na grande pinta no rosto do faxineiro do hospital de isolamento. A maior parte do dia, pensou nos acontecimentos que preenchiam sua vida ali. As visões que lhe apareciam diante dos olhos não eram da infância, da juventude, do sucesso. A vida toda tivera de se apressar para algum lugar. É maravilhoso não precisar ter pressa, poder pensar devagar. E, sem pressa, pensava na grandiosa monotonia dos movimentos que antecedem a morte, naquilo que os médicos entenderam e descreveram antes dos pintores e dos poetas. A face de Hipócrates, a máscara do homem antes da morte, é conhecida de qualquer estudante de medicina. Essa monotonia enigmática dos movimentos que precedem a morte serviu de pretexto a Freud para as hipóteses mais ousadas. Monotonia, repetição: eis a base obrigatória da ciência. Aquilo que na morte é único foi procurado não pelos médicos, mas pelos poetas. Era um prazer não ter consciência de que ele ainda podia pensar. A náusea da fome há muito tinha se tornado familiar. E tudo estava em pé de igualdade: Hipócrates, o faxineiro com a grande pinta e a sua própria unha suja.

A vida entrava nele e saía, e ele ia morrendo. Mas a vida aparecia de novo, os olhos se abriam, surgiam ideias. Apenas os desejos não apareciam. Há tempos ele vivia num mundo onde frequentemente era preciso devolver a vida às pessoas: por meio de respiração artificial, glicose, cânfora, cafeína. O defunto ficava vivo outra vez. E por que não ficaria? Ele acreditava na imortalidade, na verdadeira imortalidade do homem. Sempre achara que simplesmente não havia nenhuma razão biológica para o homem não viver eternamente... A velhice é apenas uma doença curável; e, não fosse esse equívoco trágico, e até este momento insolúvel, ele poderia viver para sempre. Ou até que se cansasse. Mas de maneira alguma ele estava cansado da vida. Nem mesmo agora, naquele hospital transitório, a 'tranzitka', como dizem carinhosamente os seus habitantes. Esse lugar era o limiar do terror, mas não o próprio terror. Ao contrário, ali vivia o espírito da liberdade, e isso era sentido por todos. Na frente havia um campo, e atrás, uma prisão. Aquilo era um 'mundo em trânsito', e o poeta entendia isso.

Havia ainda outro caminho para a eternidade, o de Tiútchev:

Bem-aventurado quem visitou este mundo
Em seus instantes fatídicos. (1)

Mas se, como era evidente, não lhe caberia ser eterno numa imagem humana, como unidade física, ao menos ele mereceria a eternidade artística. Chamaram-no de primeiro poeta russo do século XX, e ele sempre achou que realmente o era. Acreditava na eternidade de seus versos. Não teve seguidores, mas acaso os poetas o suportam? Escreveu também prosa, ruim, e artigos. Mas somente nos versos ele encontrou algo novo para a poesia, algo importante, como sempre lhe pareceu. Toda sua vida passada era literatura, livro, conto, sonho; e somente o dia de hoje era vida de verdade.

Tudo isso era pensado não numa discussão, mas em segredo, em algum lugar no fundo de si mesmo. Faltava paixão a essas reflexões. A indiferença o dominara há tempos. Tudo aquilo eram bobagens, 'correria de ratos', se comparado ao peso funesto da vida. Ele ficou admirado: como podia pensar tanto em versos quando tudo já estava resolvido, e isso ele sabia muito bem, melhor do que qualquer um? Quem precisava dele ali, e quem era igual a ele? Por que era preciso entender tudo isso? Ele esperou... e entendeu.

Naqueles instantes em que a vida voltava ao seu corpo e seus olhos turvos e semicerrados começavam a ver, as pálpebras a estremecer e os dedos a se mexer, voltavam também os pensamentos, que ele não achava que eram os últimos.

A vida entrava como uma senhora despótica: ele não a conhecia, e mesmo assim ela entrava em seu corpo, em sua mente; entrava como versos, como uma inspiração. E o significado dessa palavra pela primeira vez revelou-se a ele em toda a sua plenitude. Os versos são aquela força vitalizadora que ele viveu. Precisamente isso. Ele não viveu por causa dos versos, ele viveu os versos.

Agora estava tão visível, tão sensivelmente claro, que a inspiração é que era a vida; diante da morte foi lhe permitido saber que a vida era inspiração, precisamente a inspiração.

E ele se alegrou por lhe ser permitido saber essa derradeira verdade.

Tudo, todo o mundo era era comparado aos versos: o trabalho, o tropel de cavalos, uma casa, uma ave, uma rocha, o amor; a vida toda entrava de forma suave nos versos e ali se dissolvia comodamente. E assim devia ser, pois os versos são palavra.

As estrofes agora também se levantavam, uma após a outra, e embora há tempos ele não anotasse nem pudesse anotar seus versos, todas as palavras se levantavam facilmente num certo ritmo indicado e a cada hora inusitado. A rima era o instrumento de busca magnética de palavras e ideias. Cada palavra era uma parte do mundo, elas atendiam à rima, e todo o mundo passava com a rapidez de uma máquina eletrônica. Tudo gritava: me leve. Não, a mim. Não era preciso procurar nada. Era preciso apenas repelir. Era como se aqui houvesse dois homens: aquele que compõe ,que lançou seu molinete com toda a força, e o outro que seleciona e detém de vez em quando a máquina lançada. E ao ver que ele são os dois homens, o poeta entendeu que agora estava compondo versos verdadeiros. E por que eles não eram anotados? Anotar, publicar: tudo isso é mera vaidade. Tudo que nasce por interesse não é o melhor. O melhor é o que não foi anotado, que foi composto e desapareceu, que se dissipou sem deixar rastro; e somente a alegria criadora, que ele percebe e que não se pode misturar com nada, mostra que o poema foi criado, que o belo foi criado. Não estaria ele enganado? É infalível a sua alegria criadora?

Lembrou-se de como eram ruins, como eram poeticamente fracos os últimos versos de Blok, e de como Blok parecia não perceber isso...

O poeta se obrigou a parar. Era mais fácil fazer isso ali do que em algum lugar de Leningrado ou Moscou.

Deu-se conta, então, de que há tempos já não pensava em nada. A vida saía dele outra vez.

Por longas horas ele permaneceu imóvel, e de repente viu perto de si uma espécie de alvo de artilharia ou mapa geológico. O mapa era mudo, e ele tentava em vão entender a imagem. Passou-se algum tempo até que ele percebeu que eram seus próprios dedos. Nas pontas dos dedos ainda restavam marcas marrons dos cigarros vagabundos fumados e sugados até o fim; nos travesseiros via-se claramente um desenho datiloscópico, como as curvas de um relevo de montanhas. O desenho era idêntico para todos os dez dedos: círculos concêntricos, parecidos com o corte de uma árvore. Lembrou-se de como certa vez, na infância, foi parado num bulevar pelo chinês da lavanderia que ficava no porão da casa onde crescera. O chinês o pegou casualmente por uma mão, pela outra, virou as palmas para cima e começou a gritar excitado alguma coisa em sua língua. Ocorre que ele declarou o menino um felizardo, possuidor de um sinal incontestável. O poeta se lembrou dessa marca de felicidade muitas vezes, sobretudo quando publicou seu primeiro livro. Agora ele se lembrou do chinês sem raiva nem ironia: para ele era indiferente.

O principal é que ele ainda não estava morto. Aliás, o que significa 'morrer como um poeta?' Deve haver algo infantilmente ingênuo nessa morte. Ou algo premeditado, teatral, como foi com Issiénin Maiakóvski.

Morrer como um ator ainda é compreensível. Mas morrer como um poeta?

Sim, ele adivinhava algo daquilo que o esperava adiante. Na passagem, teve tempo de entender e adivinhar muita coisa. E ele ficou alegre, ficou alegre em silêncio por sua impotência, e esperava morrer. Lembrou-se de uma antiga discussão carcerária: o que era pior, mais terrível, o campo de concentração ou a prisão? Ninguém tinha muita certeza de nada, os argumentos eram especulativos, e um homem trazido dos campos para a prisão sorria com certa crueldade. Ele gravou o sorriso daquele homem para sempre, tanto que tinha medo de lembrá-lo.

Imagine com que habilidade ele iria enganá-los, aos que o trouxeram ali, se morresse agora, com dez anos completos. Alguns anos atrás ele esteve no exílio, e sabia que fora inscrito nas listas especiais para sempre. Para sempre?! As escalas se alteraram, e as palavras mudaram de sentido.

De novo ele sentiu o afluxo inicial das forças; exatamente um afluxo, como o mar. Um afluxo de muitas horas. Depois, um refluxo. Mas o mar não sai de nós para sempre. Ele ainda vai se restabelecer.

Subitamente ele quis comer, mas não tinha forças para se movimentar. Lembrou-se, lentamente e com dificuldade, de que dera a sopa do dia ao vizinho, que uma caneca de água fervente fora seu único alimento nesse último dia. Além de pão, é claro. E o pão fora distribuído há muito, muito tempo. E o da véspera tinha sido roubado. Alguém ainda tinha forças para roubar.

E assim ele permaneceu deitado, de um jeito leviano e irrefletido, até que a manhã chegou. A luz elétrica ficou um pouco mais amarela, e trouxeram pão em grandes bandejas de compensado, como faziam todo dia.

Mas ele já não se importava, não procurava cascas de pão, não chorava quando não lhe sobravam essas, não enfiava um bocado na boca com dedos trêmulos, e o bocado derretia instantaneamente, suas narinas se inflava, e ele sentia com todo o seu ser o gosto e o cheiro de pão de centeio fresco. Mas esse bocado ele já não tinha na boca, embora não tivesse tempo de engolir ou mexer a mandíbula. O pedaço de pão tinha derretido, sumira, e isso foi um milagre, um dos muitos milagres dali. Não, agora ele não se importava. Mas quando lhe meteram nas mãos a sua cota diária, ele a envolveu com seus dedos sem cor e apertou o pão contra a boca. Ele mordia o pão com seus dentes infeccionados; as gengivas sangravam, os dentes quase caíam, mas ele não sentia a dor. Apertava o pão contra a boca com todas as forças, enfiava-o na boca, mordia-o, rasgava, roía...

Os vizinhos o detiveram:

- Não coma tudo, é melhor terminar depois, depois...

E o poeta entendeu. Arregalou os olhos, sem deixar cair dos dedos sujos e azulados o pão ensanguentado.

Ao anoitecer, ele morreu.

Mas deram baixa dois dias depois. Seus engenhosos vizinhos conseguiram, durante a distribuição de pães, receber por dois dias a cota do defunto; e este erguia a mão como uma marionete. Portanto, ele morreu antes da data de sua morte, um detalhe bem importante para seus futuros biógrafos.

(1) Versos de "Cícero", do poeta e diplomata Fiódor Ivánovitch Tiútchev (1803 - 1873). (N. do T.).
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Jose 25/06/2020

Um comentário
Foram quase quatro meses na companhia desse livro, um conto por dia. Como faltavam só cinco resolvi liquidar de vez.

É uma obra bastante importante pra conhecer num panorama geral a literatura russa. Tem autores aqui que desejo conhecer mais e outros que quero passar bem longe.

Um livro desses é um investimento e tanto, recomendadíssimo. Três estrelas e meia por conta da variedade do conteúdo.
Andressa M 25/06/2020minha estante
Gosto de antologias pelo motivo que você citou, que é conhecer diferentes autores. Esse está na minha listinha. :)


Jose 25/06/2020minha estante
Muito, muito bom mesmo. Só o último conto que me deixou de cabelo em pé, podia ter terminado com um mais entendível, suave e menos duro, mas...
Russos são imbatíveis na literatura, não tem jeito.




Gabi 26/02/2020

Indicado para quem quer conhecer novos escritores russos
Uma ótima oportunidade para quem quer conhecer diversos escritores russos e, assim, fugir do óbvio Dostoiévski-Tolstói. Conheci escritores que não pensei conhecer graças a esta generosa antologia.
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Aécio de Paula 11/01/2020

Nova Antologia do Conto Russo - Editora 34
São 20 contos da literatura russa. Alguns autores conhecidos, como por exemplo, Dostoievski, Tolstói, Tchekhov, Turgueniev, Púshkin. Outros desconhecidos, acho que pelo menos aqui no Brasil, Odoiévski, Garchin,Paustóvski etc. Alguns ótimos, outros tediosos. Vale a pena ler esse livro.
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Jonathan 25/12/2013

Até agora meu conto preferido foi Quatro Dias de Vsiévolod Gárchin, que é um relato dos pensamentos de um soldado russo que, após ser ferido, fica abandonado em meio ao campo de batalha agonizando. A história é fantástica e deixa o leitor até certo ponto chocado. Através dos pensamentos da personagem, o autor posiciona-se de forma a expressar uma opinião bastante negativa da guerra: a saudade de casa e da família, o arrependimento por uma morte injustificada, a dor física e o tormento psicológico... A iminência da morte proporciona questionamentos a respeito do sentido da vida, quais valores são importantes e, ao mesmo tempo, o instinto de sobrevivência impõe-se, na imagem da necessidade de água para matar a sede e do desespero de se fazer notar como sobrevivente em meio aos mortos, quando o socorro está próximo. O final é magistral e merece que seja transcrito aqui:
'-Bem, Deus é misericordioso, meu jovem! Você vai viver. Tiramos apenas uma perninha sua. Bem, mas isso é uma bobagem. Pode falar?
Posso falar e contar a eles tudo o que está escrito aqui.' pág. 188.

Outro conto que acabei de ler e que me marcou bastante é Luz e Sombras de Fiódor Sologub. Um representante do gênero do simbolismo na antologia, conta a história de um menino de 12 anos que torna-se obcecado pela brincadeira de formar sombras com as mãos contra uma parede. O garoto vive com a mãe, viúva que dedica-se em tempo integral ao filho. Ela se preocupa com o andamento do garoto nos estudos e desde o início não aprova a brincadeira do garoto. No final, ambos acabam dominados pelas sombras ao seu redor, de forma hipnótica e num quase transe se entregam à fantasia. É inevitável tentar interpretar uma possível metáfora representada pela brincadeira e pelo conceito de sombra representado aqui. Como li um pequeno prefácio para o conto na antologia, no qual apresenta a temática da história como sendo a corrupção da inocência infantil, de início imaginei se tratar de uma analogia à masturbação. Porém, como a própria mãe acaba por se entregar à obsessão do filho, logo acabei por relacionar as sombras que perseguem a família com as lembranças do pai falecido. É um conto lindo e bastante tocante, me deixou bastante pensativo e melancólico, espero me encontrar com os textos do autor em outras oportunidades.

O terceiro conto que me chamou bastante atenção foi A Caverna (1920) de Ievguêni Zamiátin, que considerei uma verdadeira obra prima. Neste conto bastante expressionista e com uma linguagem até mesmo psicodélica — "A janela aberta, o céu verde[...]" — senti dificuldades em determinar o tempo em que se passam os fatos — se na era pré-histórica, no presente ou em um futuro pós-apocalíptico — e até mesmo se o ambiente aqui retratado é situado em uma caverna ou em um arranha-céu.

Merecem menção também como contos excelentes nesta antologia "O caça-ratos" de Aleksandr Grin, "O vadio Eduard" de Valentin Katáiev e, por sua afiada crítica ao modelo político soviético, destaco "Makar, o duvidador" de Andrei Platónov. Por fim, o mais recente conto da antologia, "Um mês em Dachau" (1998) de Vladímir Sorókin oferece uma literatura bastante experimental e polêmica, que eu muito bem poderia classificar dentro do gênero cinematográfico gore, ao retratar imagens de tortura e canibalismo dentro de um campo de concentração Nazi - impossível de ler sem sentir-se abalado.
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Lima Neto 15/01/2012

sempre muito difícil fazer uma avaliação de um livro como esse, tão amplo e diversificado, com tantos estilos, formas e objetivos.
são 40 contos de 40 autores diferentes, e nos é apresentado um panorama bem mais amplo da literatura a que estamos normalmente acostumados. encontramos, óbvio, autores consagrados que não podiam faltar, como Tchekhov, Dostoievski, Tolstoi, Gorki, Turgueniev, Puchkin, Pasternak... mas talvez a maior surpresa desse livro sejam os menos conhecidos para nós. há alguns menos conhecidos, que tem um ou outro livro publicado (ou história - conto - em alguma coletânea) no Brasil, como Andreiev e Liermontov.
numa antologia como essa, nós, apaixonados por literatura russa, já iniciamos a leitura com uma enorme expectativa, pelas descobertas dos novos autores ou de histórias desconhecidas daquele nosso autor favorito, e acabamos nos surpreendendo com uns e até mesmo nos decepcionando, de certa forma, com outros. o conto de Gárchin, por exemplo, é muito forte e impactante, que fica na cabeça (e na alma) do leitor por dias a fio, em contrapartida, o de Puchkin decepciona, talvez pelo estilo (por se tratar muito mais de um "diário de viagem" do que literatura propriamente dita), o de Tchekhov (sempre Tchekhov) é indiscutível, pois na arte como contista ele é uma referência para a literatura russa e mundial, já Dostoievski me decepcionou um pouco, talvez por que ele seja o que é, seu nome seja tão respeitado por sua obra mais extensa e complexa, como romances e até novelas (como contista, talvez, ela tenha ficado devendo), o conto de Karamzin é muito forte (e excepcional), muito bons mesmo os de Sologub, Kataiev, Leskov, Kuprin, Bunin, entre outros; com alguns eu me decepcionei, confesso, por ter esperado algo mais, algo diferente do que encontrei nessa antologia, como Pasternak e Nabokov, e me deliciei com outros "ilustres desconhecidos".
a leitura desse livro, apesar de tão diferente, de surpresas e algumas poucas decepções, vale, e muito, a pena. é um livro ímpar, única, de uma amplidão e diversidade excepcional, que o leitor deve ler (se deliciar) da primeira à última página, ou, melhor dizendo, do primeiro ao último conto.
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Renata630 03/03/2018

Com organização, apresentação e notas de Bruno Barreto Gomide, a Antologia de Contos Russos contém em seu interior os principais nomes da literaturas, tais escritos foram criciais para a construção da literatura Russa Nacional.
O que mais é interessante, além dos contos, são as notas que nos traz à luz pequenos comentários sobre os escritores e a importância dos contos apresentados na Antologia.
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Elizandra 13/10/2016

Os russos nasceram para escrever
São no total 40 contos muito bem escolhidos que mostram a força da prosa russa. É uma oportunidade para os interessados pela literatura daquela nação conhecerem diversos grandes autores que fizeram e têm feito história na Rússia, e alguns deles, dada sua importância, que fazem parte da história da literatura mundial.
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