Andreia Santana 15/10/2011
O amor nos tempos do cólera: o livro e o filme
O amor nos tempos do cólera é um dos meus livros favoritos de toda a bibliografia de Gabriel Garcia Marques. Embora escolher o melhor romance da vasta produção de GGM seja muito difícil, esse é um dos que mais gosto, ao lado de Crônica de uma morta anunciada e do clássico Cem anos de solidão.
A primeira conclusão a que cheguei quando li o livro, alguns anos atrás, era de que detestava Florentino Ariza. Acho que sentia por ele a mesma repulsa que Fermina Daza. Um amor tão servil, uma devoção tão obssessiva não são motivo de orgulho para uma mulher independente! Lógico que, nenhuma quer ser desprezada, mas ser amada como “deusa coroada” é um fardo. Ninguém é perfeito, todos tem bons e maus momentos. Mas o amor servil de Florentino na sua juventude era irritante. Quando alguém se humilha tanto por amor e ainda por cima sem esperar nada em troca, não parece humano. Não me parecia na ocasião. E Florentino, com suas cartas, sua paixão recolhida, sua falta de coragem de conquistar Fermina e sua lista de mulheres a quem levava para cama enquanto esperava o marido da sua amada morrer, me enojava. Ele era grudento demais, socorro!
Mas Gabriel é sábio, ele conduz os leitores, principalmente as leitoras, para uma armadilha: no final, todas gostariam de ter tido um Florentino Ariza em suas vidas. E nos pegamos apaixonadas por ele. Na velhice, Ariza é tão digno, já não parece tão apagado, sem sombra, sem alma.
No Cinema - Assisti ao filme baseado no romance de GGM recentemente. E pretendo reler o livro. Talvez agora, mais madura, quando li a primeira vez era muito nova, já não sinta tanta repulsa por um amor devotado e alucinado como o de Ariza. Com a idade vem a compreensão de que o amor tem formas e formas de manifestar-se. E Ariza, ao permitir que Fermina vivesse toda uma vida que era só dela, para finalmente, mais de 50 anos depois, viver o que restava da vida ao lado dele, foi generoso. A generosidade é uma prova de amor que comove depois que a gente abandona a impetuosidade da juventude.
No ano de lançamento do filme, 2007, não fui ao cinema assistir. Também não li as críticas. É uma das minhas birras pessoais. Quando se cria expectativa demais sobre alguma coisa, eu ignoro. Só mais tarde, depois que a poeira baixa, me permito contemplar e tirar minhas próprias conclusões. O amor nos tempos do cólera foi mais que badalado, Fernanda Montenegro vivia a mãe de Florentino, que por sua vez foi interpretado pelo novo latin lover Javier Bardem. Gosto do Bardem de Mar adentro, Lunes al sol, e No country for old man (Onde os fracos não tem vez). Acredito que ele podia riscar algumas coisas do currículo como o padre herege de A sombra de Goya.
O filme tem uma fotografia belíssima, os cenários são deslumbrantes. O diretor tentou ser o mais fiel possível à história – tarefa inglória, porque deve ser muito complicado roteirizar a narrativa de GGM -, mas cometeu a heresia de não filmar na língua de Cervantes, a mesma em que escreve Gabriel. Um filme baseado em romance de um escritor colombiano e gravado em inglês, ainda por cima com sotaque portenho?! Fiquei frustrada. O inglês não combina com a passionalidade da história. Assim como os modos de dândi do doutor Urbino, o marido de Fermina, também não.
Estamos na Colômbia, na América Latina selvagem e miserável, assolada pela cólera e pela pobreza, explorada por algumas poucas companhias inglesas ou americanas, mas a população habla espanhol! Os romances de GGM tem essa força, esse arrebatamento típico, mas o filme passa ao largo. Javier Bardem, que é um ator competente, até faz um bom Florentino Ariza, mas na minha imaginação, o personagem é menor, mais delicado, quase incorpóreo, enquanto Bardem é um homem enorme, com um rosto muito marcante para passar despercebido.
Fermina Daza, em certo momento, define Ariza como a sombra de um homem. Dificil pensar em Javier Bardem como a sombra de um homem. Já Benjamim Bratt, que vive o marido de Fermina, no romance é um homem forte, rico, bem-sucedido, viril e é essa força dele, em contraste ao perambular incerto de Ariza pela vida, que conquistam a mocinha. Sendo que no cinema, a atriz que faz Fermina Daza é delicada demais para viver uma das mulheres fortes criadas por GGM.
O filme não é de todo ruim, tem momentos muito bons. Mas o livro é infinitamente superior, é a magia latina de Gabriel.