Ayla Cedraz 26/09/2023
"eu": palavra impura
Considero saramago um de meus escritores favoritos. independente da trama, há nos livros dele uma forma única de falar do mundo, das pessoas, das relações e tudo o que faz da vida a vida. ele consegue falar do impalpável (ao menos, me parece, impalpável para a maioria de nós) como ninguém.
mas esse livro me custou na proximidade. eu não conseguia evitar o sentimento de estar diante de um vazio não contemplativo. coisas aconteciam, mas, para onde ia tudo aquilo? o que me causava? as personagens também não me tocavam, pareciam representar numa distância absurda (tirando, talvez, uma certa personagem feminina).
nas últimas páginas, entretanto, fui encontrando uma espécie de reconhecimento (o eu em relação à coisa, é sempre assim, e é difícil se livrar disso). cheguei a encontrar no livro relações com fatos da minha própria vida (aleatoriedades como uma apresentação que teria de fazer na pós-graduação, no dia seguinte, uma peça a que havia assistido no mesmo dia), e ao final considerei (afinal, é saramago) uma boa leitura, talvez uma releitura de uma futura versão minha, uma mais madura, que diga com mais firmeza: "eu", essa palavra difícil e tão diluída.
finalizei a tal apresentação com um trecho do livro:
"diz-se que só odeia o outro quem a si mesmo se odiar, mas o pior de todos os ódios deve ser aquele que leva a não suportar a igualdade do outro, e provavelmente será ainda pior se essa igualdade vier a ser alguma vez absoluta".