Marcos Pinto 16/09/2016O Brasil e as suas facesDesde o seu lançamento, Cobra Norato é visto como um dos melhores poemas épicos da literatura brasileira. O motivo para tal é o bom trabalho com o verso, o tema intrínseco à nossa cultura e a qualidade das figuras de linguagem utilizadas. Esse conjunto gera mais do que uma boa poesia, mas um trabalho com a cara do brasileiro, algo que era um dos grandes ideais da Semana de Arte Moderna.
Logo no início da obra, acompanhamos o eu lírico se aproximar da serpente e brincar com ela de amarrar uma fita no pescoço. Contudo, o que acontece é um estrangulamento e o eu lírico toma posse do corpo da serpente, podendo caminhar pela florente em busca da filha da rainha Luiza, com quem ele desejava se casar.
Contudo, como em todo poema épico, a jornada não pode ser tão simples. Para conseguir o que deseja, “antes tem que passar por sete portas / Ver sete mulheres brancas de ventres despovoados / guardadas por um jacaré”. Cumprindo todas as provas, Norato poderá, então, alcançar o seu grande objetivo.
“Bocejam árvores sonolentas / Ai que a noite secou. A água do rio se quebrou / Tenho que ir-me embora / Me sumo sem rumo no fundo do mato / onde as velhas árvores grávidas cochilam / De todos os lados me chamam/ – Onde vais Cobra Norato?” (p. 19).
Partindo dessa premissa, Raul cria uma grande ode à nossa cultura. Por ter uma riqueza vocabular e de costumes, objetivando um transporte do leitor através das palavras, ler Cobra Norato tornar-se um verdadeiro mergulhar na selva, sentir na própria pele todas as sensações do réptil. A cada parte da poesia, o leitor é convidado a conhecer um pouco mais sobre a natureza do seu país e da sua cultura.
Para que isso aconteça, Raul Bopp se utiliza de uma série de expressões e palavras regionais, o que pode causar uma certa dificuldade na leitura, contudo, não é nada que um leitor verdadeiramente interessado em desbravar a obra não possa superar. Afinal, são esses termos que ajudam na verossimilhança e na construção tão natural da obra.
O mais interessante é a utilização que Bopp faz do mito original. Apesar de buscar a essência nos contos amazônicos e pincelar toda a obra com a cultura da região, o livro também guarda pontos peculiares, únicos, tornando a leitura uma descoberta agradável. Ou seja, mesmo que o leitor conheça o conto original, poderá se surpreender com a escrita de Bopp e com a construção do enredo.
“Acordo / A lua nasceu com olheiras / O silêncio dói dentro do mato” (p. 32).
Como todo épico clássico, Cobra Norato é construído em versos. Contudo, aqui não temos uma versificação rígida, quase engessada, como encontramos em muitas obras do estilo. Bopp, que acreditava nos ideais da Semana, traz para a obra uma leveza e uma não rigidez nos versos. Ou seja, a qualidade da obra está mais na construção do enredo, no trabalho vocabular e das metáforas do que na construção métrica dos versos. Isso, sem dúvidas, aproxima o livro de um público que tenha menos costume de ler livros clássicos.
A parte física, por sua vez, não fica devendo em nada para a construção da obra. A capa está maravilhosa e reflete muito bem o que encontraremos no livro. A diagramação está muito boa, contando com diversas ilustrações que apresentam as situações vivenciadas por Norato. Para complementar, temos uma revisão excelente.
Em suma, Cobra Norato é mais do que um poema épico ou expressão de um movimento literário, é a personificação da nossa cultura em versos, da nossa cara em palavras. É uma obra que merece ser conferida por sua beleza e amada por sua expressividade. Para quem gosta de uma literatura nacional realmente brasileira – e não daquela imitação de padrões americanos produzidos no Brasil –, esse livro será uma excelente descoberta.
“Noite está bonita / Parece envidraçada” (p. 56).
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http://www.desbravadordemundos.com.br/2016/09/resenha-cobra-norato.html