Sheila 01/02/2012Resenha: "Noite Sem Fim - O Além Mar" (Roberto Pellanda) Segundo as sinopses do livro, "A Vila é um lugar onde é sempre noite". Somente isso já bastou para aguçar minha curiosidade em desvendar o por quê desta noite sem fim (com o perdão do trocadilho) na qual desenrola-se a trama do livro.
Já de início somos apresentados ao personagem principal, Martin, um adolescente de 14 anos que tem dificuldade em entender as normas que regem a pequena sociedade onde cresceu. Neste lugar, onde as únicas luzes são as proporcionadas pelos lampiões e "sol" não é um conceito estabelecido, imperam normas rígidas, ditadas pelos Anciãos, que desde tempos remotos repassam a poucos escolhidos - e futuros Anciãos - o que encontra-se escrito nos livros da Criação, vedado a todos os outros.
Uma dessas Leis inclui viagens semestrais de homens para o "Além-Mar" - de onde na maioria das vezes estes nunca voltam - para as quais não existe explicação e não se permite questionamentos. É algo que simplesmente é. Além disso, a Vila é limitada por uma cerca que nunca deve ser transposta, às custas de o transgressor ser punido de forma extremamente severa caso se aventure a tal.
Martin, com a partida recente do pai em um destas viagens sem volta, passa a morar com seu tio e primo, com quem possui uma convivência conflituosa, e acreditar que há na partida de seu pai - voluntária, e não imposta como à maioria - muito mais do que se imagina. Começa a questionar-se fortemente a respeito de algumas destas leis tão absolutas e certezas que regem esta pequena cidade com aspecto medieval.
"Na verdade, ninguém na Vila (com exceção daqueles que iam para Além-Mar) conhecia qualquer outro lugar. os Anciãos, aqueles que supostamente sabiam de tudo, afirmavam com veemência que a Vila era única no universo. Eles diziam que era por isso que os navios que se afastavam muito jamais retornavam: eram engolidos pelo vazio".
Mas ha outras coisas piores que o vazio para aqueles que partem: há os seres que não devem ser nomeados, que mantém a cidade em uma clima de alerta constante, além de uma misteriosa névoa que aparece na Vila de tempos em tempos e parece tragar consigo uma boa parte de seus cidadãos, de forma aparentemente aleatória - tendo a mãe de Martin desaparecido numa das vezes em que esta surgiu.
Junto com seus amigos Omar, que trabalha com o pai em uma padaria, e Maya, cuja família trabalha com livros, Martin embarca em uma busca pela verdadeira história de seu pai, intimamente relacionada à busca pelas origens dos costumes e Leis dos Anciãos, o que parece estar encerrado em livros proibidos há muito tempo pelo regime vigente.
"Os livros à venda eram todos aprovados pelos Anciãos, que antes os examinavam e diziam se eram seguros ou não para a população. Martin nunca compreendera aquela censura e sempre se perguntara de que forma um livro poderia ser 'não seguro' para alguém".
Bom, eu acabei batendo um recorde particular com esse livro - li todas as 300 páginas em menos de 1 dia - e quase gritei de frustração quando terminei. Afinal, ele é apenas o primeiro volume, e por mais que muitos dos mistérios que envolvem a Vila sejam decifrados, ficam ainda muitas perguntas e questões por esclarecer (e que eu não vou contar quais são, vocês terão que ler!).
Lendo o livro, não tive como não me remeter a Harry Potter, J. K. Rowling - os três amigos, órfão, nomes impronunciáveis e outras coisas que deixarei para vocês descobrirem. Além disso, para quem viu o filme A Vila (The Village) escrito e dirigido por M. Night Shyamalan, há muita semelhança na demarcação imaginária dos limites desta cidade, o protecionismo paterno representado pelos Anciãos, e a coerção da vontade pela junção da inocência/ignorância que produzem medo.
Em resumo: eu achei um livro maravilhoso, bem escrito, envolvente e cativante pela forma como pode ser usado, ao olhar mais atento, como uma metáfora para o verdadeiro sentido da palavra Política e Poder. Recomendadíssimo.
http://www.dear-book.net/2012/02/resenha-noite-sem-fim-o-alem-mar.html