Lane 05/09/2012A Rosa Branca Rebelde Magnífica!
Esta obra é uma ficção baseada em fatos reais, relata a história de Anne Farquharson, por isso ela é muito mais que um romance histórico.
Enganam-se quem pensa que ao termino dela sentirá certa tranqüilidade, a primeira vista pode parecer um drama que retrata a insurreição jacobita, porém seu poder vai além das lágrimas.
Acredito que o objetivo da autora era homenagear a Escócia, utilizando como elemento principal a atuação das mulheres desta grande nação.
Dentro deste contexto, somos apresentados a Anne Farquharson, a protagonista, a heroína, a mulher que nos leva a percorrer o seu mundo, sua humanidade, o seu país, a metabolizar seus sofrimentos, a encarar junto com ela os preconceitos dos homens, a se revoltar diante das atrocidades da natureza humana, a explorar suas fragilidades como mulher.
Com Anne evocamos a coragem, mas o que é mais difícil de imaginar acontece: apaixonamos-nos e simplesmente nos tornamos defensores da Escócia.
Anne é uma guerreira, criada nas Terras Altas, lugar montanhoso da Escócia, considerado o covil nascente dos highlanders, antigos guerreiros pertencentes a grupos comunitários denominados clãs.
Os clãs eram facções familiares, precedentes da cultura celta que através de um esquema de juramento prestavam contas e obedeciam a um chefe eleito por eles mesmos e que determinava, assim como tinha a obrigatoriedade de cuidar de seu povo.
Anne tem personalidade forte, é teimosa, determinada, bondosa, longe de ser parecida com qualquer personagem literário, Anne é única.
*Devo confessar sem pretensão alguma que tive raiva e revolta da Anne, praticamente em 80% da leitura desta obra. Estabeleci uma imagem machista sobre ela, julgando seu comportamento, suas atitudes e suas decisões.
E foi através dela, que meu lado machista, tão acostumado a viver no fundo de mim mesma emergiu destacando-se com seu formalismo errôneo, tentando equivocadamente me enganar, convencendo-me que atualmente a mulher não vive de representações e que temos direitos iguais aos homens e somos mulheres livres de julgamentos.
Adulando-me dessa maneira constante, eu pude perceber que ele me privava de ver que estou a tanto tempo familiarizada com este simbólico discurso social.
Não quero levantar nenhuma bandeira feminista, só quero extrair a essência colateral desta obra magnífica.
A obra se fundamenta em 3 eixos: Político, Aspecto sobre as Mulheres e a Escócia ( pode ser que haja alguém que me questione depois, porque não coloquei aqui o romance como um eixo principal. Eu explico: senti que a parte romântica da história sendo mais como um pano de fundo).
Em um universo de guerra, a autora Janet Paisley, conseguiu construir uma atmosfera bem real da política da época.
Por meio deste cenário, ela revelou os bastidores históricos, retratou os momentos das batalhas (que foram muitas), pautou situações de rebeliões, descreveu a trajetória de um povo que sofria abusos através de impostos cobrados por outra nação dominadora, mostrou e demonstrou a fé, a esperança de um povo que colocou toda a sua confiança em um príncipe mimado e inseguro [Charles].
Através de seu olhar, também podemos observar a influência da religião vinculada à guerra. Não existe simbiose entre o Catolicismo e o Protestantismo, ambos relacionam-se como razões de conflitos.
Enveredados em sua narrativa mórfica, também descobrimos o destino de uma nação que lutou até o fim pelo seu direito de liberdade, conhecemos todas as dificuldades encontradas por um país sediado por outro. Vimos o desespero de um povo que lutou pra manter seus costumes, suas leis e sua cultura.
A autora simplesmente usou a guerra como tema para relatar a violência, a agressividade e o poder descontrolado do homem [ser humano], exibindo assim, a sua importância no contexto histórico para a atualidade.
As conseqüências descritas por ela no livro são cruas, desconfortáveis para o leitor, ela nos leva a vivenciar um calvário agonioso nos remetendo a lembrar da carnificina que houve em Culloden.
Por isso não espere piedade da parte dela.
Eu me comovi e me revoltei ao mesmo tempo.
Contrastando com este cenário, somos carinhosamente envolvidos num país chamado Escócia. Uma nação de guerreiros, repleta de princípios, tradições e cultura celta. O gaélico ainda é utilizado como uma língua predominante, mas infelizmente acompanhamos o inicio do seu declínio.
O texto é altamente completado com expressões gaélicas que enriquecem bastante o conto.
Na edição que eu li foram inseridos páginas extras no final do livro, contendo os significados das expressões usadas no texto.
A cultura celta é vislumbrada pelo leitor nas várias descrições de ritos festivos, na alegria do povo, na determinação das mulheres, no misticismo de objetos, no canto da gaita de foles, no som marcante dos tambores de guerra.
A estética do país é algumas vezes descrita cinzenta e outras vezes colorida.
A escrita da autora se torna poética quando ela reverencia a natureza com tanta intensidade que a leitura se torna atemporal. As letras se movimentam em imagens e temos a nítida impressão de sermos figurantes e passamos a viver as transformações das estações junto com o enredo e os personagens.
É difícil descrever a importância das mulheres dentro desta história ficcionalmente re-contada. Desde o início, nos agradecimentos dados pela autora somos apresentados a elas através de uma citação de Lorde Cockburn. Percebemos então que desde cedo elas são um personagem especial nesta trama.
Basicamente somos envolvidos em suas teias nas formas de mãe, filha, mulher, esposa, companheiras de batalha, amigas solidárias e até mesmo como rivais.
Elas dominam o enredo, sua relação com a história vai além da personagem Anne.
Na verdade convivemos com elas em seus momentos de sedução, prazer, rejeição e frustração. Compartilhamos de suas gargalhadas, dos seus choros e de suas culpas.
O sexo feminino na Escócia vem de origem celta, na história as mulheres são tratadas como iguais pelos homens, respeitadas por suas limitações e homenageadas por sua natureza fértil.
Elas são mulheres todo o tempo, e quando você acaba a leitura deste livro, simplesmente compreende que hoje em dia ainda vivemos no submundo da submissão.
Na leitura desta obra presenciamos o preconceito, que muitas de nós ainda insistimos em colocar de escanteio nas nossas relações, com o objetivo de esconder a posição que a mulher ainda ocupa na sociedade. Não dá pra tampar o sol com peneira, somos tratadas de forma distorcida pelo sexo oposto.
Uma amostra do posfácio:
“(...) O mito gerado pela história de que o homem fez o mundo e a mulher sofreu por ele é evidentemente falso e um desserviço para os dois gêneros. Homens e mulheres fazem a história juntos, cooperando um com outro para defender a sociedade que criaram, não importa qual seja (...)”
A história também possui romance. Sim, ele existe.
Nossa heroína, Anne é uma mulher jovem e bonita. Ela tem um relacionamento quase fraternal desde a infância com MacGillivray, um homem galante e encantador. Mas ela se casa com Aeneas McIntosh, chefe do clã que ela vive.
Aeneas é um homem com ideais políticos diferentes da Anne.
Os dois homens a amam profundamente, e Anne, com sua maneira característica também sente um complexo afeto por eles.
O drama que envolve o trio é complicado para o leitor tomar partido. Há várias escolhas, muitas decisões, algumas prioridades.
Como leitora me senti expectadora a maioria do tempo, embora entendendo os motivos de cada um, torci pro MacGillivray ao mesmo tempo em que torcia por McIntosh. Desejei muitas vezes que os dois descem um “pé na bunda” da Anne [meu lado machista], e em outras cheguei a torcer pra um terceiro [quase impossível na trama].
Mas alguém teria que decidir: Anne, MacGullivray, McIntosh ou o destino? Quem ganhou ou perdeu? Ou nesta história de amores não houve ganhadores?
Só lendo pra descobrir... (risos).
Há outros personagens secundários, assim como alguns personagens históricos inseridos. Todos possuem sua valorização e a autora não deixa de produzir suas simpatias e suas antipatias dentro da trama.
O destino de cada um é pormenorizado e reforçado no final.
**É preciso dizer que houve um desleixo na edição brasileira em relação à revisão. Há muitos erros, que se o leitor não for bem atento, ele acaba perdendo o entendimento de uma frase ou expressão.
Não comparei com a edição original, então não saberei dizer se houve alguma alteração na tradução.
Em relação às palavras de baixo calão só observei uma em todo o texto, e minha sensibilidade é indiferente quanto a isso.
A história da Coronel Anne Farquharson, a lady McIntosh merece ser lembrada e lida. Recomendo com certeza.
Avaliei com 5 estrelas.
Editada em 5/09/2012