vininho 24/01/2023
"Como pode um homem, aos cinquenta anos, abandonar a família, a casa, os hábitos de toda uma vida, os conhecidos antigos, para vagabundear pelas ruas, beber nos botequins baratos, frequentar o meretrício, viver sujo e barbado, morar em infame pocilga, dormir em um catre miserável?"
Em A Morte e a Morte de Quincas Berro D'água, acompanhamos o dia da morte do protagonista. Seu funeral, levanta questões acerca do tratamento que damos ao falecido, ao depender de sua vivência. Quincas não seguiu, definitivamente, aquilo que a sociedade espera que um homem de honra, pai e marido viva durante sua vida - ele se aventurava há 10 anos nas ruas da cidade, convivendo com uma "sociedade da noite", bebendo e curtindo prazeres não associados a pessoa de bem. Por isso, seus familiares se envergonham de compartilharem sangue com esse ser humano que não pode ser mais reconhecido com aquele do passado.
Ainda, entendo as dores de Valda, por sentir que seu pai abandonou ela e sua mãe (ou pior, trocou elas para estar com "a sociedade daqueles maltrapilhos"), criando muito sofrimento para as duas, porém, não posso dizer que sua dor seja inteiramente por isso, mas sim, por sua mentalidade de que o homem perdera-se nessa vida ignóbil - mesmo que, em texto, tenha inúmeras passagens que afirmam a bondade genuína de Quincas. Por conta disso, várias perguntas foram surgindo nos meus pensamentos conforme a leitura avançava, como o que seria necessário para sermos lembrados com dignidade, honra e carinho após a nossa morte. Precisamos nos anular e atender as expectativas alheias para atingirmos essa conquista?
Ao final, vemos Quincas, novamente, aproveitando a sua vida - ou, nesse caso, a sua morte! O personagem se nega a voltar a terra que todos nós saímos, sem antes fazer uma festa para sua despedida, com seus amigos, amores e companheiros. E, no fim, ele prefere a liberdade e a imensidão do mar, do que o caixão, a cova e o verme que iria decompor seu corpo. Uma última observação, ainda, é que, além de tudo, essa foi minha primeira leitura de uma obra escrita por Jorge Amado, e já me encontro extremamente interessado por sua carreira, após ler a cronologia de sua vida e arte. Mal posso esperar para ler mais livros desses autor, que tanto despertou minha curiosidade com uma novela de menos de cem páginas.