Kath 18/01/2023
O manual de como ser falso às últimas consequências
Depois de explorar a vingança em Hamlet e a cegueira do poder em Macbeth, Shakespeare explora outro lado da psique humana ao externalizar, através de Otelo, o ciúme incitado pelo ódio de um dos seus homens de confiança: Iago.
A peça começa com o "honesto Iago" maldizendo seu general por ter preterido Micael Cassio como tenente ao invés dele, deixando-o no posto de alferes que tanto odeia. Ele trama juntamente com Rodrigo contra o mouro, aproveitando-se da paixão deste por Desdêmona, a filha única do senador Brabâncio que se casara secretamente com Otelo. Incitando o senador contra o general, este o leva à juízo afirmando que ele havia enfeitiçado sua filha, até então moça recatada que dispensara todos os pretendentes que a cortejaram (se eu senti um pouco de preconceito aqui? Senti, mas impressão minha) e jamais aceitaria a corte do mouro.
Nisso, o dodge convoca a própria para dar seu depoimento e ela conta que as palavras de Otelo são verdadeiras, os dois se casaram secretamente porque ela se apaixonou por ele, pelas histórias de suas aventuras nas diversas batalhas que enfrentou. Assim, não resta a Brabâncio outra alternativa além de engolir o casamento da filha contra sua vontade e sob ordem do dodge. Com a ameaça do ataque otomano, Otelo é enviado à Chipre para combater as forças inimigas e envia a esposa com Iago, seguindo na frente com Cassio.
Iago, vendo que seu primeiro plano falhou, começa a arquitetar outro usando ainda Rodrigo como muleta, decide incitar em Otelo a desconfiança de que sua esposa é amante de seu tenente. Enquanto maquina isso, começa a arrancar dinheiro de Rodrigo sob o pretexto de presentear Desdêmona e conseguir-lhe favores para ele. Chega ao 🤬 #$%!& mulo de usar a própria esposa, sem que esta saiba, para seus propósitos uma vez que ela é a dama de companhia de Desdêmona na viagem.
Cada vez mais desconfiado e cegado pelo ciúme doentio, Otelo começa a destratar a esposa sem que esta nada entenda, enquanto Iago aprecia os frutos da sua crueldade. Mas uma pequena parte do seu plano acaba falhando, infelizmente não impedindo o desfecho trágico dos personagens.
Essa peça é o verdadeiro manual do intrigante e percebi como Shakespeare era irônico ao salientar, diversas vezes, nas falas dos personagens sobre como Iago era "honesto" enquanto este tramava com sordidez nas costas de todo mundo, inclusive da própria mulher, a quem só tratava mal. Também percebia como a mulher era representada como um objeto descartável e cuja palavra não tinha muito valor se não fosse autorizada ou comprovada por um homem (infelizmente, uma realidade da idade média).
Achei interessante a representação de Otelo como um personagem negro em posição de destaque e alta patente, especialmente considerando a época e o racismo na Europa. Mas, não é possível deixar de lado como ele é retratado com uma natural tendência à bestialidade, algo que não me agradou. Ainda assim, a maneira como Shakespeare encadeia causa e consequência até culminar no desfecho cruel, é de uma magistralidade ímpar.
Todavia, a meu ver, embora seja uma peça magnífica, ainda não se compara a Hamlet, para mim seu Magnum opus. Contudo, ainda gostei mais de Otelo que de Macbeth. Pretendo ler mais peças de Shakespeare, estou gostando muito.