Iris Figueiredo 29/02/2012
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"O Circo da Noite" não é sobre fantasia ou mágica, embora todos os personagens carreguem muitas coisas mágicas dentro de si. Não é uma história de amor, embora haja amor, um amor lindo e bem narrado, real e fácil de acreditar. Esse também não é um livro sobre um jogo, embora haja um jogo. Os personagens não sabem muito bem que jogo é esse - e nem o leitor compreende o que se trata até as últimas páginas. Ele poderia ser considerado um livro sobre o misterioso circo que só abre à noite e fecha ao alvorecer. Sim, os protagonistas do livro não são Marco ou Celia, embora eles sejam os responsáveis pelo circo ter sido criado. O protagonista desse livro é o próprio circo, embora no final eu tenha me perguntado se o protagonista desse espetáculo não foi a emoção...
Emoções que permeiam o leitor e os integrantes do circo - desde amor ao ódio, passando pelo medo e pela esperança. Foi assim que "O Circo da Noite" me ganhou e, tal qual Widget, eu vou lhes contar uma história agora... E peço, por favor, que leiam até o fim e me deixem convencê-los que esse livro vale a pena ser lido.
Essa resenha vai soar muito pessoal, mas eu quero que seja assim. Alguns livros mexem com a gente por lembranças, experiências e pelo que ele representa. Se a leitura não se torna uma experiência pessoal, ela não valeu a pena o suficiente. Então, eu vou encher essa resenha de memórias, sonhos e histórias, porque "O Circo da Noite" mexeu comigo - e eu espero que ele mexa com você do mesmo jeito.
Eu tenho uma lembrança da infância que envolve o circo. É uma dessas lembranças muito distantes e borradas, daquelas que a gente não sabe o quanto é real e o quanto é invenção da sua cabeça, mas ela me acompanha desde que consigo lembrar. Nessa lembrança eu estou sentada nas arquibancadas do circo acompanhada do meu avô e nós estamos assistindo uma apresentação com animais. Quando eu era criança, os circos no Rio de Janeiro ainda podiam se apresentar com animais, coisa que foi proibida por lei pouco tempo depois. O animal que se apresentava era um felino, mas eu não lembro qual bicho era. Eu lembro das cores do circo, da pipoca e do meu avô apontando a domadora para mim. E eu lembro que o bicho rugiu e correu pelo picadeiro, descontrolado por alguns minutos e que senti muito medo, mas eu lembro que eu fiquei fascinada com a domadora retomando o controle do animal e fazendo truques com ele.
Como já disse, não sei o que é verdade e o que minha mente inventou no meio do caminho, mas eu lembro que o circo fez parte da minha infância. E toda vez que eu lembro do circo, eu lembro dessa cena e do meu avô. Quando eu via o circo chegar e erguer as tendas em locais próximos à minha casa, eu ficava fascinada. Eu me encantava com as cores, passava em frente aos terrenos todos os dias, esperando ver quando eles iam abrir ao público. Nunca gostei de palhaços, não por medo, mas por achar sem graça. Mas eu amava trapezistas, mágicos e contorcionistas. Eu amava a corda bamba e qualquer número que envolvesse perigo. Eu amava o ambiente, o picadeiro, estar debaixo da lona e olhar para o público rindo ou assustado diante de algum número. Em suma, eu amava o circo, desde o momento que eu comprava os bilhetes e aguardava a abertura da tenda, andando entre os equilibristas e comendo uma maçã-do-amor.
A última vez que eu fui ao circo foi no meu penúltimo ano do Ensino Médio. Era um circo pequeno e eu tive a impressão que as pessoas que viviam ali estavam quase perdendo aquele circo, que talvez nem todo mundo se encante com os truques e palhaçadas agora... E, de algum modo, aquilo me deixou triste. Mas porque estou contando isso? Porque enquanto lia "O Circo da Noite", revivi todas as sensações que experimentei em minha vida enquanto ia aos circos - desde as melhores até aquelas que não sei se eram reais, e chegando à essa última, mais recente, quando achei que o circo estava acabando.
Eu sou uma amante do circo. E se um dia eu tivesse o prazer de entrar no Le Cirque des Rêves, eu o seguiria em todas as cidades onde ele parasse, tal qual os rêveurs do livro.
A história começa com a disputa entre dois mágicos, um exibicionista e outro que prefere guardar sua mágica para si. Acostumados a brincarem com a mágica, um deles acha que está na hora de levarem seu espetáculo para o público, um público que acha que a magia real é apenas uma ilusão. Nada melhor que levar isso até o circo, um lugar onde tudo é possível e ninguém acha que é real. Eles treinam seus aprendizes, Marco e Celia, para mais um jogo que não está claro como funciona. Um jogo de exibicionismo, lento, que afeta os outros aos poucos e atravessa anos - onde definir um vencedor não é tão fácil quanto parece.
Atravessando várias cidades e muitos anos, o circo chega aos lugares sem avisar onde está. Por onde passa, angaria fãs e pessoas fascinadas por tudo de diferente que o circo abriga. Enquanto isso, a competição entre Marco e Celia vai acontecendo - muitas vezes, eles sequer sabem que estão jogando.
O livro é lento e bem elaborado. A autora presa por uma narrativa que descreva para o leitor o que está acontecendo e os diálogos são em menor quantidade. A cada palavra que ela ditava, eu me sentia mais dentro do circo que antes. O cenário é perfeito e você imagina cada detalhe, é como se ela sussurrasse tudo em seu ouvido. Erin escreve muito bem e é muito criativa, o livro é original como eu não via há muito tempo.
A autora inicia a história em 1888, quando Celia é entregue na casa do pai, e continua por três décadas. Enquanto o enredo ainda está na Europa de 1888, somos jogados para o ano de 1897, nos Estados Unidos, na vida simples e pacata de um menino chamado Bailey que, em uma brincadeira de "Verdade ou Desafio", é desafiado pela irmã a entrar no circo durante a manhã e trazer algo de dentro dele.
Aos poucos, vamos vendo detalhes da vida de Bailey alternados com o circo, sua jornada e a história de Marco e Celia, até chegarmos ao ano de 1902, quando a história chega ao seu ápice.
Os personagens de "O Circo da Noite" são diferentes, bem elaborados, aparecem na hora certa e estão sempre orbitando em volta do circo, mesmo que anonimamente. Provavelmente, muitas pessoas vão se irritar com a lentidão do enredo ou a falta de foco no romance ou no próprio jogo, mas não é realmente essa a proposta do livro. Para mim, "O Circo da Noite" não entra como um livro YA. Ele é mais adulto e apresenta dilemas mais maduros, até mesmo os personagens não são adolescentes.
Meu personagem preferido é o relojoeiro, Friederick Thiessen. Responsável pelo relógio do circo e maior amante dos espetáculos que se escondem atrás das tendas preto-e-brancas, ele me cativou por algum motivo que não sei explicar, mas entrou como meu personagem preferido e ficou.
O amor de Marco e Celia não toma espaço enorme na história simplesmente porque não é para tomar. Eu li em uma resenha no Skoob uma menina dizendo que em um momento eles se odeiam e no outro eles se amam... Não é bem assim. Eles nunca se odiaram. Ambos nutriam admiração mútua pelas qualidades e dons um do outro, mas também tinham medo como jogadores. A forma como progride e é abordada é linda, natural e nada forçada, e não tira o foco dos outros enredos do livro.
A mágica abordada no livro é bem diferente daquilo que a gente viu em livros como Harry Potter. É uma mágica mais espetacular, sem limitações ou explicações. De acordo com a autora, está presente em todo mundo, só a perdemos no meio do caminho e precisamos reavivá-la, treinar. É assim que Marco, Celia e outros personagens conseguem fazer o que querem com sua mágica, cuja única regra é não interferir no outro.
Talvez a suposta lentidão no enredo e poucos diálogos (coisas que nada me incomodaram, porque quem me conhece sabe que gosto mais de narrações que diálogos) possa assustar algumas pessoas ou outras não gostem porque o livro não se concentra no romance, mas na aura do circo. Eu não sei explicar o que senti enquanto lia, mas fui arrebatada pela originalidade e a beleza de tudo. Enquanto lia, era como se estivesse em outro mundo, dentro de uma das ilusões do Marco, dentro do circo... Como eu disse, não é realmente YA e se você prefere umas leituras mais tranquilas, talvez esse não seja seu livro. Mas, nos últimos tempos, esse livro foi um dos que senti mais "meus". E agora eu sonho em escrever algo que mexa com alguém de um jeito parecido que esse livro mexeu comigo, porque se um leitor meu se sentir do jeito que me sentia enquanto li "O Circo da Noite", eu serei muito feliz.
A última vez que me senti assim por um livro foi com "Jogos Vorazes", só para vocês entenderem o que quero dizer. Eles são muito diferentes, não podem ser colocados no mesmo patamar, mas eu só quero mostrar que é um livro que realmente mexeu muito comigo.
Eu amei O Circo da Noite e agora sou uma rêveurs, como todos os apaixonados pelo circo, que seguem Le Cirque des Rêves de cidade em cidade, vestidos de preto e branco tal qual os artistas do circo, mas usando um detalhe em vermelho para lembrarem que não são integrantes reais daquele espetáculo, que estão dentro do jogo como meros espectadores. E eu acho que muita gente vai amar também...
Para quem ficou interessado, "O Circo da Noite" será lançado pela Intrínseca dia 05 de março.
Deixo para vocês uma das minhas citações preferidas do livro, que resume exatamente o que senti ao lê-lo. Nem precisava escrever esse testamento, na verdade... Era só deixá-los com esse parágrafo para vocês entenderem que esse livro fez comigo exatamente o que o personagem fala:
"- Mas é importante - interrompe o homem de terno cinza. - Alguém precisa contar essas histórias. Quando batalhas são travadas, vencidas e perdidas, quando piratas encontram seus tesouros e os dragões comem seus inimigos no café da manhã acompanhados de uma bela xícara de chá, alguém precisa contar as próprias narrativas superpostas. Existe magia nisso. Está nas pessoas que ouvem, e será diferente para cada ouvido, e vai afetá-las de forma que nunca poderão prever. Desde o mundano até o mais profundo. Você pode contar uma história que passe a morar na alma de alguém, se transforme em seu sangue e propósito. Essa história vai motivar e impulsionar e quem sabe o que ela poderá fazer por causa disso, por causa das suas palavras. Esse é o seu papel, o seu talento. Sua irmã pode ser capaz de ver o futuro, mas você pode moldar esse futuro, rapaz. Não se esqueça disso. - Toma outro gole de vinho. - Afinal, existem muitas formas de magia".
O que me lembrou aquela frase que encerra "Coração de Tinta": "o ofício de escrever histórias tem algo a ver com a magia".