Gustavo 29/10/2019
É melhor uma felicidade barata ou um sofrimento elevado?
É melhor uma felicidade barata ou um sofrimento elevado?
Esta pergunta feita ao final desta sublime novela de Fiódor Dostoiévski, cuja citação pode ser encontrada dentre aquelas exibidas no aplicativo do Skoob, leva-nos a refletir sobre o peso da consciência e do conhecimento em si. É este o tema de Notas do Subsolo, uma espécie de memorial escrito por um narrador sem nome e dividido em duas partes. Na primeira parte temos uma espécie de ensaio filosófico onde o narrador discorre sobre a questão da consciência e do conhecimento e como isso afeta o homem a ponto de torná-lo covarde e inerte por saber e pensar demais. Já na segunda parte da obra temos o relato de uma experiência vivida pelo narrador durante os seus vinte anos de idade, tratando-se basicamente de uma aplicação prática da teoria desenvolvida na primeira parte da novela.
O narrador é o caso mais curioso dessa obra. Por se tratar de uma espécie de memorial, não podemos confiar plenamente nos seus relatos. Entretanto, o texto nos apresenta boas evidências da sua personalidade paradoxal e complexa. Por um lado ele esnoba as outras pessoas, se acha intelectualmente superior a elas e despreza qualquer interação social com elas, mas por outro lado ele as inveja, se acha socialmente inferior e anseia por contato humano. Ele chega até mesmo ao ponto de sentir prazer no sofrimento, ansiando por ser tratado como um inseto e maltratado; mas, ao mesmo tempo, ele trata os outros como insetos e os maltrata, tenta impor sua vontade e jura vingança, nutrindo ressentimento por qualquer um que ofender ou contrariá-lo de alguma forma. São esses os produtos da hiperconsciência do narrador, o qual é capaz de enxergar uma questão por todos os ângulos, mas que, em razão disso, é incapaz de tomar qualquer posição ou mesmo de agir. É esta, enfim, a complexa personagem sobre a qual nos debruçamos em Notas do Subsolo, uma novela percursora do Existencialismo.
Não há quem não possa se simpatizar com o Homem do Subsolo. Ele é, como apontado ao final da obra, um verdadeiro anti-herói: uma pessoa cheia de defeitos, com traços de personalidade negativos, mas que apresenta algumas poucas qualidades ou pelo menos uma que o redime aos nossos olhos.
Assim, voltamos à pergunta: é melhor uma felicidade barata ou um sofrimento elevado? Onde a felicidade barata é o mesmo que ser "abençoado pela ignorância", mas que ao menos se pode desfrutar e enxergar com simplicidade a "vida viva", e o sofrimento elevado é o resultado da consciência, do saber elevado, da racionalização; é a consequência de poder enxergar as coisas tal como elas são e, assim, não poder encontrar consolo, não saber enxergar propriamente o que é bom e o que é mau e, assim, tornar-se inerte.
É uma novela comovente e extremamente atual, pois ainda vivemos em tempos onde as pessoas se sentem tal como o narrador da obra, ou seja, completamente perdidos dentro de suas cabeças.
Notas do Subsolo serviu para mim, enfim, como uma excelente introdução à obra de Dostoiévski. Fiquei impressionado com a riqueza de sua prosa e de suas personagens, bem como das reflexões daí oriundas.
Leitura recomendadíssima a todos os leitores!