Julia G 11/10/2011Inocência - Visconde de Taunay“Com efeito, de volta à sala dos hóspedes, não pôde mais conciliar o sono e, sem que houvesse conseguido fruir um só momento de descanso, viu raiar a aurora. Parecia-lhe que o peito ardia todo em chamas a subirem-lhe às faces, abrasando-lhe o pensamento.
Aquele venusto rosto que contemplara a sós; aqueles formosos olhos, cujo brilho a furto percebera, aquele colo alabastrino que a medo se descobrira, aquelas indecisas curvas de um corpo adorável, todo aquele conjunto harmonioso e encantador que vira à luz de frouxa vela, fatalmente o lançavam nesse pélago semeado de tormentas que se chama paixão!”
Clássico do Romantismo brasileiro, Inocência, de Visconde de Taunay, possui todos os atributos inerentes a esse movimento literário: uma donzela apaixonada, um homem que a idolatra, demonstrando a idealização do amor e da mulher, e a valorização da natureza. Passando-se no século XIX, no interior do Brasil, a obra retrata o cotidiano simples e os modos modestos de vida, as dificuldades dos viajantes, o tratamento dispensado à mulher e o convívio diário com doenças e males que atingiam a população.
Cirino, pseudomédico, viaja pelo sertão do Mato Grosso a curar doentes. A caminho da próxima vila, depara-se com Sr. Pereira, que volta da cidade frustrado por não conseguir encontrar o remédio que sua filha precisa para as sezões (febres) da maleita (malária). Sr. Pereira mal podia acreditar em sua sorte: leva Cirino à sua fazenda, pede que se instale por lá e diz que avisará os doentes da região a fim de que venham até ele e que não precise parar de trabalhar. Pouco depois da chegada de Cirino à fazenda, surge também um novo visitante. Meyer, um alemão que está no Brasil para pesquisar insetos, abriga-se também nas terras de Sr. Pereira.
Logo que se põe a cuidar da filha de Pereira, Inocência, sob olhares fiscalizadores do pai; que não podia deixá-la sozinha com um homem, Cirino logo se vê apaixonado pela moça. Sr. Pereira, que desconfia das intenções do ingênuo Meyer, mal consegue perceber as de Cirino, que consegue furtivos encontros com Inocência. Cirino, entretanto, nada podia esperar com ela, pois já estava prometida a Manecão, e palavra é a moeda mais valiosa do sertão.
Diferente do que encontrei em Memórias de um Sargento de Milícias, Inocência não traz tantas novidades, e é até previsível. Mas não, por isso, deixa de ser uma leitura bem agradável. Claro que, por se tratar de um clássico, requer um pouco de paciência para nos adequarmos à linguagem, mas há tanta riqueza cultural nessas obras que eu acredito que valha a pena. Além do mais, depois que se acostuma à escrita, vemos como a forma de narração é bela e musical. Mesmo as expressões regionalistas utilizadas nos diálogos não causam prejuízo a essa característica.
O romance se desenvolve de maneira meio irreal, mas, como não sabemos o que era viver naqueles tempos, não há como julgar se poderia ou não ter acontecido. Não me identifiquei tanto com o casal principal, o que não me impediu de torcer por eles e tentar encontrar uma solução para o desafio dos dois.
Como todo clássico, deve-se saber apreciar. Eu mesma só comecei a gostar deles quando me livrei de certos preceitos que adotava sem perceber, e não tenho me arrependido disso. Inocência é um livro interessante de conhecer, mas não se pode esperar cair de amores.