Danilo Barbosa Escritor 03/05/2012A canção do sulConfira mais resenhas minhas no Literatura de Cabeça:
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"Meu pai se referia a cidade de Charleston, na Carolina do Sul, sua terra natal, uma cidade tão linda que faz os olhos de qualquer transeunte arder de prazer apenas ao caminhar por suas ruas estreitas e charmosas. A mansão do rio, como ele a chamava, era seu hobby, sua paixão inconfessa, o grande amor de sua vida. Seu sangue contagiou o meu pela cidade que jamais esmoreceu e jamais esmorecerá."
Pat Conroy já havia me surpreendido uma vez, quando li há muitos anos, a Canção do Mar, uma pérola literária de um homem atormentado pelo homicídio da esposa que deve confrontar com o seu passado na Carolina do Sul. Passaram-se muitos anos, mas a impressão que ele deixou em mim persistiu, mesmo após ter lido tantas obras. Seu nome ficou quieto, adentrado no meu âmago, esperando a hora de suscitá-lo novamente em minha vida.
Um dia desses estava navegando pela internet e vi que a Editora Record estava lançando um livro novo deste americano baixinho e invocado. Solicitei a obra e, assim que chegou passei a degustá-la, antecedendo que iria me apaixonar pela sua narrativa como da outra vez.
Mas assumo que foi mais intenso...
A Mansão do Rio (584 páginas) narra a história de Leo King, o jornalista de fofocas mais conhecido de Charleston. Suas crônicas diárias falam com maestria da vida da cidade, dando uma visão completamente nova à acontecimentos corriqueiros.
Mas quem o conhece atualmente não sabe como ele conviveu com a insanidade. E nem como ele foi salvo do abismo que ameaçava cobri-lo. Aos 9 anos, ele encontrou seu irmão Stephen, o menino mais admirado da cidade, deitado em uma banheira, com os pulsos e a garganta cortada. Com o seu suicídio, a insanidade tomou conta daquela pequena criança, o simples patinho feio da sua casa, olhado com tristeza pela sua austera mãe e seu pai tomado pela dor. A partir daí, ele passa a circular por institutos psiquiátricos e acaba sendo obrigado a prestar serviços para a comunidade por algo que ele não fez.
Mas o destino sempre intervém e quando todos o veem como um caso perdido, eis que surgem 7 adolescentes que vão mudar a sua vida: Sheba e Trevor, o casal de gêmeos que vai morar em frente a sua casa, despertam ele para o amor e o sexo - ela é uma deusa em forma de garota e o seu irmão gêmeo é um gay bem à frente do seu tempo; Starla e Niles, dois orfãos que vão mostrar o significado da lealdade e de como lidar com a dor, mesmo nos momentos mais extenuantes; Molly, a perfeita dama do Sul e seu jeito meigo de conquistar o mundo, junto ao hipócrita Chad, perfeito exemplar de um cavalheiro de Charleston, ou seja, mimado e preconceituoso. Temos também sua irmã, Fraser, a talentosa atleta que poucos observam como a mulher corajosa e vencedora que verdadeiramente é. E para finalizar este quadro, não podemos nos esquecer de Ike, o filho do primeiro treinador negro do colégio de Leo, que vai ensinar para ele a verdade sobre o racismo sulino.
O leitor acompanha 30 anos da vida desse grupo, aprendendo com estes jovens o significado dos piores defeitos e das maiores qualidades da humanidade. E não consegue ficar isento tamanho o talento do autor. Sorri, chora, pensa, reflete, fica em êxtase ou tenso. Se choca com as reviravoltas e não sabe o que imaginar no final. A trama tem todos os elementos de um clássico: sedução, ação, drama, suspense, crimes, traições e muitos risos. Os elementos se entrelaçam junto com a vida de cada um deles na medida certa, sem exageros, o que torna tudo muito mais gostoso.
Sou obrigado a reconhecer que é o livro que eu começava a ler neste exato instante. Cada página realça a mais triste e bela realidade, com um primor de texto, beirando à poesia. Mais do que narrar as ações, ele aborda as almas de cada um deles, principalmente as de Leo (afinal, ele é o nosso herói - sem força, beleza, títulos ou qualidades, apenas muita vontade de fazer o melhor). Ler a trajetória de cada um é como acompanhar um amigo conhecido, com se convivêssemos com ele durante todos os dias, Juro para vocês que o livro me cativou por completo.
Ao mesmo tempo em que falo tanto, sinto que estou sem palavras. Por que, na minha opinião, por mais que eu fale, não será suficiente para detalhar a minha experiência em conviver com esta mansão maravilhosa. E, mesmo sem nunca ver Charleston, por um momento eu a amei com a mesma intensidade do personagem principal do livro. Quis andar por suas alamedas, sentir o aroma de suas flores, perder-me em seus amores e dores.
E deles nunca mais sair...