spoiler visualizarakame7 14/11/2022
"É mais raro agir com virtude do que se vingar."
A despedida de Shakespeare. A peça que consagra o seu legado para o mundo.
Estou ainda pensando em quantas mensagens essa obra nos deixa. Toda a trama caminha para que sintamos raiva pela injustiça cometida com Próspero e sua filha, Miranda. As traições são dolorosas, revoltantes e múltiplas.
Em seu curso, somos apresentados a dois personagens peculiares que, ao meu ver, podem ser interpretados como duas facetas do comportamento humano. Ariel, mais delicado, frágil, sensível e submisso e Calibã, feroz, animalesco, destrutivo e revoltoso. O curioso é que ambos buscavam a mesma coisa quando foram escravizados por Próspero, sua liberdade e, no fundo, aceitação. Ao pensar Calibã, é possível alguém tratado como monstro a vida inteira não agir como um?
Mas ao fim, mesmo com toda a orquestra planejada por Próspero dando certo, não ocorre uma vingança de sua parte, o que há é o perdão. Seu perdão é concedido a imerecedores, mas ele parece em paz com isso, como se seu dever tivesse sido cumprido. Isso desperta, em minha interpretação, a sensação de que ao perdoar os que destruíram sua jornada, Próspero se perdoa por ter sido indiferente, por vezes, em seu ducado e, além disso, seu perdão é como uma garantia para possibilidade de se reerguer e voltar à normalidade de sua antiga vida.
Todos os seus planos, desde a tempestade, são uma forma de refazer o seu caminho até Nápoles, dando uma lição aos que o desonraram e mantendo a honra à Gonzalo, seu amigo e, o único que zelou por sua arte, seus livros, por sua vida e a de sua filha desde a sua expulsão.
Em uma vaga leitura, a peça pode parecer sem pé nem cabeça, mas basta uma pitada de criticidade para meditar e refletir para além do que está escrito que será perfeitamente possível captar a genialidade de Shakespeare e suas múltiplas interpretações do humano em seus dilemas e conflitos externos e internos.