Thais Trindade 30/06/2019
O paradoxo do ensino de língua portuguesa
O livro Ensino de Gramática. Liberdade? Opressão? de Evanildo Bechara, professor e gramático brasileiro, lançado pela primeira vez em 1985 é voltado para professores, estudantes de letras e indivíduos interessados em se aprofundar na problemática do ensino de língua portuguesa.
O livro esmiúça em capítulos curtos as opiniões do autor, que com base em estudos gramaticais e da Linguística, argumenta e propõe medidas que considera necessárias para uma mudança positiva no ensino do português nas escolas brasileiras. No entanto, o leitor dos dias de hoje ao se deparar tais argumentos pode se espantar com os termos encontrados, pois, caso leitor seja superficialmente entendido sobre os avanços das pesquisas linguísticas, conclui que muito do que o autor escreve, já está defasado.
Já no primeiro capítulo do livro, Bechara explicita o que nomeia de crise do idioma, proferindo acusações do que seria um despreparo dos professores da educação básica, e que estes estariam privilegiando a oralidade, levando os educandos a não desenvolverem todo o saber linguístico que, em sua opinião, é construído se debruçando sobre grandes nomes, modelos do bem dizer, e do bem falar, em geral grandes nomes da literatura de língua portuguesa. Ainda sobre o assunto, o autor diz que a falta de conhecimento dos alunos de um modelo tradicional da língua seria causado pelo ensino de uma língua coloquial e de uma “língua popular”.
Comparando a fala do autor com os estudos da linguística atuais, se tem o entendimento de que não se trata de privilegiar a língua oral, mas sim ter a percepção de que o falante nativo de português brasileiro tem conhecimento sobre a sua língua materna. Sabe-se que a língua oral se difere da escrita e que isto nada tem a ver com informalidade, mas sim com o fato de serem dois gêneros diferentes de texto (oral e escrito) e que a questão de informalidade existe tanto em um como em outro, isto é, textos escritos e falados podem ter diferentes níveis de formalidade/informalidade, dependendo da circunstância comunicativa.
Ainda sobre o assunto, a variação linguística nos mostra que mesmo na escrita culta do português existe variação, não se limitando apenas a classes mais populares.
Outra informação relevante é que a gramática tradicional que o autor sugere como centro dos estudos nas escolas é um modelo derivado de uma variedade do português europeu do século XIX, que se já na década de 80 se distanciava até da escrita culta brasileira, em 2019 há muito mais estruturas, sintáticas, morfologias que simplesmente desapareceram. Isso ocorre porque, por mais que os tradicionalistas almejem que um modelo específico se estabeleça, e excluem quem “desvia” e os estigmatiza como indivíduos que não sabem a própria língua, a língua é viva e está sempre em mudança. Nesse sentido, pode se retardar a mudança, mas a comunidade linguística é quem promove modelos específicos e não os gramáticos. .
Contudo, os comentários de Bechara não se limitam aos que não teriam domínio de uma língua mais elevada, incluso os professores de português, como o autor deixa claro, mas também põe em cheque a capacidade dos alunos de compreenderem assuntos científicos mais complexos relacionados à Linguística. Desta maneira, se instaura um paradoxo criado por Bechara, isto é, por um lado o autor deixa explícito que o ensino de Língua Portuguesa não deveria ser restrito às listas para memorização, por outro, restringe e minimiza a competência dos educandos ao apontar que “as novidades da língua são coisas que apenas os mestres são capazes de entender” ou ainda, “(...) com um excesso de adubo científico definham em vez de se desenvolverem”. As alusões hoje nos soam das mais absurdas, mas infelizmente ainda há profissionais que insistem em tratar os alunos como receptáculos vazios a serem preenchidos por conteúdos que apenas pessoas elevadas (os professores) são capazes de entender.
A posição tomada por Bechara não é a mais adequada, pois, a identificação poderia justamente ser fomentada por um olhar mais científico da língua, ou seja, explicitando que estudos da Linguística são tão ciência como matemática, química ou física. Uma das estratégias que poderia ser adotada é de propostas de atividades elaboradas com finalidade de insurgir no aprendiz a curiosidade investigativa inerente a todos os seres humanos.
Ainda que Bechara escreva argumentos nos soam insensatos, um dos aspectos positivos do livro é a sugestão do autor de que os alunos sejam poliglotas em sua própria língua, isto é, que aprendam diferentes variantes e conhecimentos lingüísticos e que também compreendam e se adequem às situações sociocomunicativas diversas, teoria defendida ainda hoje por pesquisadores da linguística. Outro aspecto a ser destacado é a posição do autor de que todos os alunos têm direito a ter acesso à norma de prestígio, com esse comentário, Bechara critica professores que se limitam a ensinar apenas uma modalidade da língua próxima a dos alunos, os impossibilitando de conhecer a norma culta.
Apesar dos posicionamentos polêmicos, é compreensível que o autor defenda tais ideias, em razão do contexto histórico, além disso, ao se debruçar sobre a problemática Bechara contribuiu para um importante diálogo tornando-o mais fecundo entre os demais estudiosos da área.