P. G. S. ZAGO 25/04/2021
Romance inspirador
Este livro aborda o delicado tema do suicídio. Um assunto que precisa ser tratado de forma consciente, clara, empática e desmistificada. O que a autora faz de forma descomplicada e singela, cheia de sensibilidade.
A história se passa em uma pequena cidade da Inglaterra, onde Louisa Clark, a personagem principal, com 26 anos de idade, poucas ambições, e uma personalidade atraente, mas um tanto excêntrica, acaba aceitando um emprego como cuidadora de um jovem tetraplégico.
Will Traynor tem 35 anos de idade e era um empresário de sucesso, com uma vida agitada e aficionado por aventuras, esportes radicais, festas e viagens. Em um acidente trágico, ele acaba perdendo os movimentos do corpo, ficando atrelado a uma cadeira de rodas e necessitando de cuidados para realizar as atividades mais básicas.
Will é mal humorado, rude e sarcástico, e Louisa tenta diversas abordagens diferentes para engrenar em um relacionamento amistoso com ele, mas nada parece funcionar. Quando ela começa a tratar com ironia os comentários de Will e se mostrar menos simpática à sua condição, tratando-o como uma pessoa normal, apesar de sua condição física, os dois finalmente começam a se entrosar.
A forma sincera e despretensiosa como os dois se relacionam traduz uma singeleza à história, que é um tanto pesada, considerando todas as privações e sacrifícios que envolvem a realidade de Will. A relação de amizade sincera e verdadeira entre Will e Louisa é apaixonante.
Ao mesmo tempo, a autora nos transporta para o universo dos cadeirantes, evidenciando todas as dificuldades diárias de locomoção, acesso, estrutura, a falta de consideração e compaixão das pessoas, o preconceito e forma distorcida como as pessoas tratam os cadeirantes em geral.
O livro dá uma reviravolta quando Louisa descobre que seu contrato de trabalho possui duração de apenas seis meses porque Will tem um trato com sua família, que após este período ele irá a uma clínica na Suíça para cometer suicídio assistido.
Ela desiste do emprego, pois sente que não pode fazer parte disso, mas acaba sendo convencida pela apática e fria mãe de Will a permanecer até o final do contrato, movida pelas mudanças significativas que Will vem experimentando desde que começou a conviver com ela.
Louisa nutre uma ideia utópica e sonhadora de fazer com que Will desista de seu plano, mostrando a ele que, apesar de suas limitações, ele ainda é capaz de realizar muitas coisas e que pode viver uma vida plena, mesmo em uma cadeira de rodas.
Ela organiza passeios e viagens divertidos, mas a maioria deles dá errado, considerando a falta de estrutura dos lugares para receber cadeirantes. Mas quando acha que Will vai ficar ainda mais mal humorado, ele a surpreende, entrando em seu jogo e decidindo dar uma chance à ideia dela, mais para fazê-la feliz do que a si mesmo.
A amizade dos dois torna o livro cativante e surpreendente. Os dois estimulam um ao outro e se ajudam a lidar com seus traumas e com suas limitações. Talvez Will ajude mais a Louisa do que o contrário, o que dá a conotação de que Will realmente não é um inválido. Ele possui grande valor e ainda é capaz de realizar muitas coisas importantes.
Esta história faz o viajante questionar suas atitudes diárias e a forma como lida com os imprevistos e com as mazelas do dia-a-dia, bem como faz refletir sobre solidariedade, amizade, respeito, compaixão, e sobre o real significado do amor.
A autora contrapõe a personalidade vivaz e alegre de Louisa à apática e fria personalidade da mãe de Will, que apesar de amá-lo muito e querer ajuda-lo a viver sua vida da melhor maneira possível, não consegue se relacionar com ele de forma empática. Ela não consegue colocar seu julgamento de lado, como Louisa faz, a ponto de estabelecer um diálogo verdadeiro e amoroso com o filho.
Este contraponto é muito interessante do ponto de vista da prevenção ao suicídio, pois uma das abordagens afasta, e a outra aproxima. A autora deixa isso muito claro ao explorar as personalidades das duas personagens e a forma como cada uma impacta o relacionamento com Will.
A frustração de Will e sua dificuldade em aceitar sua nova condição ficam muito claras ao longo do livro, e mesmo diante de todas as possibilidades que Louisa apresenta a ele, inclusive a oportunidade de construir um novo romance com ela, e estabelecer com ela uma nova vida, o que ela está disposta a fazer, ele ainda não consegue afastar seus pensamentos negativos e suas incapacidades.
O final desta história é triste e comovente, e um pouco decepcionante. Apesar de um mero final feliz não ser o ideal para dar completude a esta história, eu ainda me desapontei com a mensagem final de desesperança, ainda que a autora tenha tentado centrar o final em torno da personagem principal, Louisa, e na forma como ela decide encarar toda a sua experiência e enfrentar seus medos e traumas, para enfim recomeçar.
Apesar do final melancólico, acho importante esta leitura, especialmente por abordar um tema delicado de forma tão clara e sensível, mas não com o olhar sobre o resultado final da trama, e sim sobre todas as válidas perspectivas de esperança, compaixão e aceitação que ela traz.
No cômputo geral, esta história faz refletir sobre as diversas formas como podemos encarar os desafios com os quais nos deparamos ao longo da vida. Podemos desistir de lutar, nos entregar à dor e ao sofrimento, e deixar a vida passar por nós sem efetivamente vivê-la, ou podemos nos apropriar daquilo sobre o que temos controle, decidir lutar apesar das limitações e sacrifícios, buscar ajuda naquilo que não conseguimos realizar sozinhos, e apreciar o que de bom a vida tem para nos oferecer.
O livro mostra que não há necessariamente certo e errado. Que ambos os caminhos serão tortuosos, mas que um deles certamente irá trazer muito mais ganhos. Viver é a melhor opção.
Faça as malas e embarque neste romance singelo, repleto de desafios e percalços, e se deixe envolver pelos sentimentos que esta história despertam, além de refletir sobre assuntos deliciados, como suicídio e dificuldade de locomoção, e aproveitar as lindas lições oferecidas por esta trama agridoce, melancólica, sensível, dramática e apaixonante.
Vamos viajar?