Coruja 26/10/2011Tendo terminado de ler a obra-prima de Kenneth Grahame, a primeira coisa que pensei foi que O Vento dos Salgueiros não fazia jus a figurar numa lista das grandes obras da literatura fantástica.
Não tenho minhas dúvidas de que se trata de um clássico. É uma belíssima fábula, doce e melancólica – um livro que eu gostaria de ter lido na infância, para então reler na idade adulta e assim recordar os sentimentos que teria experimentado quando era menos cínica e mais ingênua.
De certa forma, acredito que, para ler um livro como este da forma ‘certa’ – se há uma forma certa de ler algum livro – é necessário ter um pouco daquela inocência delicada pela qual as crianças são (ou eram) conhecidas.
Acho que me enrolei um bocado nesses primeiros parágrafos, mas é difícil descrever o tipo de afeição, de nostalgia que esse livro te desperta. Nostalgia, saudades de quê, exatamente, ainda não estou bem certa. De um tempo em que o mundo era menos complicado, imagino. Um pouco mais lento. Quando tínhamos tempo para as coisas que são realmente importantes: visitar um amigo, apreciar sua companhia, encantar-se com a mudança das estações, ter a primeira visão do mar... descobrir o mundo pela primeira vez.
Fazia tempo que ele estava na minha lista de livros para ler – comprei minha edição no final do ano passado, quando fiz meu primeiro pedido pelo Bookdepository – mas só o tirei da estante após devorar Os Livros e os Dias do Alberto Manguel e me deparar com as notas do autor sobre ele.
Podia ter lido direto no computador, porque, tendo sido publicado em 1908, O Vento nos Salgueiros já entrou em domínio público. Vocês podem inclusive encontrá-lo no Project Gutenberg. E há traduções também (embora elas sejam o quádruplo do preço do livro em inglês, que comprei por três reais. Não, sério. Estava em promoção XD).
O que acho mais curioso sobre este livro é que seu autor era secretário do Branco da Inglaterra. Confesso que acho difícil conciliar essa imagem com a do escritor de um livro tão delicado. Mas estive pesquisando um pouco sobre o livro e descobri que Grahame começou O Vento nos Salgueiros como uma série de cartas para seu filho, que, no entanto, não viveu o suficiente para ver o final da história.
Talvez isso explique o sentimento quase agridoce com que o terminei...
A história começa na primavera (aliás, há uma passagem bem demarcada de cada estação; é uma característica bem forte da narrativa). O tempo está bom, há uma certa ansiedade, uma energia no ar... o que faz Toupeira perder a paciência com a limpeza anual de primavera de sua toca, de modo que ele larga tudo, deixa o subterrâneo e inicia um passeio que o levará a encontrar-se, pela primeira vez, com o Rio.
Agora, tente se lembrar da primeira vez que viu o Mar (ou um rio, como Toupeira – a depender de sua localidade) – aquela imensidão de céu e água e, bom deus, pode existir tanta beleza e tanta perfeição na terra?
É justamente desse ponto de vista de que falava ao começo dessa resenha: O Vento nos Salgueiros é um livro que precisa ser lido com o pensamento naquela capacidade infinita de admiração inata a uma criança.
Toupeira é um pouco ingênuo, mas tem uma boa natureza e logo faz amizade com Rato, que vive junto ao Rio – eu diria ainda que ele vive o Rio -, e que abrigará Toupeira em sua casa.
Algum tempo depois, Rato apresenta o amigo ao Senhor Sapo, do Salão do Sapo, o camarada mais rico dos arredores. Sapo é um bom camarada, mas impulsivo e cheio de si, sempre com novos projetos que nunca tem persistência suficiente para ver chegados até o fim – até descobrir o automóvel e tornar-se obcecado pelo som de motores e a velocidade do mundo moderno.
Para completar a trupe temos o Senhor Texugo, mais velho, a voz da sabedoria – especialmente no que concerne a Sapo. Texugo é meio ranzinza e prefere sua solidão, mas é um amigo extremamente leal, alguém que você sempre quer ter por perto em tempos de necessidade.
Há muitas histórias contadas dentro da história de O Vento nos Salgueiros: a descoberta do Rio por Toupeira; as presepadas de Sapo culminando com sua fuga da prisão disfarçado de lavadeira; o desejo de Rato por caminhar pelo mundo; o encontro com o deus Pã (uma das mais belas passagens do livro); o retorno de Toupeira à sua casa, os cuidados de Texugo para com os amigos; o assalto ao Salão do Sapo, tomado por arminhos e furões...
Amor, amizade, lealdade, perdão – todos são temas tratados com uma sensibilidade tocante em O Vento nos Salgueiros; bem mais que em tantos outros títulos ditos sérios e mais atuais. É um livro, assim, que extrapola gêneros e classificações – para ser lido, refletido e relido muitas vezes, durante toda a vida.
(resena originalmente publicada em www.owlsroof.blogspot.com)