A Voz do Fogo

A Voz do Fogo Alan Moore




Resenhas - A Voz do Fogo


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Roger Lopes 29/06/2010

Arcanamente Surreal
Você que irá adentrar essa obra profana abandone todas as esperanças. O senhor Alan Moore definitivamente não faz concessão aos tradicionais "era uma vez" e "viveram felizes para sempre". Tampouco subestima a capacidade de seu séquito com guloseimas de fácil digestão.

Não, assim como os trabalhos anteriores que consagraram o escritor,A Voz do Fogo dispensa os convencionalismos, desafiando o leitor a capinar as inúmeras referências escondidas sob o soalho de datas, nomes, fatos, locais e acontecimentos históricos.

Em doze assombrosos contos intercalados que convergem para uma única voz fomentada por cumplicidades, traições, assassínios, torturas, perversões sexuais, pesadelos, vinganças, fantasmas, escatologias, humor negro e toda sorte de augúrios, às vezes surreal e sempre corrosivamente macabro, Moore envereda pelo lado arcano das mitologias, cultos e rituais pagãos, misticismo, religião e influências lovecraftianas sem prescindir dos contextos políticos e históricos característicos.

Imprevisível como só a genialidade mal humorada britânica do tétrico barbudo pode conceber, A Voz do Fogo mantém o nível complexo dos principais escritos do autor, sendo pouco palatável ao gosto dos menos iniciados. Desaconselhável para simplórios e afins, a persistirem os sintomas um xamã deverá ser consultado.
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Qnat 28/12/2020

Fantástico, em todos os sentidos
Alan Moore é um gênio.

O primeiro conto pode ser um pouco estranho, então não julgue o livro por ele.
Há uma verdadeira experimentação na linguagem, e confesso que pensei que o tradutor estivesse meio doido.
Depois comparei com o conto em inglês e devo dizer: trabalho de tradução impecável. E não deve ter sido nada fácil.

As pessoas na pré-histórica não falavam daquele jeito, na verdade, a linguagem era linear e coerente como é uma linguagem hoje (apenas diferente em vocabulários e sons, pois se transformou), mas a base "sujeito - verbo - objeto" , ao que tudo indica, já existia... mas entendi o que o autor quis fazer...

Elogios ao tradutor feito, vamos falar do livro.


São vários contos, contando a história de "um lugar", ao longo do tempo.
Histórias fechadas em si, como uma antologia de contos. Cada um mais interessante que o outro.

Tive a oportunidade de ler esse livro por acaso. Ele estava no balcão de uma biblioteca pública, e peguei. Gostei tanto, que depois o encontrei no SEBO anos depois, e li muito contente como se fosse a primeira vez.

Entendo a crítica sobre o "machismo", de uma das resenhas abaixo...
Dificilmente pode-se narrar a história da humanidade não sendo patriarcal, pois o nosso mundo o é assim até hoje. Olha só nosso presidente. Como narraríamos a construção de Brasília, por exemplo?

Então, infelizmente, não poderia se fugir dessa visão de que, sim, os homens governavam o mundo, infelizmente...
Mas uma solução, talvez fosse o autor focar em resistências femininas, que sempre existiram, mostrar movimentos e personagens femininas lutando contra isso... E isso o livro não tem mesmo.
O autor corrigiu isso, em partes, no seu novo romance Jerusalém.

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Snowxmann 14/05/2024

Fogo, sangue e cachorros pretos
Livro especialmente desafiador para mim que não sou muito boa com contos e acho que para o público em geral que tem que encarar AQUELE primeiro capítulo,mas passada a dificuldade desse primeiro capítulo, a dificuldade vai se tornando diferente.
Alan Moore conta a história de sua cidade, pegando fatos e os transformando em fantasia, tentando descobrir os motivos de sua cidade ser tão violenta (Alan moore você devia estudar a história do RJ!), alguns contos são melhores que os outros mas o apanhado da obra é muito bom e amarrado com maestria no capítulo final quando a gente fica sabendo as inspirações que levaram aos contos.
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27/06/2010


Tive a sensação de estar ao lado de cada personagem, vivendo a história de Northampton ao longo de seus 5 mil anos. Isso já é sentido no início do livro, com o autor mostrando a dificuldade dos personagens no domínio da linguagem. Alan Moore consegue caracterizar bem os personagens e mantém uma visão imparcial sobre a evolução histórica da cidade.
Leandrooch 04/04/2014minha estante
Talvez vou ganhá-lo de presente. A história parece ser ótima pelo que li na sinopse.




Euflauzino 06/09/2010

O bruxo Moore
Tomei contato com a literatura do bruxo Moore, através dos quadrinhos, mais propriamente "Watchmen", o divisor de águas da HQ direcionada ao público adulto. Foi amor à primeira lida. Enquadramentos perfeitos, falas exatas, enredo envolvente, sério, cheio de reflexões, muita amargura e desencanto. Seu romance não difere muito. Apesar da complexidade da narrativa, que afasta o leitor logo no início do livro, vale à pena insistir, a resistência compensa. O livro tem a audácia de narrar várias histórias, com núcleos restritos como se fossem contos, em períodos históricos diferentes, ambientados no mesmo local - Northampton, cidade natal do bruxo - e que por isso mesmo se entrelaçam. Seu começo é um pouco árido, pois ele conta a história de um garoto abandonado por sua tribo quando da morte de sua mãe. Porém, a história se passa no ano 4000 antes de Cristo. Para representar o pensamento do rapaz, Moore criou uma linguagem primitiva (afinal de contas não existia linguagem propriamente dita) para a comunicação e isso foi espetacular. Vale a pena lê-lo, o livro é uma aula de narrativa, com personagens fixos que se repetem em outros contos, com conclusões que passam de um conto a outro permeando o livro todo.
Nanci 04/02/2015minha estante
Acabei de ver um vídeo do Moore falando de sua infância, influências etc. e depois encontrei sua resenha - fiquei curiosa pra conhecer o bruxo.




Carlos 28/02/2013

Todo mundo que acompanha quadrinhos já deve ter visto o nome de Allan Moore em algum canto. Afinal de contas o cara é consagrado por grandes marcos na nona arte como "Watchmen" e "V de Vingança". Na literatura não podemos dizer o mesmo sobre o velho bruxo.

Nesse romance de estréia Allan Moore escolhe como protagonista a sua cidade natal Northampton. A história é fragmentada com o passar do tempo, sendo capítulo decorrente em um século diferente. Allan se aproveita desse artifício para montar sua própria linguagem sobre a linguagem que ele acredita que era usada na época em que se passa. Logo no primeiro capítulo pode-se apreciar uma narrativa baseada num vocabulário de pouquíssimas palavras que causam uma estranheza enorma, mas com o decorrer das páginas a leitura flui e surpreende.

A escolha de Northampton não é em vão. O autor possui um grande conhecimento da mitologia local, se aproveitando muito em sua obra. Mitologia essa que não se distingue muito entre verídica ou ficcional. Os limites entre o real, a magia e a ficção são extremamente tênues no livro.

Essa mitologia Northhamptonesca proporciona a oportunidade de revisitar assuntos recorrentes em sua obra, como Guy Fawkes e Bruxaria, nos quais seu conhecimento é vasto.

Dotado de um humor sarcástico sobre a sociedade católica e as opiniões sobre a visão do ocultismo pela população inglesa, "A voz do fogo" faz juz à obra de Moore e não decepciona.
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bardo 24/10/2023

Retomar a leitura desse livro anos após a tentativa frustrada em 2015 trás sentimentos contraditórios. De um lado a conclusão de que a obra exige uma maturidade de leitura que pode atrapalhar a vários leitores entusiasmados pela chamativa introdução. Do outro a percepção de que sim o romance tem problemas, então não dá pra colocar tudo na conta da inexperiência do leitor.
O que temos é um conjunto de contos que parecem não ter uma ligação clara entre si, ainda que se perceba algum tipo de fio condutor mais óbvio em alguns deles. Temos também a onipresente presença das chamas, o que aliás dá título ao livro.
A primeira coisa que chama à atenção é o enigmático e hermético capítulo inicial, que literalmente desafia o leitor a se engajar ou não na leitura. Por mais que o recuso utilizado se justifique, a extensão do conto e a sua coesão limitada (fato talvez agravado na tradução) dificulta e muito a leitura.
Do segundo conto para frente temos uma experiência menos árdua, mas ainda é nítido alguns problemas, à semelhança do que se nota nos primeiros romances do Gaiman existe uma dificuldade na transposição de linguagens. Diversas passagens claramente funcionariam melhor numa graphic novel, o texto tenta emular uma aspecto gráfico, muitas vezes com sucesso mas em detrimento da coesão e leveza.
Cabe ainda dizer que para leitores não ingleses, o livro apresenta uma camada a mais de complexidade e talvez não de interesse. Caso ainda não tenha ficado claro, no último capítulo o autor nos apresenta claramente o fio condutor do livro e uma rápida pesquisa em sua biografia nos aponta o porquê da escolha. Porém Moore não facilita nem um pouco a vida do leitor com uma quantidade absurda de referências, muitas delas bastante obscuras e fora do alcance do leitor médio.
Em suma é um livro desafiador, que provavelmente pediria uma releitura, acrescida de vasto material de apoio, a graça; a verdadeira graça para além das pretensões filosóficas do texto, está exatamente em entender e relacionar tudo o que o autor ocultou em seu texto.
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Voz do Além 08/11/2012

O mais perfeito relato de geografia mística
Alan Moore é um cara que sabe o que faz. Já mostrou suas habilidades em construir histórias grandiosas nos quadrinhos e estreou na literatura com esse "A Voz do Fogo". Trata-se de um livro extremamente experimental, um relato que coloca a cidade do autor, Northampton como local onde tudo rola, e como protagonista silenciosa.

A estrutura narrativa conta com uma série de contos organizados de forma cronológica, que percorrem desde um período 4000 aC, até a própria finalização do livro, encerrado com um ritual místico e uma série de explicações escondidas.

Os dois primeiros contos são o destaque. No primeiro, "O Porco do Bruxo", Moore cria uma versão ultra-arcaica e desorganizada do inglês, sem tempos verbais e com termos que exigem paciência e esperteza para serem devidamente compreendidos. O conto narra uma forma de xamanismo antigo, e um processo que deu início ao marco místico da cidade: o sacrifício ritual.

O segundo conto (2500 aC) é mais organizado e compreensível, e é construído como uma história de mistério que se torna potencialmente magístico, com um bruxo que - como Moore revela ao final - é uma espécie de espelho dele próprio.

A partir daí vemos um pouco de tudo: bruxas queimadas na fogueira, cabeças decapitadas falantes, as influências de Guy Fawkes na criminalidade, a chegada dos nórdicos e a estranheza dos templários. O final ainda reserva um dos momentos metalinguísticos mais brilhantes da literatura.

"A Voz do Fogo" é um livro difícil, que exige dedicação e atenção, mas exatamente por isso é gratificante e revela a visão de Moore do Ocultismo e a forma como ele enxerga sua própria cidade.
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Karmille 05/02/2022

A história de Northampton
Minha gente que livro louco, até agora ainda estou me perguntando se realmente entendi algumas das histórias. Tiveram várias ideias narrativas que realmente gostei, tipo o fato de cada história realmente parecer ser escrita por uma pessoa diferente. Eu já li coletâneas de contos que escrita por autores diferentes não passaram essa sensação tão bem. Eu tbm gostei da conexão entre as histórias meio que enquanto eu lia ia procurando esses elos, realmente foi uma parte muito divertidas. Contudo a nota baixa é que achei os personagens pouco carismáticos, não consegui torcer nem a favor, nem contra. Tbm n conseguia sentir tanto das suas emoções, o que fez minha leitura ser até um certo ponto lenta e penosa.
Eu senti como se estivesse lendo a história de Northampton desde de os dias primitivos até os dia atuais, e se essa é era a intenção do autor então devo admitir que dei uma nota menor do que a que ele merecia
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FilipeSS 14/08/2014

Um livro de Alan Moore
A Voz do Fogo é o primeiro romance de Alan Moore, mas acredito que ninguém jamais duvidou de sua capacidade de fazê-lo. Apresentam-se várias histórias em diferentes épocas da Humanidade, tendo como protagonista a cidade Northampton. São histórias separadas, mas que se entrelaçam por pequenos e grande detalhes. O livro é homogêneo em seu clima, pois entre xamãs, bruxas, cabeças falantes, assassinos e tarados, o que se sobrepõe é o homem e suas atitudes, que vão formando e deformando a cidade a sua volta. Quem nunca leu nada do autor, se começar por esta obra, acredito que não o lerá nunca mais. Mas quem já o conhece, ao final do livro provavelmente terá vontade de continuar devorando suas narrativas.
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Orlando 08/11/2015

A VOZ DO FOGO | ALAN MOORE FALA, O FOGO QUEIMA, VOCÊ ESCUTA
O mundo é cheio de mistérios, isso todo mundo já sabe. Lendas, mitos, folclores, invenções, crendices, rituais de todo tipo com os mais diversos fins. Tem sido assim desde que o homem procurou dentro de si algumas respostas para as coisas que não entendia. Explicar fenômenos da natureza dando a eles a personalidades de deuses, espíritos, criaturas sobrenaturais e muito mais antigas do que nós e que viviam na fronteiras entre este mundo e outros tantos além dos restritos sentidos que temos…
Então, A Voz do Fogo, primeiro romance em prosa de Alan Moore é sobre isso tudo, mais especificamente isso tudo ocorrendo ao longo de milênios no território de sua cidade querida: Nothampton, pequena cidade inglesa localizada na região de East Midlands e que é a capital do condado Northamptonshire.
Alan Moore dispensa apresentações de qualquer tipo e, se você já está aqui lendo esses parágrafos, então significa que você está fazendo isso ciente da importância do velho bruxo. Como um dos pilares da chamada “invasão britânica” aos quadrinhos norte-americanos ao lado dos conterrâneos Neil Gaiman e Grant Morrison, o trio foi responsável por uma bela mudança na maneira de se escrever HQs na terra do Tio Sam. Agora caso você tenha passado os últimos trinta e tantos anos em reclusão no Tibet, tenha sido abduzido, nascido há pouco mais de cinco anos ou simplesmente não se interessa por HQs de nenhum tipo, vá ali fazer uma busca sobre Alan Moore e volte aqui… vou ficar esperando.

BOM, ESPEREI, AGORA SIGAMOS A PROGRAMAÇÃO NORMAL…
As artes místicas, ocultas, arcanas, sobrenaturais e afins sempre foram um tema presente nas obras de Moore, não à toa seu Monstro do Pântano é recheado desses temas, título inclusive no qual surgiu o mago John Constantine. Outras obras de Moore também dialogaram sobremaneira com o mundo místico como, por exemplo, a complexa Promethea. Sempre auxiliado pelo seu detalhismo exacerbado e por pesquisas históricas extremamente obscuras, Moore também é um exímio construtor de obras cuja tônica é a mistura constante de fatos históricos com intricadas criações de sua própria mente. Para tanto o velho bruxo se utiliza de um recurso recorrente muito interessante em suas obras: o mundo se materializa e ganha significado pelas linguagens.
O uso da palavra, dos signos e significados é imprescindível para a construção de uma boa parcela do que Moore escreveu e escreve até hoje. É através da palavra, do grafismo, da pintura, da construção de uma estrutura qualquer, das tatuagens, do ritual da caça e do sacrifício que boa parte do mundo sobrenatural se materializa aqui diante de nossa percepção.
Tudo ecoa os sentidos ocultos do poder das palavras articuladas em alguma forma de linguagem. São essas mesmas linguagens que impregnam as mentes humanas e plantam em nós ideias, conceitos e princípios como se fossem um vírus que fica ali dentro incubado e na hora oportuna expelem vez ou outra um arquétipo aqui e outro ali, vomitam um novo conceito calcado em algo antigo e primitivo que nos proporciona um reconhecimento ancestral e ainda assim completamente novo em muitas medidas. Moore simplesmente renova nossas percepções dos significados primitivos e uma trajeto de mais de 6 mil anos de história.

ALAN MOORE FALA, O FOGO QUEIMA…
Em A Voz do Fogo, Moore vai justamente realizar esse trabalho de escavação, essa arqueologia arcana e pagã para recontar, em um misto de Facto e Fictio, as origens de sua amada Northampton. Ao entrelaçar uma extensa pesquisa histórica com sua mais do que fértil imaginação, Moore vai tecendo uma complexa teia de significados e ressignificados de poderes ancestrais e da influência destes dentro da vida dos que passam pelo território de Northampton em vários períodos ao longo da história. Ao todo são doze contos aparentemente distintos, distantes no tempo até mesmo por séculos, todos autocontidos, cada um deles relatando um momento histórico do território onde será/é a cidade.
Mas fica um aviso: diferente de outros livros de contos, as histórias de A Voz do Fogo, mesmo fechadas em si mesmas, não devem ser lidos fora da ordem, ao menos não acho que seja aconselhável, pois há elementos de conexão entre elas que são importantes para entender o contexto macro da existência da cidade e de seus mistérios.
As doze histórias do livro e seus respectivos protagonistas tem algo mais em comum do que a localização espacial do que viria a ser Northampton: todas essas histórias são marcadas pela presença do fogo e do que ele vem nos dizer sobre esse local, mas não é um fogo qualquer, é algo mais que vai se espalhando pela narrativa de Moore. A voz que dá título ao livro é a voz de algo sobrenatural, antigo, viciado e que vem se manifestar de formas diferentes e sempre acompanhada por cães negros gigantes com olhos acesos ao lado de um estranho e primitivo bruxo cuja face é mais negra que a noite e de cujas frontes projetam-se chifres como galhos secos de antigas árvores. Já é Moore brincado com o imaginário do leitor. Também são constantes os porcos utilizados em fins diversos, mas sobretudo em ritos de sacrifício…

UM DESAFIO NO COMEÇO
Ciente de seu papel como criador, Moore não se furtou mais uma vez ao dever de realmente criar. Há aqueles que escrevem livros como quem escreve um recadinho de post it. Aqui o jogo é outro e a mente criativa entre ação para propor uma verdadeira viagem pelo tempo.
Ao regredir para 4.000 A.C (segundo fontes que pesquisei, isso seria próximo do fim do chamado período Neolítico), o autor mais uma vez provoca seus leitores a percorrem um caminho complicado no jogo narrativo, talvez se fosse outro autor, a ideia soasse apenas pretensiosamente banal como eu mesmo achei que fosse logo nas primeiras páginas desse conto de abertura. Ao dar voz a primeira pessoa do discurso (Eu), Moore instiga e inquieta seu leitor ao dar a seu personagem, um garoto primitivo, de fala igualmente primitiva e truncada, a difícil tarefa de narrar sua própria história pouco após o falecimento de sua mãe. Sendo órfão e com pouca capacidade de sobrevivência o garoto é largado para trás enquanto sua tribo avança.
Cheio de dúvidas e articulando uma linguagem primitiva, sem muitos substantivos, nem verbos ou tempos para conjugá-los, a história ganha ainda mais contornos de “superstição primitiva” e de um medo primordial das criaturas que vagam pela passagem durante a noite, ainda mais por conta de que o protagonista é tão somente uma criança. Um terror do desconhecido paira sobre o pequeno e primitivo garoto o tempo todo. Já nessa primeira história, mesmo na dificuldade inicial da leitura truncada de uma linguagem primitiva, temos um conto sobrenatural e arcano, os dois fatores que nortearão daqui até o fim do livro todas as outras histórias que dão voz ao fogo.
Daí em diante o que Moore faz é construir a partir de uma base sobrenatural e ao mesmo tempo histórica, as fundações de uma narrativa fluída que vai de encontro ao gosto do leitor contemporâneo: investigação, sobrenatural, fatos históricos estranhos, descrições detalhadas das paisagens, estados mentais conturbados, situações complexas que não se desenrolam de imediato em um único conto, arquétipos que transcendem o tempo, erotismo de ótima qualidade, criaturas sobrenaturais, personagens complexos que estão em vários matizes psicológicos dentro da história… aqui não há bem ou mal, apenas o humano e o sobrenatural.
Dentre os muitos personagens e arquétipos explorados na narrativa de Moore, é complicado dizer se este ou aquele são melhores, mais interessantes ou mais aprofundados. Seria leviano dizer algo nesse sentido, no entanto é normal a simpatia por um ou outro. Com um leque soberbo de ideias e conceitos, os personagens da obra são tão ímpares quanto os contextos de suas respectivas histórias dentro da macronarrativa do livro. Um verdadeiro desfile de ótimas ideias como, por exemplo, um bruxo que tem tatuado em seu corpo o mapa de sua aldeia, marcas estas que ligam a vida do bruxo com a vida da própria aldeia que, você já deve ter entendido, é Northampton em uma versão ainda primitiva.
Um cabeça falante, um cavaleiro templário que quer construir uma catedral circular para que o demônio não possa se ocultar em seus cantos, um outro templo construído de forma triangular para homenagear a santa trindade, um caçador nas inundações que imagina ser um pássaro gigante (ou um pássaro gigante que imagina ser um homem?), duas moças cuja amizade recorre aos encantamentos sombrios que lhes foram dados por um estranho bruxo com chifres de galhos e a face negra como a noite, um vendedor de cintas-liga poligâmico, um juiz viciado em sexo às voltas com a linguagem dos anjos e uma viúva e sua filha, o próprio Alan Moore percorrendo becos e vielas da cidade… entre outros seres e criaturas desfilando por um mundo onírico, meio pesadelo, meio conto de fadas e outro tanto de folclore e mitologia local…
Aproximadamente cinco anos foram necessários para a elaboração de A voz do Fogo, acredito eu um tempo relativamente curto levando-se em conta a quantidade de boas ideias ao longo do texto, que, diga-se de passagem, é muito bem construído em todas as obras. Você percebe nas descrições detalhadas de ambientes naturais e urbanas, nos traços psicológicos dos muitos personagens do livro, na maneira como os contos são conduzidos até seu desfecho, o estilo da fala… tudo no livro tem um esmero e um cuidado para com a estrutura narrativa de modo a refletir o empenho do autor em percorrer não só o mapa histórico e cultural de Northampton, mas acima disso de percorrer também o mapa da própria forma de se fazer Literatura.

UM LIVRO QUE VALE A PENA
Lançado pela primeira vez no Brasil pela Editora Conrad por volta de 2001/2002, o livro ganhou uma nova edição pela Editora Veneta em 2012. Também é da Veneta a ótima edição encadernada do clássico Do Inferno (veja nossa chamada para o lançamento do encadernado AQUI), outra obra potente em que Moore alterna fatos históricos com sua criatividade frenética.
A edição que tenho é a da Conrad, infelizmente não sei dizer aqui quais as substancias diferenças no texto quando comparado com a edição da Veneta, mas acredito que devam ser bem poucos e se há algo de diferente com certeza se deve às escolhas do tradutor (caso tenha sido outro).
Aqui e ali vi alguns erros de revisão na edição da Conrad, coisas como espaço entre palavras “comido” e umas palavras com claro erro de digitação, mas nada comprometedor, torço para que a edição da Veneta não tenha sofrido algo nesse rumo, na ocasião oportuna espero poder fazer um comparativo entre ambas, tanto no que se refere ao texto quanto no que se refere ao acabamento, pois a edição da Conrad era em papel Offset, brochura e laminação fosca na capa.
O saldo da leitura de A Voz do Fogo é mais do que positivo, dificilmente o leitor se arrependerá da aquisição de uma obra cujo conteúdo trás página a página situações fascinantes e de um poder imersivo enorme, tanto nos personagens quanto nas variações físicas que ocorrem na cidade Northampton, tudo na obra é um convite ao mergulho por seus becos, vielas e ruas.
Primeiro romance do mestre dos quadrinhos Alan Moore, “A Voz Fogo” reúne histórias cheias de luxúria, loucura e êxtase. O cenário é Northampton, cidade natal do autor, na Inglaterra, onde vivem os personagens do livro: jovens bruxas, velhos guerreiros, poetas loucos e cabeças falantes.
Cada história se passa em um diferente período histórico, ao longo de 6 mil anos, mas todas se conectam e, juntas, compõe um retrato mágico e sombrio da cidade. Moore mistura cabala, experimentalismo e fantasia pop num romance instigante, às vezes trágico, e sempre hipnotizante.
O livro arrancou elogios entusiásticos na imprensa mundial e foi comparado com a obra do argentino Jorge Luis Borges. Agora, chega ao Brasil com prefácio de outro inglês célebre: Neil Gaiman
“Um romance extraordinário, selvagem e, às vezes, insuportavelmente belo…”
Time Out
“Incandescente, cheio de encantos naturais e sabedoria”
Village Voice
“Alan Moore é um ícone. O nome mais importante dos quadrinhos nos últimos 30 anos. É Pelé com bola. Picasso com pincel, Ferrari de tanque cheio.”
Revista Trip, 2006
“Seu trabalho é inimitável, inclassificável: uma rica mistura de fantasia, folclore, misticismo, humor e crítica social”
The Guardian, 2009

FICHA TÉCNICA
-AUTOR: Alan Moore
-CATEGORIA: Romance / Contos
-Nº DE PÁGINAS: 336
-FORMATO: 21 X 14 x 1,3 cm / Brochura
-ISBN: 978-85-63137-01-2


site: http://www.pontozero.net.br/?p=7719
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alex 16/05/2019

É...
O livro parecia interessante, pelo título, prometia grandes aventuras, mas tem mesmo muita aventura em visão patriarcal do mundo, os personagens, mesmos os femininos, tem uma visão de que o pinto governa o mundo. Alguns contos são interessantes, me deixou irritada a história das bruxas, como se a baboseira que a igreja dizia que demônios chupavam as partes das mulheres fossem verdade. O melhor conto pra mim foi a da selvagem que mata a filha do bruxo e o último, do próprio autor relatando a história, tambem gostei dos cães pretos. Fora isso, mediano. É bem perceptível que mais homens tenham lido e gostado do livro, é tudo na visão deles.
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Arthurcl1992 04/09/2016

EXTASIANTE!
retiro um trecho do próprio Moore pra resumir em poucas palavras este livro:
"Loucura é a essência"
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Gustavo.Campello 06/04/2017

A Voz do Fogo QUEIMA!
Fazia 15 anos que havia comprado o livro por R$42,00 em uma Comic Shop... já havia tentado ler duas vezes e tinha abandonado. Desta vez fui ler preparado para o que ia encarar, não é uma leitura fácil. Complexo. Intrincado. Alan Moore sendo Alan Moore.

Um livro que compensa se você se deixar levar, tiver paciência pra preencher as histórias. Ótimo livro.
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Lismar 18/04/2017

Bem-Vindos a uma Northampton Mística
Se há uma palavra que possamos resumir esta obra de Alan Moore é esta: Selvagem.
Acabei de ler A Voz do Fogo, típico livro que adoro, em que a demência reina solta.
Se há uma palavra que possamos resumir esta obra de Alan Moore é esta: Demente.
Uma selvageria que já começa em seu primeiro conto, a de um pequeno nômade, da data de 4000 AC, abandonado pela sua tribo. Com uma linguagem rudimentar, com poucos pronomes, advérbios e conjugações verbais. Moore inicia seu épico, narrando a odisséia desse garoto de forma implacável. Aliás, a implacabilidade está presente em todo o livro. Somos levados a uma viagem mística ao longo dos anos, que demonstra a evolução da cidade de Northampton até os dias atuais. Alguns personagens estão sempre presentes ao longo da obra: fantasmas, bruxos, demônios.
O ocultismo transborda aqui. Observamos cabeças decepadas em uma querela, pactos demoníacos , santos sendo sodomizados, uma crença sendo posta abaixo, além de bruxas copulando com demônios e diabretes, tudo num detalhismo perturbador.
Não é uma leitura para qualquer um. Principalmente pela sua narrativa, que varia a cada conto.
Ano passado, Alan Moore terminou Jerusalém, sua maior obra. Aguardo ansiosamente por ela.
Iago Medeiros 19/04/2017minha estante
Que lancem logo Jerusalém!!!




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