Afonseca 08/07/2022
Humano, demasiado humano
Não é um livro de enredo: a história pode ser resumida num parágrafo.
E o nome é uma armadilha pra quem confia nas capas: a paixão, se há, quando há, ninguém sabe com certeza, nem as mulheres nem os leitores.
Mas é disso que trata o livro, da incerteza como condição humana e, aqui, os personagens são mestres nisso. Não há um pensamento, deles próprios ou de quem convivem, que não seja analisado, sopesado, questionado, visto sob perspectivas diferentes (a razão, o amor, a genética, a natureza, as relações sociais) e - como nós - não chegam a conclusão alguma.
Não tive empatia por ninguém e isso é o mais difícil do livro. Daí a impaciência de acompanharmos os diálogos excessivos, pois, de fato pouco nos importa o resultado da ação ou a conclusão dalguma discussão. Me senti como um deus impassível, do alto assistindo a humanidade bater cabeça erraticamente e repetidamente enquanto tenta ser feliz e sabê-lo.
Num mundo e geração em que dissecamos tudo e em que pra tudo temos como solução uma opinião, um remédio psiquiátrico, uma pesquisa científica ou uma religião, é difícil acompanhar discussões sobre a vida, a morte e as estrelas sem que nenhum guru ou coach nos diga no livro o que fazer ao final.
Não é um livro aberto; as coisas acontecem, os personagens agem, sofrem, há cenários, há enredo, mas o autor não poupa ninguém. O mais das vezes desprezamos cada um dos personagens - e no mais das vezes tomamos partido de um ou outro nas discussões.
De certa feita, uma personagem, após perder uma discussão, ataca a cabeça do oponente com uma bola de pedra. Na maior parte do tempo dá vontade de fazermos o mesmo com todos os personagens que desfilam nas trocentas páginas - e em outras vezes dá vontade de beijá-los por ditos e pensamentos tão maravilhosamente humanos.
E, como na vida, nunca sabemos se uma conversa, convívio ou paixão vai terminar em beijo, solidão ou pancada na cabeça.
Pra quem quer fugir um pouco da realidade, Mulheres Apaixonadas não serve: esse é um livro humano, humano demais.