spoiler visualizarGabriela Santana 01/01/2017
Resenha crítica
Escrevi para o trabalho na disciplina 'crítica literária', que faz parte do meu curso de letras, por isso o texto é extenso, porém mais detalhado.
Escrito originalmente em árabe em 1923 e traduzido em mais de trinta idiomas, o ensaio poético ?O Profeta? foi um grande sucesso editorial mesmo durante a crise de 29. Gibran Khalil Gibran foi ensaísta, poeta e pintor. Nascido na cidade de Bichare, Líbano, em 1883, foi o escritor mais renomeado e reconhecido do seu país.
A história se passa na cidade de Orfalese, onde o personagem principal, Al Mustafá ?um mestre espiritual de uma comunidade religiosa não especificada- esperou durante doze anos por seu barco para poder voltar à ilha onde nasceu. Do alto do monte ele sente uma imensa alegria de poder voltar à terra natal, mas há uma grande tristeza por ter que deixar para trás as pessoas e a lembrança do local:
?E quando entrou na cidade, todos
vieram encontrá-lo, e gritavam para ele
a uma só voz.
E os anciãos da cidade deram um
passo à frente e disseram:
Não nos abandona.
(...)Tu não és um estranho entre nós,
nem um hóspede, mas nosso filho e nosso
amado.?
Página 18.
Seus seguidores tentam convencê-lo a não ir embora. Sem sucesso. Então, pediram-lhe para contar ?tudo o que te foi mostrado do que existe entre o nascimento e a morte? (p. 21) antes de ele partir.
?Povo de Orfalese, o que eu posso
falar exceto do que ainda está se movendo
dentro de vossas almas??
Página 21
Assim, o Mustafá, com paciência, oferece responder as questões que as pessoas quisessem esclarecer, a pedido da sacerdotisa Almitra. Ao todo são vinte e oito perguntas que várias pessoas abordam, e todas as perguntas são respondidas com simplicidade e profundidade sobre temas universais que inquietam a mente humana em forma de meditações ?amor, filhos, crime e castigo, as leis- havendo linguagem poética (pela melodia das frases), metáforas e paráfrases, se assemelhando com os evangelhos de Jesus Cristo por conta da influência exercida em Khalil pela corrente mística no islamismo, o sufismo, que visa um contato mais íntimo de Deus, tendo também Cristo um dos grandes exemplos de prática e ética religiosa. Exemplificando a abordagem semelhante entre Gibran e Jesus em relação as parábolas e a linguagem verbal (conjugação em 2° pessoa), há abaixo o trecho que Mustafá fala sobre a beleza:
?No inverno, dizem os que estão
cobertos de neve: ?Ela virá com a
primavera, salteando sobre as colinas?.
E no calor do verão, os camponeses
Na colheita dizem: ?Nós a vimos dançando
com as folhas do outono, e vimos neve
em seu cabelo?.
Todas estas coisas disseram da beleza,
Mas, na verdade, só falastes dela as
necessidades não satisfeitas,
E a beleza não é uma necessidade,
mas sim um êxtase.
(...) Não é a imagem que veríeis, nem a
canção que ouviríeis,
Mas uma imagem que vedes, apesar
de vossos corações estarem fechados, e uma
canção que ouvíeis, apesar de vossos
ouvidos estarem surdos.?
Páginas 95/96
Contudo, há também, nos trechos a seguir, a diferenciação entre o texto bíblico e o livro de Khalil: Percebe-se que tem o rompimento da visão dualística do homem, presente na cultura ocidental, e revela-se no ?O Profeta? as contradições da condição humana e seus sentimentos, conduzindo a uma nova forma de pensar, viver e sentir, sendo explorada no livro a tentativa de ?saber tecer em conjunto os diversos saberes e os diversos códigos numa visão pluralística e multifacetada do mundo? (CALVINO, Ítalo. ?Seis propostas para o próximo milênio? ,2002, p. 127). A abordagem feita sobre o Amor e os Filhos, respectivamente, é um exemplo:
?Pois mesmo quando o amor vos
coroa, ele vos crucifica. Mesmo sendo
para o vosso crescimento, ele também
vos poda?
Página 23.
?Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas do desejo da
Vida por si mesma.
Eles vêm através de vós, mas não
de vós.
E apesar de estarem convosco, não pertencem a vós.?
Página 28.
Terminando de responder todas as questões do povo de Orfalese, Mustafá se despede daqueles que conviveu, e o narrador onisciente descreve que ouve um grito conjunto, como um único coração batendo, forte e ritmado, encerrando sua despedida (p.119).
Khalil coloca em cada frase curta do livro o convite para a reflexão e a aprendizagem dos complexos sentimentos de maneira leve, mesmo falando sobre um tema pesado, como a morte:
?A coruja, cujos olhos noturnos são
Cegos durante o dia, não pode revelar o
mistério da luz.
Se quereis realmente contemplar
o espírito da morte, abri bem o vosso
coração para o corpo da vida.
Pois a vida e a morte são um, assim
como o rio e o mar são um.?
Página 101
A abordagem poética do livro traz a leveza necessária para haver meditação no conteúdo das palavras sem deixar de contemplar a beleza estilística das frases que carregam, ao mesmo tempo, o peso desses temas de complexa análise.
Apesar do autor do livro ter morrido com quarenta e oito anos, de tuberculose, em 1931, se percebe em cada capítulo do livro o olhar simples, sábio, profundo e experiente sobre as coisas fundamentais aos humanos e ao que está a nossa volta, usando as metáforas -extremamente frequentes em todo o livro- como a principal ferramenta que faz induzir o leitor a meditar e refletir sobre as nossas atitudes, deixando esclarecido não somente as perguntas, mas também evidenciando em cada resposta a própria alma sensível do autor, que consegue com sucesso atingir a alma do leitor de modo singelo e poético.