Andreia Santana 10/06/2012
Uma história de amor com gosto de infância
Quem já leu Luna Clara e Apolo 11, de Adriana Falcão, vai se identificar de imediato com Mil coisas podem acontecer, de Jacobo Fernández Serrano, que no Brasil ganhou edição da Autêntica. A narrativa segue a mesma receita de unir uma bela história de amor, com generosas doses de humor, ludicidade, aventura, suspense e pitadas de absurdo, só para deixar a receita mais saborosa.
Ricamente ilustrado por seu autor, que é também artista gráfico, Mil coisas podem acontecer é aquele tipo de livro de leitura rápida, de um só fôlego, dos tais que não conseguimos largar até concluir e que dá vontade de reler outra vez e mais outra. Ou então, depois de decorada a história, apenas folhear, viajando no cineminha mudo das gravuras.
A história singela fica na memória e o colorido dos desenhos só ajuda a fixar mais na lembrança os carismáticos personagens. Não tem como terminar a leitura e não simpatizar com o rio Inrique; ou com os personagens do “mundo dentro do mar”. Ou ainda com Propicius e sua mania de limpeza.
Dos protagonistas então, nem se fala, Lina e Pouco merecem um fã-clube. Do começo ao final da saga dos dois amantes para finalmente ficarem juntos, sem que guerras sem sentido ou nuvens de água salgada os afastem, o leitor se emociona, vibra, ri, quase chora de frustração e avança, página por página, até... (se eu contar perde a graça!)
Em resumo, o livro começa com dois fatos importantes: na vila de Nil, os moradores festejam o fim da guerra do Leito Seco, iniciada porque um belo dia o rio Inrique desapareceu do seu leito, deixando os moradores desconfiados dos vizinhos. Enquanto isso, no fundo do mar, os filhos do rei Pindo IV tentam encontrar o presente ideal de aniversário para o pai e decidem viajar à superfície. Quando os mundos de fora e de dentro do mar se encontram, literamente, "mil coisas podes acontecer", numa sucessão de fatos que brinca com a ideia das reações em cadeia.
O livro passa uma mensagem muito positiva do tipo “nunca é tarde para mudar a trajetória da própria vida”. Que o digam os moradores da simpática vila de Nil, que aproveitam a sucessão dos fatos e vão alterando suas posições na trama, de forma aparentemente nonsense, mas que carrega aquela lógica inerente aos que não tem medo de experimentar o novo.
Outra mensagem muito bacana para os pequenos, e os crescidos também, é a persistência. Pouco, que era soldado, aplica-se aos estudos de música até aprender a tocar uma tuba e assim virar músico da banda municipal; Propicius, que recebe o cargo de coveiro e servente do cemitério da vila, obstina-se em fazer da necrópole um jardim florido; Lina inicia uma busca insistente e incansável por reencontrar seu amado raptado por uma nuvem. Cada personagem da obra nos mostra o valor de lutar por aquilo que acreditamos. É muito lindo!
Importante também ressaltar o cuidado da edição em português. Tanto no que diz respeito à tradução e revisão final do texto, quanto na preservação das ilustrações originais e da própria forma como o autor encadeou a história. O livro é ainda um deleite visual.
Mil coisas podem acontecer promete uma continuação (no original em espanhol o livro dois já foi lançado). A história tem um final aberto para muitos dos personagens e o leitor, ao menos aqui no Brasil, já fica se torcendo de ansiedade pelo próximo volume dessa divertida saga dos nilenses. Que venha logo, então!