regifreitas 04/12/2013
Demorei para escrever sobre esse livro depois da leitura, e as razões ficarão claras mais adiante. Tinha, antes, que refletir melhor sobre algumas questões, para não correr o risco de uma avaliação precipitada./ Antes de tudo...
É um livro de fácil leitura Eugenides é um ótimo contador de estórias. Mas nem por isso trata-se de um texto superficial, desses que podem ser consumidos apressadamente. Mesmo alguns dos temas apresentados pelo autor, como o início dos estudos de semiótica e desconstrucionismo nas faculdades americanas, no começo dos anos 1980, e até a pequisa sobre leveduras, apresentada por um dos personagens em determinado momento do livro, tornam-se acessíveis a completos leigos sobre esses assuntos. Confesso que gostei bem mais das partes em que o autor punha seus personagens discutindo Roland Barthes, Jacques Derrida, Umberto Eco, Lévi-Strauss, até porque esses teóricos dizem muito para alguém com a minha área de formação. Eugenides, no entanto, consegue manter a atenção e o interesse do leitor comum, mesmo em se tratando de temas tão específicos, não deixando que seu texto se torne chato ou enfadonho.
Assim, o romance acompanha a estória de três estudantes prestes a se formarem na Brown University, uma das mais prestigiosas dos Estados Unidos. Madeleine Hanna: estudante de Letras; aficionada por romances vitorianos; torna-se obcecada por Fragmentos de um discurso amoroso, de Roland Barthes, depois de conhecer e se apaixonar por Leonard. Leonard Bankhead: estudante de biologia; maníaco-depressivo; altamente inteligente e emocionalmente instável; de família disfuncional o pai os abandona e vai morar na Europa. Mitchell Grammaticus: estudante de estudos religiosos; sofre de uma paixão não correspondida por Madeleine; depois da formatura vai para a Europa e depois para as Índias com a intenção de esquecer sua frustração amorosa e quem sabe encontrar um objetivo mais elevado para sua vida./ Vale ressaltar que em momento algum a estória trata de um triângulo amoroso, pois, desde o início, o autor deixa claro que o interesse romântico de Madeleine é Leonard. Mitchell está ali para fazer o contraponto à relação do casal, mas nem por isso é coadjuvante na obra. Muitas vezes temos a impressão que se trata de três livros dentro de um único, pois Eugenides desenvolve cada personagem separadamente, sendo que os três ocupam o papel de protagonistas, alternadamente, em algum momento da narrativa. Porém, ao final, o autor consegue juntar todas as pontas e não deixa nada solto.
Em relação ao título, cabe um esclarecimento: o que a princípio poderia atrai os incautos por pensar tratar-se de uma chick lit, está longe de ser esse tipo de livro muito pelo contrário. Para quem desconhece o termo, chick lit é um gênero de literatura, dentro da ficção feminina, que retrata o dia a dia e a vida de uma protagonista, mulher (que pode variar a idade da adolescência até a maturidade 30, 40 ou 50 anos), moderna e independente, envolta em uma série de problemas sentimentais, familiares e profissionais. Geralmente são textos nos quais o humor predomina. Muito provavelmente o protótipo desse tipo de gênero tenha sito O diário de Bridget Jones (1996), de Helen Fielding.
Neste A trama do casamento, o título remete a uma disciplina cursada por Madeleine na Universidade, chamada O Romance e o Casamento, ministrada por um tal Profº K. McCall Saunders. Segundo o Profº Saunders:
[...] o romance tinha atingido o seu apogeu com o romance de casamento e nunca tinha se recuperado do seu desaparecimento. Nos dias em que o sucesso na vida dependia do casamento, e o casamento dependia de dinheiro, os romancistas tinham um tema para escrever. Os grandes épicos cantavam a guerra, o romance cantava o casamento. A igualdade entre os sexos, boa para as mulheres, tinha sido ruim para o romance. E o divórcio tinha acabado com ele de uma vez.
Assim, para Saunders, nem o casamento nem o romance tinham mais relevância nos dias de hoje, sendo que ambos estavam em vias de decadência e extinção. São esses romances femininos dos séculos XVIII e XIX, de autoras como Jane Austen, as irmãs Brönte (Emily e Charlotte), Edith Wharton, George Eliot etc., a área de interesse de Madeleine, o que acabam redundando na escolha de Saunders para ser o orientador de sua monografia de final de curso.
Em A trama do casamento Eugenides tenta jogar com questões que seriam típicas desse tipo de literatura dita feminina, dando-lhe uma roupagem atual, mas na verdade desconstruindo esse tipo de gênero. Dessa forma, trata-se de colocar o amor romântico e idealizado no centro da questão, tentando compreendê-lo à luz das teorias pós-estruturalistas em voga no período em que transcorre a estória. O autor, contudo, escolheu diluir toda a divagação teórica que o tema suscitaria, em algo acessível a um público mais amplo e menos acadêmico. E é justamente essa opção que gerou alguns descontentamentos por parte da crítica.
Alguns anos atrás Jeffrey Eugenides lançara As virgens suicidas (1993), que foi um sucesso tremendo nos meios literários, e rapidamente ganhou uma ótima adaptação para o cinema nas mãos de Sophia Copolla. Publica em seguida Middlesex (2002), que garantiria ao autor o Prêmio Pulitzer de melhor romance daquele ano e um lugar como uns dos mais promissores escritores da atualidade. Então, quando saiu este A trama do casamento, muitos críticos o consideraram um obra menor do autor, e, talvez, que Eugenides tivesse perdido o toque que o consagrara, tornando sua obra mais mercadológica. Bem, não li os outros livros, mas se esta é uma obra menor, como muitos insinuaram, quero conhecer o que realmente é o melhor do autor e do que ele é capaz!
Críticas à parte, gostei muito de A trama do casamento, sendo esta uma das leituras que entrariam facilmente na minha lista das melhores de 2013. Mas ela também me fez pensar sobre o papel da crítica, seja ela de que objeto cultural for livro, filme, peça, espetáculo etc.
Muita gente especializada escreve a respeito, em publicações respeitáveis sobre esses assuntos. E com a popularização da internet, cada vez mais pessoas publicam/postam suas opiniões na rede. Para deixar bem claro, não sou contra isso, acho muito importante a democratização do acesso à informação e à expressão do pensamento.
Contudo, quando busco informações sobre determinado autor, livro, filme pelo qual tenho interesse, procuro verificar o papel social desse crítico/resenhista/comentador. Quem é ele? Qual a sua formação? Ele tem conhecimento especializado para falar sobre este assunto? E muitas vezes não precisa nem ser especialista na área há muita gente por aí que discute literatura e cinema com propriedade e bom senso sem ter qualquer relação com essas áreas. Essas pessoas apenas gostam de ler ou assistir a uma obra bem realizada, e adoram partilhar a sua experiência com outras pessoas que se interessam a respeito. Logo, não é necessário uma formação em jornalismo ou letras para tratar desses assuntos.
Então, há que se levar em consideração dois aspectos. Aqueles textos, escritos por especialistas, que buscam aprofundar por meio de um embasamento teórico maior sua opinião a respeito de uma obra. E aqueles que leram o livro, gostaram, ou não, e querem compartilhar isso com o restante do público. Cada qual tem seu espaço no mundo virtual e deve ser respeitado em suas escolhas.
Tenho lido muitos comentários infelizes em blogs, vlogs ou nas redes sociais que acompanho, de gente que desce o sarrafo em quem emite sua opinião (geralmente contrária) sobre seus objetos de adoração sejam eles Harry Potter, Cinquenta tons de cinza, Crepúsculo, Paulo Coelho, ou seja lá o que for. E esse tipo de comentário vem geralmente sem qualquer justificativa, são somente reações emocionais e não raras vezes de baixo nível, repleta de xingamentos e ofensas sobre aquelas pessoas.
Como eu disse, qualquer um pode expressar seu parecer sobre qualquer assunto, mas sempre levarei em consideração quem julgo que sabe sobre o que está falando, ou porque realmente tem conhecimento a respeito, ou porque tenha na bagagem uma experiência considerável que lhe permita emitir sua opinião. Só achismos, sem qualquer base, não servem. Quer discutir na rede, tenha argumentos inteligentes para falar a respeito. E mesmo assim as pessoas têm o direito de concordar ou discordar da sua opinião e para isso não é preciso perder a educação.
Eu mesmo já me peguei em desacordo com muitas coisas que li, escritas por renomados experts algumas inclusive sobre este A trama do casamento. Esta é a importância fundamental da crítica, no meu entender a possibilidade de ver e pensar sobre o outro lado da questão. Li. Refleti a respeito. Não concordei. Ponto final. Cada qual civilizada e educadamente com a sua posição.
Gosto e reconheço a importância das resenhas críticas, mas sabe o que realmente importa? Vá ver o filme que lhe chamou a atenção, vá ler o livro que lhe interessa e tire as suas próprias conclusões. Só você sabe o que gosta ou não e isso realmente não é discutível. E ninguém deve interferir na sua opinião. Nem eu mesmo aqui! Agora, lançar ofensas só porque não gostou do que leu, é uma questão completamente diferente. Esse, entretanto, é o preço pago pelo acesso democrático que a net nos oferece. Mas, antes isso, do que qualquer tipo de censura.