Rosa Santana 29/05/2012
FELIZ ANO NOVO, Rubem Fonseca, Companhia das Letras, 174 páginas
Publicado em 1975, depois de já ter vendido mais de trinta mil exemplares, "Feliz Ano Novo" foi proibido pela censura do governo ditatorial dos militares. O então ministro da justiça, Armando Falcão, declarou sobre o livro: "Li pouquíssima coisa, talvez uns seis palavrões, e isto bastou." Triste e hilário, paradoxalmente.
Hilário porque essa ação de tentar esconder a realidade brasileira se equivale a passar uma mão de cal para vedar as imperfeições de uma parede, como a Companhia das Letras já nos mostra na capa, com sua sempre cuidadosa atenção para com esse 'convite' que ela faz aos leitores! A cal não tem consistência para tanto. E nem a censura. Ainda bem!(?)
"Imperfeições" constantes nesse "Feliz Ano Novo": personagens como 'Pereba', sem dentes, vesgo, preto: pobres que partem para violentos assaltos e confrontos em 'retribuição' ao modo com que são tratados pelo sistema; ou como o jornalista desempregado que, para se firmar no jornal "Mulher", tem que inventar um nome para si, como se fêmea fosse, responder às cartas inventadas, de mulheres também "inventadas" (ah, as mãos de cal!); como os empresários responsáveis, com suas pastas cheias de contratos, representando o trabalho duro, mas que saem à noite para assassinar com seus carros, caros e importados, os incautos transeuntes; como Amadeu e Joaquim antigos amigos que se veem separados por bobas incompreensões e, ao tentarem se entender, se perdem nas impossibilidades preparadas pela vida... Enfim, personagens que, embaixo da mão de cal, persistem em existir apesar de tudo! Apesar da 'justiça'! Apesar dos ministros da justiça!!
E, no último conto, o autor explica muito bem o que pensa da literatura, via o narrador de "Intestino Grosso": ela, diferentemente do "dulce et utile", de Horácio (Venúsia, 8 de dezembro de 65 a.C. — Roma, 27 de novembro de 8 a.C.) deve descascar a mão de cal e mostrar as imperfeições que a hipocrisia política-social-religiosa tenta esconder. Em outro de seus livros, agora pela boca de José, no livro homônimo, Rubem explicita melhor, dizendo-nos que o escritor "precisa ter coragem de dizer o que é proibido de ser dito, coragem de dizer o que ninguém quer ouvir." (138)
E é isso o que Fonseca, com seus contos e personagens extremamente realistas, vivendo em um meio excenciamente urbano e violento faz: choca e até mesmo ofende o leitor com esse "Feliz Ano Novo", porque, ao nos desejar, já na capa e com o primeiro conto, um "Feliz Ano Novo", como em um reveillon, RF como que nos convida a uma auspiciosa e feliz leitura. Um dos seus irônicos truques! O que se configura é um ano novo triste, porque repete as agruras, as deformidades, os desajustes do velho, ad infinitun.
Porque os ministros não o leem; porque não leem Carlos Drummond de Andrade e, assim, não sabem dessa que é a tarefa de todos nós, prescrita na "Receita de Ano Novo":
"Para você ganhar um ano novo
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
não precisa (...) parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo."
(Carlos Drummond de Andrade, in: Discurso de Primavera)