Jimmy 30/04/2021
Liberdade e responsabilidade: A idade da razão de Sartre.
O que é ser livre? É não se apegar a ninguém? É ir contra a moral vigente?
“A idade da razão” é um romance de densidade reflexiva. Tem como personagem principal Mathieu Delarue, um professor de filosofia de Liceu e funcionário público. Porém, Mathieu vem de uma família burguesa e luta para se desvencilhar de seus hábitos e visões de mundo de sua origem. Mathieu não quer se casar nem ter filhos, é membro do partido comunista francês, mas não é engajado. O seu grande dilema ao longo do livro é o aborto do filho que poderia ter com sua namorada, Marcelle. Aliás, todo capítulo parece ter uma decisão a ser tomada, um dilema de ordem moral. Desde o aborto, a homossexualidade, o roubo, a juventude versus a maturidade, o amor e a política. Todas as escolhas possíveis e suas consequências. Em todos os capítulos há diálogo, entretanto, as personagens têm um raciocínio bem mais elaborado em suas consciências do que em suas falas. Há a dificuldade de transpor a própria consciência. A alteridade de Mathieu, por exemplo, é construção filosófica. Ele não sente realmente o outro, ele constrói o outro em sua consciência e isso lhe custa caro.
O que fazer com a liberdade? Já que a todo instante é um (des)conhecer-se (dis)saborear-se. A comodidade nos ilude com sua aparência de liberdade? Em que atos fomos mais pela comodidade do que pela liberdade? Mathieu rejeita a moral burguesa, mas é um burguês. Ele simpatiza com os comunistas, mas nunca se engajou na causa. Ele defende princípios, mas, aparentemente, não sabe lidar com as consequências de suas escolhas. Mathieu é imaturo para sua idade de 34 anos, segundo seu irmão Jacques. Para esse último, era uma contradição ter pendores revolucionários e ser funcionário público.
O sentimento de vazio e de distanciamento do mundo é grande em Mathieu. Um dia ao ler um jornal, ele se sente numa “gaiola sem grades”. Impotente para quebrar a barreira das necessidades e acontecimentos cotidianos de sua vida e sentir ou existir alhures. O ódio ou dor pelo outro lhe é exercício imaginativo. Para Mathieu, a Segunda Guerra é algo distante. Ele queria um destino heroico, uma causa para lutar. Assim o fez Brunet: dotou sua vida de sentido ao escolher lutar e até sacrificar sua vida pela causa comunista. Mathieu inveja essa liberdade, sua vida tão sem sentido em comparação a de Brunet. A sua liberdade o sufoca ao invés de libertá-lo. Trocaria a sua liberdade por uma convicção para poder esquecer-se de si. Uma fé lhe daria honra, o massificaria, o despersonalizaria na multidão de fiéis comunistas. Pobre Mathieu, já não tinha mais os laços burgueses e nem conseguia ainda comungar com o proletariado. Será que conseguiria abandonar-se e redescobrir o senso de realidade perdido com a tentativa de ser livre? Esse senso de realidade não seria mais uma construção ideológica? Não o aprisionaria mais uma vez?
Em vários momentos as personagens desejam ser outras, transcenderem suas existências. Suas consciências pesam, pois entram em constante conflito com a moral burguesa. São desajustados. Sentem que desperdiçaram suas vidas, que não fizeram nada de útil, que ninguém depende deles, que não fizeram nada de memorável. Por isso, o outro parece ser a salvação de suas existências. Ser outro seria um alívio. É a mulher madura que namora um jovem, é o intelectual que quer deixar de ser burguês, é a moça solteira que quer se casar, é um homossexual que tem vergonha de si. A vida parece ser uma tragédia e uma farsa. Não ser nada ou representar ser o que se é? Mathieu não vive a jornada do herói, o seu romance não é o romance de formação como o Fausto. Sua existência lhe parece medíocre. As coisas se dão ao acaso, seus atos não parecem ter consequências, a vida é uma eterna sucessão de esperas. Para ser livre, Mathieu não percorreu o caminho comum, preferiu esperar. Sua espera o deixou com uma sensação de nunca ter feito algo. Ainda assim, o tempo passou, tem uma vida ordinária paralela a sua “vida de espera” no descompasso entre as expectativas e seus feitos.
Ao final, Mathieu não se sente livre, pois seus atos parecem gratuitos, sem peso, sem consequências. Os acontecimentos de sua vida não foram transformadores e não lhe preparou para as futuras tomadas de decisão. Até a filosofia lhe parece uma consolação para o malogro inevitável de sua vida do que um conhecimento que o guiasse no futuro. Nesse sentido a filosofia não lhe foi útil. E como poderia ser se a existência é caótica e irrepetível?
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